Alquimia

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Nos idos tempos do século XX, havia, como hoje, novelas televisivas, que, procurando distrair o público, lhe oferecia o espetáculo dramatizado dos episódios humanos. Atualmente ainda as temos; mas agora procuram oferecer aos homens o drama público de episódicos espetáculos demoníacos, a ponto de se questionar se uma pessoa de fé pode legitimamente acompanhá-las sem incorrer em culpa. Em comum com a perspectiva antiga, estas novas mantêm a ideia da distração: só a do esquecimento das coisas de Deus.

Àquela altura, porém, eram menos evidentes tais transmutações, mesmo se não tão simplória a noção de desvirtuamento da mídia como fator ideológico, pois já em 1917, por exemplo, haviam descoberto a pedra filosofal da mentira como a prima materia da democrática propaganda politicamente eficaz. Assim, nos tempos em que no televisor ainda se podia ver claramente o contraste do preto e branco – sim, em muitas casas as pessoas mantinham este discernimento – foi exibida a novela “O Casarão”, que já então oferecia temas questionadores (como o feminismo, entre outros). E um dos personagens, velho, sentava-se frente a uma banheira de estrume, remexendo-o constantemente com uma vara, na esperança mágica de que, por um processo de alquimia, o transformaria em ouro.

Ora, basta dizer que não foi feliz.

Também não o foram os desdobramentos daqueles questionamentos, nem totalmente incipientes ou bem intencionados, trazidos pela novela, como se constata na vivência atual. O que foi remexido, com a química errada, resultou em estrume, moral, ideológico, ético, social, evidente aos berros nos noticiários, e aberrante em cada notícia dos altos planos que chegam da conformação geológica, terrena, que sobranceia as planícies de uma outrora Santa Cruz. Aí vê-se ao menos a coerência entre ato e efeito: o homem velho, que não percebeu ou aquiesceu ao sinal positivo da Cruz, que não se renovou na Páscoa de Cristo, está fadado a aspirar incessantemente os humores que ele mesmo ativa ao remexer sem parar no produto dos seus próprios, estritamente mundanos esforços.

A alquimia, contudo, não é culpada pelas medíocres escolhas humanas, e nem originalmente se referia especificamente à busca da transmutação de metais pobres, ou outras matérias inferiores, em ouro. Dentro dos conhecimentos científicos e filosóficos da época, era uma forma primitiva da química grega desenvolvida em Alexandria do Egito, próximo dos tempos de Cristo. A cultura helênica chegou à Síria, onde os árabes a conheceram e cultivaram, e “a infusão”, al – artigo na língua árabe, e Gr. ch(k)umeía – infusão (a partir de extratos vegetais) passou a designar as manipulações químicas em geral. Um dos objetivos era de fato a busca da transmutação em ouro, que na prática redundou na descoberta de combinações, ligas metálicas, que o simulavam, sendo então usadas na produção de peças de joalheria. Mas…

Nos idos tempos dos séculos I ou II, havia, como hoje, o apetite do pecado. E passou-se a oferecer por ouro o que era liga; mas como o pecado engana quem o pratica, quem oferecia passou a crer que de fato fazia ouro. Assim a concepção filosófica grega, que unia à química a ideia de um “princípio” – a pedra filosofal, identificada em algum momento com uma derivação do enxofre – aplicado sobre a prima materia formadora de qualquer substância, com a sua consequente transformação em ouro, acabou por decair no misticismo mágico e da astrologia orientais. Os elementos químicos foram associados a astros, e estes a deuses, como por exemplo Mercúrio. O homem, criando à sua imagem e semelhança, vai tentando justificar-se com argumentos elevados… enquanto gasta o tempo inutilmente, remexendo uma ilusão, na busca de uma mentira. Já não vê claramente o contraste do branco e do preto, mas os matizes coloridos, atraentes e de distraimento, que reluzem atemporalmente no pecado e nos afãs materiais. Crê-se com poder, e deseja o poder; é a novela que se vive hoje, no dia a dia.

Quiçá, sendo o salário do pecado a morte (cf. Rm 6,23), enterrem-se em urnas tais desejos, na esperança da sua áurea e ilusória transmutação em “bem”. Façam-se votos de que tal não aconteça; de que seja outra a eleição das almas.

A alquimia verdadeira, ou seja, o desenvolvimento da química na Idade Média (cf. Encyclopaedia Britannica, Vol. 1, 1956), esta faz juz ao seu sinônimo, espagíria: Gr. spáo, arrancar, e ageíro, reunir; pois buscava a um tempo retirar e adicionar componentes e substâncias, na busca do conhecimento das suas propriedades químicas. Equilibrá-las, talvez, segundo o espírito da época – uma suposição totalmente particular –, cujo buscava mais que tudo arrancar o erro e reunir os homens, em Cristo. A Idade Média, época de ouro da humanidade (cf. Régine Pernoud, 1994, Idade Média: O que não nos Ensinaram; Felipe Aquino, 2010, Uma História que não é Contada), de fato transmutou a sociedade humana, e sob a Doutrina Católica forneceu, da sã filosofia à Ciência, da urbanização à Educação, da preservação da Cultura ao seu desenvolvimento, toda a base da moderna civilização ocidental, de influência e progresso mundial; civilização esta que está na idade retrógrada de caluniar a própria mãe e cortar os próprios pés, na esperança de livrar-se do “obscurantismo” do seu nascimento e caminhar (!!), auto-mutilada, para a gloriosa volta da barbárie. Por isso tanto se esforça para dar cunhos de elevação democrática ao novo massacre dos inocentes abortados, ao prestígio das aberrações sexuais, da perseguição da livre consciência religiosa. Em horário nobre.

Nos idos tempos do século XV, havia, como hoje, a Vera Cruz, que também parecia ilhada, mas que sempre se mostra um imenso continente a ser descoberto, oferecendo inauditas riquezas. Mas para nela habitar é necessário o esforço do combate, a consciência das adversidades, a vontade de vencer, a coragem de firmar-se. Não basta assistir, enquanto por magia – falsidade –, misturada a alguma ciência primitiva, vão-se propondo e impondo filosofias (e ações) que disfarçam estrume em ouro.

Só Deus – só Cristo, novamente perseguido e desprezado, pode transformar o estrume em adubo, tocando-o e movimentando-o com a Cruz, para que dê bons frutos; só Ele pode tirar o Bem do mal, das dificuldades as soluções, da dor a alegria, da Cruz a Ressurreição: “… sem Mim, nada podeis fazer” (cf. Jo 15,5). É portanto necessária esta nova alquimia – esta “infusão”, mas do Espírito Santo – para que Ele faça o milagre da transformação – da alma, das almas, muito, muito superior que a do ouro.

Há quem busque um Casarão nesta terra. Mas é apenas uma imagem, que vai se apagar, no tempo mesmo em que se toca um botão. Sensato é unir-se à Videira, sem a Qual nada fazemos, e cujo lenho, transformado em Cruz redentora, conduz à imensa, infinita, Casa do Pai.

José Duarte de Barros Filho   7/8/2014

2 COMENTÁRIOS

  1. estou boquiaberta, surpresa e inconformada com tamanha ignorância e aversão ao questionamento e medo do conhecimento que provém de quem escreveu esse artigo!!!!!!!!!!!!!!!

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