III DOMINGO DO TEMPO PASCAL: “Vocês são testemunhas da minha ressurreição”

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I. A PALAVRA DE DEUS

At 3, 13-15.17-19:Vós matastes o autor da vida, mas  Deus o ressuscitou dos mortos.

« Naqueles dias, Pedro se dirigiu ao povo, dizendo:

13O Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus de nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus. Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. 14Vós rejeitastes o Santo e o Justo, e pedistes a libertação para um assassino. 15Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 17E agora, meus irmãos, eu sei que vós agistes por ignorância, assim como vossos chefes. 18Deus, porém, cumpriu desse modo o que havia anunciado pela boca de todos os profetas: que o seu Cristo haveria de sofrer. 19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que vossos pecados sejam perdoados.»

Sal 4, 2.4.7.9 : “Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!”

2Quando eu chamo, respondei-me
ó meu Deus, minha justiça!
Vós que soubestes aliviar-me nos momentos de aflição,
atendei-me por piedade e escutai minha oração!

4Compreendei que nosso Deus
faz maravilhas por seu servo,
e que o Senhor me ouvirá
quando lhe faço a minha prece!

7Muitos há que se perguntam:
‘Quem nos dá felicidade?’
Sobre nós fazei brilhar
o esplendor de vossa face!

9Eu tranqüilo vou deitar-me
e na paz logo adormeço,
pois só vós, ó Senhor Deus,
dais segurança à minha vida!

1 Jo 2, 1-5: Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e também pelos pecados do mundo inteiro.

« 1Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. 2Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro. 3Para saber que o conhecemos, vejamos se guardamos os seus mandamentos. 4Quem diz: ‘Eu conheço a Deus’, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. 5aNaquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é plenamente realizado.»

Lc 24, 35-48:Assim está escrito: o Messias sofrerá e ressuscitará dos mortos no terceiro dia

«Naquele tempo: 35Os dois discípulos contaram  o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 36Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse:

– ‘A paz esteja convosco!’

37Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma. 38Mas Jesus disse:

– ‘Por que estais preocupados, e porque tendes dúvidas no coração? 39Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho’.

40E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés.

1Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse:

– ‘Tendes aqui alguma coisa para comer?’

42Deram-lhe um pedaço de peixe assado. 43Ele o tomou e comeu diante deles. 44Depois disse-lhes:

– ‘São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’.

45Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, 46e lhes disse:

– ‘Assim está escrito: O Cristo sofrerá  e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia 47e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. 48Vós sereis testemunhas de tudo isso’.»

II. COMENTÁRIOS

No Evangelho deste Domingo São Lucas relata o momento no qual o Senhor ressuscitado se apresenta no meio de seus Apóstolos e discípulos reunidos no Cenáculo: «Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles».

De que coisas falavam? Da ressurreição do Senhor. Pedro e também os dois discípulos que tinham partido tristes para Emaús davam testemunho deste fato inusitado. Os discípulos de Emaús tinham retornado ao Cenáculo cheios de entusiasmo para contar a todos como o Senhor ressuscitado os tinha acompanhado pelo caminho até que o reconheceram ao partir o pão. A ressurreição do Senhor já não era, como tinham suspeitado a princípio, o fruto da imaginação ou delírio de algumas mulheres “emocionalmente alteradas”, e sim uma realidade que deixava atrás todo ceticismo: «É verdade! O Senhor ressuscitou!» (Lc 24, 34)

No meio desta alvoroçada conversa e estando as portas do recinto fechadas, o Senhor se apresentou no meio deles. Tomados de surpresa encheram-se de medo, pois por um momento acreditavam que se tratava de um fantasma ou espírito. Como tinha podido entrar sem que ninguém lhe abrisse a porta?

O Senhor, como saudação e como expressão do dom obtido para eles por sua Páscoa, diz-lhes: «A Paz esteja convosco», e imediatamente acrescenta: «Por que estais preocupados, e porque tendes dúvidas (dialogismoi) no coração?». O Senhor percebe o medo e conhece as dúvidas ou “raciocínios equivocados” que se levantam em suas mentes.

O medo não só é fruto da surpreendente aparição, mas também um dos “raciocínios equivocados” ou dialogismoi, palavra grega que designa os pensamentos de um homem que matuta consigo mesmo, um raciocínio interior, mas também um questionamento interno daquilo que é verdadeiro. Por isso algumas vezes se traduz por pensamentos e outras por dúvidas.

