A PROPÓSITO DO ÔNIBUS DA LINHA 328

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Ontem tive que descer ao Rio de Janeiro. Já estava mentalizado para enfrentar o costumeiro trânsito na altura de Duque de Caxias. Aproveitei o tempo para ouvir as notícias. O fato mais comentado era a tragédia do ônibus da linha 328. É verdade que é necessário deixar a poeira baixar, ter todos os elementos da situação, que aos poucos vão se revelando em todos seus detalhes, para emitir uma opinião.

Mesmo assim, queria aproveitar que o tema está no ar para tecer algumas reflexões e, como é claro, vou puxar a água um pouco para meu moinho. O que segue é uma reflexão do ponto de vista Ético.
Refiro-me a Ética no seu sentido clássico, isto é o estudo do caráter da pessoa humana, que é adquirido por meio do seu agir livre. O caráter de uma pessoa é configurado pelo conjunto de virtudes (ou vícios) que ela possui. Eu posso responder à pergunta “quem sou?” enumerando as minhas virtudes ou vícios o que, analogicamente pode transferir-se a uma cultura. “Quem é o brasileiro?” ou “quem é o latino-americano?” são perguntas que podem ser respondidas enumerando virtudes e vícios.Virtudes como a justiça, a prudência, a coragem ou a temperança não são simples ideias ou conceitos abstratos, que basta conhecer para aplicar no dia a dia. São, pelo contrário, realidades bem concretas, necessárias para uma vida humana em sociedade. O caráter concreto e real das virtudes muitas vezes o percebemos, paradoxalmente, quando um acontecimento como a tragédia do ônibus 328 nos revela a sua falta. Faltou a prudência onde ela era necessária. Faltou também a temperança, no seu sentido mais amplo, de autodomínio ou autocontrole. De fato, depois de uma pesquisa que procurava identificar a maior carência atual do ponto de vista ético, foi identificada como primeira na lista a falta de autodomínio ou autocontrole. Tal pesquisa foi realizada por representantes da Psicologia positiva, corrente atual que visa uma síntese entre a Psicologia científica e a ética clássica. O homem psicologicamente sadio e feliz é, resumidamente, o homem virtuoso.

Mas o que é a virtude, a final de contas? Trata-se de uma qualidade moral da pessoa. A palavra qualidade remete a algo estável, que se manifesta costumeiramente na conduta. Não é algo passageiro ou de momento. Espera-se do homem virtuoso que sempre aja de acordo com a virtude por ele possuída. Um homem prudente não tomará a decisão certa apenas em algumas ocasiões, senão sempre ou quase sempre. Por outro lado, parece que ele realiza os atos próprios da virtude com gosto. Ele se alegra profundamente quando realiza tais atos.

Um terceiro elemento pode ser acrescentado para uma definição da virtude. Ela é uma resposta livre a um valor, a algo que é intrinsecamente importante como a vida humana ou a justiça. O homem honesto, por exemplo, é particularmente sensível ao valor da verdade e sempre buscará responder, com seus atos, positivamente a esse valor. Como essa resposta não é de um momento, mas se manifesta constantemente em seu agir, podemos dizer que se trata de uma resposta supra atual, que perpassa todos os momentos da sua vida.
Ouvi várias opiniões ao longo da minha viagem ao Rio de Janeiro, na descida e na subida da Serra. As soluções propostas eram sempre de cunho técnico: se a muralha de contenção fosse mais forte, se o motorista fosse protegido por um vidro, que impedisse o contato direto com os passageiros, e por ai vai. Não sou um tecnófobo nem coisa parecida, mas me parece que às vezes, quiçá por superficialidade, nossa cultura tende a solapar, com certo malabarismo, um profundo problema social e antropológico, com as mais engenhosas soluções técnicas.
Por que não investir mais numa educação em valores? Por que não reconhecer que somos insensíveis a muitos deles e precisamos recuperar tal sensibilidade, requisito fundamental para dar-lhes uma resposta positiva, virtuosa, tanto na esfera pessoal quanto social?
São estas reflexões necessariamente incompletas, feitas como que pensando em voz alta.
Membro do Sodalício de Vida Cristã desde 1996. Nascido no Peru em 1978, mora no Brasil desde 2001. Por muitos anos foi professor de Filosofia na Universidade Católica de Petrópolis. Atualmente faz parte da equipe de formação do Sodalício, é diretor do Centro de Estudos Culturais e desenvolve projetos de formação na Fé e evangelização da cultura para o Movimento de Vida Cristã.

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