Lições de um estudante

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Há certas coisas que não passam, como os clássicos. O amor autêntico, pelo qual saímos de nós mesmos para doar-nos à pessoa amada, é uma dessas coisas, que sempre serão as mais necessárias, as mais devidas.

Parece ser esta a mensagem central do filme “O estudante”, que apresenta a vida humana como um constante aprendizado, no qual o maior desafio é vencer o obstáculo do egocentrismo, do estar demasiadamente centrado em si mesmo, para abrir-se ao mais importante e dar-lhe uma resposta adequada.

Nesse caminho às vezes temos a fortuna de encontrar pessoas como Chano, um Quixote dos tempos atuais, que encarna na própria vida os mais altos valores morais como o amor e a autêntica amizade, a reverência, a fidelidade, a humildade e a bondade.

Chano é um senhor idoso e aposentado, que decide estudar na Universidade para realizar um antigo sonho. O recinto universitário é para ele um lugar sagrado, que encarna o lugar da busca do conhecimento e da cultura, e que exerce nele uma forte atração. O desejo de estudar e conviver com esse ambiente é tão forte que se torna impossível ignorá-lo.

Apesar da sua idade avançada, graças a sua simpatia, Chano rapidamente estabelece amizade com alguns colegas muito mais jovens, superando barreiras geracionais. Aos poucos, eles vão descobrindo nele alguém que tem muito para ensinar. E de fato, ele vai assumindo aos poucos essa missão, ajudando os jovens a perceber o fascinante mundo dos valores, a partir de uma série de experiências.

Uma delas está relacionada com o próprio Quixote. Chano ajuda os jovens a entender a mensagem eterna contida no clássico da literatura espanhola. Envolvidos na montagem da peça no teatro universitário, eles compartilham sua angústia com Chano pelas dificuldades na realização da mesma, e ele resolve realizar uma interessante experiência. Os jovens tm que ler trechos do Quixote para pessoas na rua. O objetivo é mostrar a sabedoria de vida contida nos clássicos, mas que precisa ser atualizada, vivida para ser plenamente compreendida. Reflexões sobre a felicidade, as virtudes, os vícios, a importância do caráter, estão contidas nos grandes clássicos, esperando por alguém que as compreenda e comunique aos demais.

Cada personagem tem uma experiência singular, que tem como denominador comum uma exposição gradual e cada vez mais intensa ao mundo dos valores, ao qual vão respondendo de forma mais adequada. Esse caminho, porém, não é isento de dificuldades e crises.

Santiago, por exemplo, graças à amizade de Chano e a reflexão sobre o Quixote e sua relação com Dulcinéia, mudará radicalmente sua relação com Carmen.  Inicialmente mais preocupado com a própria satisfação subjetiva, descobre que amar significa mais doar-se pela pessoa amada e reconhece no “ser amados” algo do qual nunca somos plenamente dignos.

Eduardo, um jovem desleixado nos estudos e envolvido com drogas, encontra em Chano o verdadeiro amigo, aquele disposto a ajudar mesmo depois que o desapontamos. Também encontra no amor incondicional da sua mãe, que o acompanha no hospital depois de ter sido agredido por traficantes, um valor perante o qual não pode ser mais indiferente. A partir desse momento empreende a mudança. Inspirado no Quixote, entende que “os males que não têm força para acabar com a vida não têm força para acabar com a paciência”.

A exposição ao mundo dos valores pela qual passam os personagens é também evidente pela beleza do recinto universitário e da cidade de Guanajuato, na qual se passa a história. O colorido das casas, de estilo colonial, contrasta com o céu azul e as altas montanhas. A harmonia que se respira na arquitetura e na decoração dos locais combina com a boa nova dos valores que é anunciada e acolhida por cada um de maneira diversa. Carmen, estudante de artes plásticas, é quem se mostra mais sensível perante os valores estéticos e sua sintonia com os valores morais. Compara naturalmente a beleza da fachada de uma Igreja colonial com a beleza do amor “para sempre” entre Chano e sua esposa Alícia, que se faz concreto no simples gesto de levar um lanche para o marido no intervalo de aulas. Ela também deseja viver algo assim e por isso rejeita Santiago quando percebe que só procurava nela uma fonte de satisfação subjetiva. Instrumentalizar a pessoa é sempre um desvalor e, nesse sentido, a rejeição de Carmen é uma resposta adequada nesse momento.

Alejandra é também um personagem interessante. Ela é particularmente sensível aos valores intelectuais, ao conhecimento. De todos os jovens, ela é quem mostra mais dedicação ao estudo. Por momentos, porém, essa dedicação vem associada a um ar de superioridade e desprezo aos demais, principalmente Marcelo, quem se apaixona por ela, mas que é de natureza mais simples e prática, menos dado à reflexão intelectual. A experiência negativa do envolvimento com Héctor, o professor de literatura hispânica, quem diante da gravidez da menina oferece apenas pagar um aborto, ajuda-a a reconhecer em Marcelo o verdadeiro amigo, aquele que a acompanhará e apoiará até o momento do parto. Héctor encarna o desvalor da covardia, do homem irresponsável e infiel. Isso fica patente na cena em que Chano encara Héctor depois que fica sabendo da gravidez de Alejandra. Na firmeza e na ira de Chano, mostra-se novamente a resposta adequada, neste caso ao desvalor da “covardia”.

Ajudada por Alícia, Alejandra toma a decisão de seguir em frente com a gravidez, reconhecendo o altíssimo valor de uma vida humana. Dar vida, segundo Alícia, é o sacrifício que mais vale a pena e pelo qual vale a pena viver. Cada vida humana mostra-nos uma nova face do amor.

Finalmente, o próprio Chano passa por uma experiência final de aprendizado. A profunda tristeza que suscita nele a morte de Alícia evidencia que o homem verdadeiramente sábio e virtuoso não pode ser um homem frio, mas que tem um coração. Trata-se, no seu caso, de uma tristeza profundamente espiritual, que é uma resposta afetiva ao acontecimento tremendo da morte do ser amado.

Chano mostra neste momento também sua profunda fé, buscando respostas ao mistério da morte no diálogo íntimo e pessoal com Deus. Há certas perguntas que somente a Ele podem ser dirigidas. E a resposta não demora em chegar. Num velho volume do Quixote, que guardava por conter uma dedicatória do pai em que lhe aconselhava nunca desistir dos seus sonhos, Chano encontra uma mensagem escrita por Alícia antes da morte: nunca desistas do teu caminho, estou orgulhosa de ti.

Cheio de esperança e entusiasmo, alimentada pela fé e pelo amor, assim como o Quixote, Chano empreende uma nova aventura e volta para a Universidade.

Penso que o filme “O Estudante” é uma excelente adaptação para os tempos atuais do clássico de Cervantes. Ele nos mostra um caminho pedagógico que começa com uma exposição ao mundo dos valores e vai acompanhando a pessoa para que ela responda a eles de forma cada vez mais adequada. Também nos mostra a importância de pessoas que encarnem tais valores, que comuniquem existencialmente a sabedoria de vida, os valores perenes que os clássicos souberam captar e conservar para a humanidade.

 

1 COMENTÁRIO

  1. Muito Bom.
    Valoriza os valores essenciais pra nossa vida. Que na verdade nos dias de hoje não existem mais. Está uma pouca vergonha. Os valores acabaram, o verdadeiro amor pelo próximo não exste mais… As pessoas só si preocupam por si próprio. Mas este filme veio pra resgatar estes valores que não há mais entre a sociedade, entre as família, que é verdadeira base do ser feliz!!!
    Letícia

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