Do que ainda duvidavam os discípulos, se já estavam convencidos da autenticidade de sua ressurreição? Que pensamentos vinham a suas mentes? Talvez aqueles que ainda não tinham tido a experiência de “ver e tocar” o Senhor ressuscitado não conseguissem ainda crer na veracidade do fato, nem sequer pelo testemunho de Pedro ou outros discípulos, como aconteceria com Tomé. Por outro lado, seria “o Senhor ressuscitado” um espírito ou um fantasma? Ou tinha ressuscitado com um corpo verdadeiro? Como podia então fazer-se presente de um momento para outro em um recinto fechado? O Senhor sabia que a melhor maneira de dissipar as dúvidas persistentes de alguns discípulos assim como suas idéias equivocadas a respeito de sua ressurreição era o contato com a realidade objetiva, com a verdade dos fatos: «apalpai e vede», diz-lhes, para que vissem que não era um espírito ou um ser imaterial, mas sim verdadeiramente tinha ressuscitado em «carne e ossos». Deste modo «mostrou-lhe as mãos e os pés» para que vissem que não se tratava de outro, mas sim Dele mesmo, o Crucificado. Finalmente «comeu diante deles» para que terminassem de acreditar que tinha ressuscitado com um corpo autêntico e real. Seu corpo «possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas de um corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo» (Catecismo da Igreja Católica, 645). Por isso pode fazer-se presente onde quer e quando quer.

Esta e outras aparições do Senhor têm o objetivo de demonstrar a realidade de sua ressurreição. Mas alguém poderia perguntar-se se estas aparições foram encontros reais com o Senhor ou teriam sido visões subjetivas. De acordo com a narração dos evangelhos, depreende-se que foram encontros reais, objetivos: o verbo grego que normalmente se emprega para descrever as aparições do Ressuscitado é ophzé (“deixou-se ver”). O emprego deste verbo coincide com o uso que faz a tradução dos LXX para falar das aparições de Deus no Antigo Testamento.

Em muitos outros casos os verbos gregos usados para falar das aparições do Ressuscitado são da raiz faino ou faneroo que significam, literalmente, “mostrar-se visivelmente” (ver At 10, 40; Mc 16, 9; Lc 24, 31).

Em outras ocasiões empregam-se verbos que têm o significado de colocar-se ou situar-se espacialmente: «apresentou-se no meio deles» (Lc 24, 36; Jo 20, 19.26; Mt 28, 9; At 1, 3).

E o caso em que os apóstolos têm visões subjetivas diurnas e, sobretudo, noturnas, e a estas dão o nome de hórama (At 11, 5.10.17.19), que nunca empregam para designar os encontros com Jesus ressuscitado.

Por outro lado, os discípulos de Cristo dão testemunho (martyría) da Ressurreição de Cristo, alguns deles com o derramamento de seu próprio sangue. Este termo só é utilizado para referir-se ao que se viu e ouviu objetivamente, não a impressões subjetivas. Assim vemos as testemunhas do Ressuscitado dizer diante do Sinédrio: «Não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido.» (At 4, 20). O testemunho faz alusão a encontros reais com o Senhor ressuscitado.

Voltando para o cenáculo, demonstrada aos apóstolos e discípulo a verdade de sua ressurreição, o Senhor tratou de abrir «a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras», isto é, põe-se a ensinar-lhes como tudo o que está escrito «na lei de Moisés, nos profetas e salmos» sobre o Messias de Deus se cumpriu nEle. Em Jesus e por Ele, Deus tinha completado suas promessas. A espera tinha chegado a seu fim: Ele era o Messias que — diferente da idéia que haviam feito muitos judeus — devia padecer e ressuscitar no terceiro dia para a reconciliação de todo o gênero humano. Correspondia a eles, agora, a tarefa de divulgar esta boa nova a todos, de convidar à conversão e de levar os frutos da reconciliação a todos os povos mediante o perdão dos pecados. Seria sua missão dar testemunho do que eles, estando com o Senhor, ouviram, viram e tocaram: «O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam no tocante ao Verbo da Vida … o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão conosco» (1Jo 1, 1-3).

Em cumprimento a esta missão, ao iniciar a pregação dos Apóstolos depois de receber o Espírito Santo no dia de Pentecostes, Pedro se apresenta diante de muitos israelitas como testemunha do Ressuscitado (1ª. leitura). Seu testemunho é valente, decidido, audaz. O núcleo de sua mensagem é este: Deus ressuscitou de entre os mortos Aquele que eles crucificaram pelas mãos dos romanos. Deus ressuscitou Jesus Cristo! É um testemunho da história, do acontecimento realizado na história.

