Mistérios gozosos: meditações escritas por São João XXIII

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Primeiro mistério: a Encarnação do Filho de Deus

 

Contemplação:

É o primeiro ponto luminoso para unir o céu e a terra. O primeiro da série de acontecimentos que são os maiores de todos os séculos.

O Filho de Deus, Verbo do Pai, “por quem foram feitas todas as coisas” na criação, toma natureza humana neste mistério. Se faz homem Ele mesmo para poder ser redentor do homem e da humanidade inteira, e seu salvador.

Maria Imaculada, flor da criação, a mais bela e fragrante, respondendo ao anjo “eis aqui a serva do Senhor” (Lc 2,28), aceita a honra da maternidade divina que se cumpre nela instantaneamente. E nós, chamados em nosso pai Adão filhos adotivos de Deus, privados depois, voltamos hoje a ser irmãos, filhos adotivos de Deus, recuperada a adoção por redenção que começa agora. Ao pé da cruz seremos com Jesus, que é concebido em seu seio, filhos de Maria. Desde hoje será ela Mãe de Deus e logo mãe nossa.

O sublimidade, o ternura deste mistério!

 

Reflexão:

Refletindo sobre isso, nosso primeiro dever inesquecível é dar graças a Deus, porque se dignou vir para salvar-nos. Por isso se fez homem, irmão nosso. Igual a nós enquanto a nascer de uma mulher, da qual nos fez filhos de adoção ao pé da cruz. Filhos adotivos do seu Pai celestial, quis que o sejamos igualmente da sua própria Mãe.

 

Intenção:

Seja a intenção da nossa oração, ao contemplar este primeiro mistério que é oferecido à nossa meditação, além de dar graças continuamente, um esforço, em verdade sincero e real, de humildade, de pureza, de caridade, virtudes das quais nos dá tão alto exemplo a Virgem bendita.

 

 

Segundo mistério: A visitação de Nossa Senhora

 

Contemplação

Que suavidade, que graça nesta visita de três meses que Maria fez à sua prima. Uma e outra, abençoadas com uma maternidade que se cumpriria em breve. A da Virgem Maria, a mais sagrada maternidade de quanto se possa sonhar sobre a terra. Doce encanto nas palavras que são ditas como um cântico. De uma parte, “bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1,45). E da outra, “porque olhou para a humildade da sua serva, por isso chamar-me-ão bem-aventurada todas as gerações” (Lc 1,48).

 

Reflexão:

Quanto sucede aqui, em Aim-Karim, no monte Hebron, apresenta, com luz celeste e ao mesmo tempo muito humana, que relações são as que unem entre si as boas famílias cristãs, educadas na antiga escola do rosário. Rosário recitado a cada noite em casa, no círculo dos íntimos. Rosário recitado, não em uma, nem cem, nem mil famílias, senão por todas e por todos, e em todos os lugares da terra, ali onde qualquer um “sofre, luta e ora” (Manzone, La Pentecoste, v. 6), fiel a uma inspiração do alto, como o sacerdócio, a caridade missionária, a prossecução de um ideal de apostolado; ou também pela fidelidade a algum daqueles motivos, tão legítimos que chegam a ser obrigatórios, como o trabalho, o comércio, o serviço militar, o estudo, o ensino, ou qualquer outra ocupação.

 

Intenção:

Belo é confundir-se durante as dez avemarias do mistério com tantas e tantas almas, unidas por vínculos de sangue, domésticos, [ou entre aqueles que fazem parte de uma mesma família espiritual] em uma relação que santifica e por isso mesmo consolida o amor das pessoas mais amadas: com pais e filhos, irmãos e parentes, vizinhos e compatriotas, irmãos ou irmãs de agrupamento mariano, [ou que trabalham comigo em um mesmo projeto apostólico]. Tudo isso, com a finalidade e o propósito vivido de sustentar, aumentar e tornar mais viva a presença da caridade com todos, cujo exercício proporciona a alegria mais profunda e é a maior honra da vida.

 

 

Terceiro mistério: O nascimento de Jesus em Belém

 

Contemplação:

A seu tempo, segundo a lei da natureza humana assumida pelo Verbo de Deus, feito homem, sai do tabernáculo santo, o seio imaculado de Maria. Faz a sua primeira aparição ao mundo em um presépio. Ali as bestas rumiam o feno. E todo ao redor é silêncio, pobreza, singeleza, inocência. Vozes de anjos atravessam o ar anunciando a paz. Aquela paz da qual é portador para o universo o menino que acaba de nascer. Os primeiros adoradores são Maria, sua mãe, e são José, o pai adotivo. Logo, os pastores que tinham descido do monte, convidados por vozes de anjos. Virá mais tarda uma caravana de gente ilustre, precedida desde longe por uma estrela, e oferecerá valiosos regalos, cheios de simbolismo, de interesse. Na noite de Belém tudo fala de universalidade.

 

Reflexão:

Neste mistério não fique um só joelho sem se dobrar diante do berço, em gesto de adoração. Ninguém fique sem ver os olhos do divino Menino que olham distantes, como querendo ver, um a um, todos os povos da terra. Vão passando um a um diante da sua presença, como em uma revista, e os reconhece a todos: hebreus, romanos, gregos, chineses, índios, povos da África, de qualquer região da terra, ou época da história. As regiões mais distantes e desérticas, as mais remotas e inexploradas; os tempos passados, o presente, e os tempos por vir.