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

O Evangelho deste Domingo nos narra uma nova aparição do Senhor Ressuscitado aos Apóstolos e outros discípulos que estavam com eles: “Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles”. De que falavam? De um acontecimento impactante, absolutamente inesperado para os até então desalentados discípulos: o Senhor Jesus tinha-se apresentado a Simão Pedro vivo, ressuscitado! A incredulidade, as dúvidas e ceticismos diante das primeiras notícias da ressurreição ficavam atrás para dar lugar a uma forte afirmação: «O Senhor ressuscitou verdadeiramente!” (Lc 24,34). Neste contexto, também os dois discípulos de Emaús compartilharam sua intensa e singular experiência.

Também hoje muitos católicos batizados, fazendo eco a um mundo que não crê e que rechaça a Deus e ao seu Enviado, vivem submersos na incredulidade, nas dúvidas e ceticismos. Duvidam que Cristo tenha ressuscitado verdadeiramente, questionam o testemunho daquelas testemunhas da ressurreição de Jesus Cristo porque questionam a veracidade dos próprios Evangelhos e a autoridade da Igreja, e vivem de acordo com o que acreditam, quer dizer, vivem como se Cristo não tivesse morrido na Cruz e não tivesse ressuscitado.

Perante esta dolorosa incredulidade de tantos filhos e filhas da Igreja cabe a nós afirmar hoje com convicção e alegria profundas, como aqueles Apóstolos e discípulos: «O Senhor ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou!». Afirmo, portanto, fazendo eco às palavras do Santo Padre, que «a ressurreição [de Jesus Cristo] não é uma teoria, e sim uma realidade histórica», que «não é um mito nem um sonho, não é uma visão, nem uma utopia, não é uma fábula, e sim um acontecimento único e irrepetível: Jesus de Nazaré, filho de Maria, que no crepúsculo da Sexta-feira foi baixado da cruz e sepultado, saiu vencedor da tumba» (S.S. Bento XVI). Eu creio, pois, que a ressurreição de Jesus Cristo é um acontecimento autêntico, verdadeiramente acontecido na história.

Creio hoje que Cristo ressuscitou graças ao testemunho que deram aqueles que depois que Jesus foi crucificado e sepultado viram-nO novamente vivo e ressuscitado. Creio porque a Igreja recolheu e transmitiu fielmente ao longo dos séculos esse testemunho. Creio porque aqueles discípulos que a princípio não acreditaram, aqueles que diante das primeiras aparições do Senhor ressuscitado ou dos primeiros testemunhos desconfiaram, duvidaram, exigiram provas evidentes, mudaram radicalmente de atitude: de Apóstolos e discípulos frustrados, abatidos, decepcionados, covardes, transformaram-se em transmissores valentes e audazes de uma mensagem totalmente insólita e incrível: «Deus ressuscitou de entre os mortos a quem vocês crucificaram… e nós somos testemunhas disto» (ver At 3, 13-15). Creio porque aquelas testemunhas não duvidaram em derramar até seu sangue e dar a vida para afirmar a veracidade de seu testemunho.

Sim, o Senhor quis fazer «testemunhas destas coisas» (Lc 24, 34) àquele punhado de homens e mulheres que seguiram-nO e viram-nO triunfar sobre a morte, encomendando a seus Apóstolos a missão de anunciar a toda a humanidade o dom da Reconciliação (ver 2Cor 5, 18), enviando-os a pregar «a conversão para perdão dos pecados a todas as nações», para que nós hoje pudéssemos crer neste acontecimento real, histórico, que transforma dramaticamente nossas existências.

Como eles ontem, você e eu hoje somos herdeiros do testemunho que deram aquelas testemunhas da Ressurreição do Senhor. Não podemos guardar esta tremenda Notícia para nós mesmos, mas estamos chamados a deixar que o acontecimento histórico da Ressurreição de Cristo nos impacte e nos transforme de tal modo que nos impulsione a transmitir esta boa Nova a tantos quantos possamos, com nossas palavras, mas mais ainda com o testemunho de uma vida transfigurada pelo encontro cotidiano com o Senhor Ressuscitado. Também a ti e a mim o Senhor pede hoje que sejamos «testemunhas destas coisas».

Onde encontrar o valor para anunciá-lo? Como transmitir o Senhor Jesus com toda a força atrativa de sua Pessoa? Só se Cristo viver em mim poderei irradiar a Jesus, poderei atrair a muitos outros para Ele. Por isso, «se tiverem encontrado com Cristo, vivam em Cristo, vivam com Cristo! E anunciem em primeira pessoa, como autênticas testemunhas: “para mim o viver é Cristo” (Flp 1, 21)» (São João Paulo II).

Para poder responder a esta tarefa e missão, para ter o valor, o arrojo e a força interior necessária, é preciso que eu também me encontre cada dia com Aquele que vive, com Aquele que é a fonte de minha própria vida e esperança de minha própria ressurreição. Mas, como posso me encontrar hoje com o Senhor Ressuscitado? Como poderá Ele viver em mim para que eu possa irradiá-lo? Não podemos esquecer que o Senhor toca e bate à porta de nossos corações, que Ele nos busca e tenta entrar na intimidade de nossa casa (ver Ap 3, 20). Só na medida em que Lhe abramos as portas de nossos corações, só na medida em que nos esforcemos para levar uma vida espiritual intensa, dispondo os meios para que essa vida espiritual seja consistente, constante e perseverante, Ele entrará em nossa casa e poderemos chegar a ter essa experiência de encontro e comunhão com o Senhor, vivo e ressuscitado, uma experiência que nos transformará interiormente pela força de seu Espírito. Dedicar tempo ao Senhor é oferecer-Lhe esses espaços interiores tão necessários para que Ele possa entrar também em nossa “casa”, apresentar-se perante nós vivo e ressuscitado e transformar nossa covardia em ardor e coragem para sair anunciando sua Ressurreição diante de muitos que têm que crer no Senhor por nosso testemunho.

IV. PADRES DA IGREJA

São Cirilo: «O Senhor querendo provar que a morte foi vencida e que sua natureza humana já tinha deixado a corrupção, mostra-lhes em primeiro lugar as mãos e os pés e os buracos dos pregos».

São Beda: «Para demonstrar-lhes a veracidade de sua ressurreição, não só quis que seus discípulos lhe tocassem, mas também dignou-se a comer com eles para que vissem que tinha aparecido de uma maneira real e não de um modo fantasmagórico. Por isso está registrado: “E tendo comido diante deles, tomou as sobras e as deu”. Comeu para manifestar que podia, e não por necessidade. A terra sedenta absorve a água de um modo distinto de como a absorve o sol ardente: A primeira por necessidade, o segundo por capacidade».

São Beda: «Depois que o Senhor se deixou ver e tocar, recordou-lhes o que diziam as Escrituras, e a seguir abriu-lhes o entendimento para que entendessem o que liam».

Santo Eusébio: «Mas se tudo o que Jesus havia predito já devia produzir efeito, e já sua palavra, viva e eficaz, começava a ver-se por todo mundo por meio da fé, era chegado o momento em que não haveria incrédulos em relação Àquele que tinha produzido esta fé. Convém, pois, que leve uma vida muito Santa aquele cujas obras vivas devem estar de acordo com suas palavras. Tudo isto se cumpriu pelo ministério dos Apóstolos. Por isso acrescenta: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”, isto é, da morte e da ressurreição do Senhor».

V. CATECISMO DA IGREJA

“Vocês são testemunhas disto”

  1. Tudo quanto aconteceu nestes dias pascais empenha cada um dos Apóstolos – e muito particularmente Pedro – na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, eles são as pedras do alicerce da sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, a maior parte, vivendo ainda entre eles. Estas «testemunhas da ressurreição de Cristo» são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos.
  2. Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um fato histórico. Resulta, dos fatos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada. O abalo provocado pela paixão foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de «rosto sombrio»: Lc 24, 17) e apavorados. Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e «as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc 24, 11). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc 16, 14).
  3. Mesmo confrontados com a realidade de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam (ver Lc 24, 38) de tal modo isso lhes parecia impossível: julgavam ver um fantasma (ver Lc 24, 39). «Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios de assombro» (Lc 24, 41). Tomé experimentará a mesma provação da dúvida, e quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt 28, 17). É por isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um «produto» da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu — sob a ação da graça divina ─ da experiência direta da realidade de Jesus Ressuscitado.
  4. Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas, através do contacto físico e da participação na refeição. Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito, e sobretudo a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão. No entanto, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas de um corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-se presente onde e quando quer, porque a sua humanidade já não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai. Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência de um jardineiro ou «com um aspecto diferente» (Mc 16, 12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes despertar a fé.
  5. A ressurreição de Cristo não foi um regresso à vida terrena, como no caso das ressurreições que Ele tinha realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Esses fatos eram acontecimentos milagrosos, mas as pessoas contempladas pelos milagres reencontravam, pelo poder de Jesus, uma vida terrena «normal»: em dado momento, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No seu corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida, para além do tempo e do espaço. O corpo de Cristo é, na ressurreição, cheio do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que São Paulo pode dizer de Cristo que Ele é o «homem celeste»[1].

 VI. OUTRAS REFLEXÕES DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE[2]

Uma palavra do Santo Padre:

«Nas leituras bíblicas da liturgia de hoje ressoa duas vezes a palavra «testemunhas». A primeira vez é nos lábios de Pedro: ele, depois da cura do paralítico na porta do templo de Jerusalém, exclama: «Mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou de entre os mortos, e nós somos testemunhas disso» (At 3, 15). A segunda vez, nos lábios de Jesus ressuscitado: Ele, na tarde da Páscoa, abre a mente dos discípulos ao mistério de sua morte e ressurreição e lhes diz: «Vós sois testemunhas disto» (Lc 24, 48). Os apóstolos, que viram com os próprios olhos o Cristo ressuscitado, não podiam calar sua extraordinária experiência. Ele se tinha mostrado a eles para que a verdade de sua ressurreição chegasse a todos mediante seu testemunho. E a Igreja tem a tarefa de prolongar no tempo esta missão; cada batizado está chamado a dar testemunho, com as palavras e com a vida, de que Jesus ressuscitou, de que Jesus está vivo e presente no meio de nós. Todos nós estamos chamados a dar testemunho de que Jesus está vivo.

Podemos nos perguntar: mas, quem é a testemunha? A testemunha é alguém que viu, que recorda e conta. Ver, recordar e contar são os três verbos que descrevem a identidade e a missão. A testemunha é alguém que viu, com olho objetivo, viu uma realidade, mas não com olho indiferente; viu e se deixou envolver pelo acontecimento. Por isso recorda, não só porque sabe reconstruir de modo preciso os fatos acontecidos, mas também porque esses fatos lhe falaram e ele captou o sentido profundo. Então a testemunha conta, não de maneira fria e distante, mas como alguém que se deixou questionar e desde aquele dia mudou de vida. A testemunha é alguém que mudou de vida.

O conteúdo do testemunho cristão não é uma teoria, não é uma ideologia ou um complexo sistema de preceitos e proibições ou um moralismo, é uma mensagem de salvação, um acontecimento concreto, é mais, uma Pessoa: é Cristo ressuscitado, vivente e único Salvador de todos. Ele pode ser testemunhado por quem tem uma experiência pessoal Dele, na oração e na Igreja, através de um caminho que tem seu fundamento no Batismo, seu alimento na Eucaristia, seu selo na Confirmação, sua contínua conversão na Penitência. Graças a este caminho, sempre guiado pela Palavra de Deus, cada cristão pode transformar-se em testemunha de Jesus ressuscitado. E seu testemunho é muito mais acreditável quanto mais transparece em um modo de viver evangélico, contente, valente, humilde, pacífico, misericordioso. Em troca, se o cristão se deixa levar pelas comodidades, pelas vaidades, pelo egoísmo, se se converter em surdo e cego diante do pedido de «ressurreição» de tantos irmãos, como poderá comunicar Jesus vivo, como poderá comunicar a potência libertadora de Jesus vivo e de sua ternura infinita?».

Papa Francisco. Regina Coeli, 19 de abril de 2015.

Vivamos nosso Domingo ao longo da semana

  1. Geralmente somos um pouco duros para julgar Tomé por sua incredulidade diante do testemunho de seus irmãos na fé. Entretanto, neste Domingo vemos como outros apóstolos também tiveram medos e dúvidas. O Senhor mesmo lhes pede que apalpem e vejam suas feridas. Acaso nós não pedimos, também, um sinal para acreditar?
  2. O Papa Francisco nos recorda que o conteúdo de nossa fé nasce do encontro com uma Pessoa: Cristo ressuscitado, vivente e único Salvador de todos. Sou «testemunha do Ressuscitado» com meu próprio testemunho de vida?

[1] Conforme 1Cor 15,35-50.

[2] Vide estudo completo em: http://razonesparacreer.com/por-que-os-turbais-y-por-que-se-suscitan-dudas-en-vuestro-corazon/

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