 

Intenção:

O Santo Padre, no transcurso das dez ave-marias, gosta de encomendar-se a Jesus que nasce, o número incontável das crianças –quantos são! Multidão interminável – que nasceram nas últimas vinte e quatro horas, de dia ou de noite, da raça que sejam, aqui e ali, um pouco por toda a terra. Quantos são! Todos eles pertencem, de direito, batizados ou não, a Jesus, a criança que acaba de nascer em Belém. Estão chamados ao reconhecimento do seu domínio, que é o maior e mais doce que possa dar-se no coração do homem, ou na história do mundo: único domínio digno de Deus e dos homens. Reino de luz e de paz, o reino que pedimos no Pai-nosso.

 

 

Quarto mistério: a apresentação de Jesus no Templo

 

Contemplação:

Jesus, nos braços da sua mãe, é apresentado ao sacerdote, e estende seus braços para a frente. É o encontro dos dois Testamentos. Ele, glória do povo eleito, filho de Maria, está disposto a ser “luz e revelação dos gentios” (Lc 2,32). Está presente e oferece também São José, que participa por igual no ritual das oferendas legais em rigor.

 

Reflexão e intenção:

De maneira diferente, mas semelhante quanto ao sentido da oferenda, o episódio se renova continuamente na Igreja, ou melhor dizendo, é algo constante nela. Será muito grato contemplar, durante dez ave-marias, o campo que germina, a colheita que se alça. “Olhai os campos que já estão dourados para a ceifa” (Jo 4,35). Refiro-me à alegre esperança que vemos nascer do sacerdócio, dos seus cooperadores e cooperadoras, tão numerosos no Reino de Deus, e porém não suficientes ainda. Jovens do seminário, das casas religiosas, seminários de missões, e ainda nas universidades católicas. Por que não aqui, se são cristãos, chamados também eles a ser apóstolos? E a alegre esperança de tantas iniciativas de apostolados laicais, imprescindíveis no amanhã. Apostolado que, não obstante as dificuldades e provas da sua expansão, oferece, e jamais deixará de oferecer, um espetáculo tão comovente que arranca palavras de alegria e admiração.

 

Quinto mistério: O Menino Jesus perdido e encontrado no Templo

 

Contemplação

Jesus tem já doze anos. Maria e José o acompanham a Jerusalém para a oração ritual. Inesperadamente, oculta-se aos seus olhos, tão vigilantes e amorosos. Grande preocupação e uma busca que se prolonga em vão durante três dias. À pena sucede a alegria de encontra-lo precisamente nos átrios que circundam o templo. Falava com os doutores da Lei. São Lucas o apresenta com palavras expressivas e com precisão muito cuidada. O encontraram, disse, sentado em meio aos doutores “escutando e perguntando-lhes” (Lc 2,32). Um encontro com os doutores importava então muito, o encerrava tudo: conhecimento, sabedoria, normas de vida prática, à luz do Antigo Testamento.

 

Reflexão:

O dever da inteligência humana é o mesmo em todo tempo: recolher a sabedoria do passado, transmitir a boa doutrina, fazer avançar, com firmeza e humildade, a investigação científica. Nós morremos um atrás do outro. Vamos a Deus. A humanidade, porém, olha para o porvir.

Cristo não está jamais ausente, nem do conhecimento sobrenatural, nem no âmbito natural. Está sempre em jogo, em seu posto. “Um só é o vosso mestre, Cristo” (Mt 23,10).

 

Intenção:

Esta, que é a quinta dezena, a última dos mistérios gozosos, reservemo-la, com uma intenção especialíssima, em favor de todos aqueles que foram chamados por Deus –por sua capacidade natural, por circunstâncias da vida, por vontade dos seus superiores –ao serviço da verdade: na investigação, no ensino, difundindo o saber antigo às técnicas novas, mediante livros ou técnicas audiovisuais. Todos eles estão chamados a imitar Jesus Cristo: os intelectuais, professores, jornalistas. Todos, especialmente os jornalistas e àqueles que incumbe diariamente a tarefa tão peculiar de prestarem honra à verdade, devem transmiti-la com religiosa fidelidade, com agudo bom sentido, sem distorções nem contrabandos da fantasia.

Sim, sim, rezemos por todos eles: rezemos por eles, sejam sacerdotes ou leigos; para que saibam escutar a verdade; e quanta pureza de coração se necessita para que saibam compreende-la; e quanta humildade íntima de pensamento é necessária para que saibam defende-la, já que então se faz inevitável a obediência, que foi a força de Jesus, e a força dos santos. Só a obediência obtém a paz, isto é, a vitória.

 

*As meditações se encontram no final da Exortação apostólica “Il religioso convegno“, do dia 29 de setembro de 1961 e foram escritas pelo “Papa bom”, como um “ensaio de Rosário meditado”. Esta parte do documento não se encontra no site do Vaticano em português. Fizemos a tradução do livro “La Iglesia habla de Maria. 50 años de documentos pontificios”, editado em espanhol por Edibesa (Madrid 1998). Cada meditação possui três partes bem definidas: contemplação mística, reflexão íntima e intenção piedosa, conforme um método que João XXIII propõe na primeira parte do documento: “A verdadeira substância do Rosário bem meditado está constituída por um tríplice elemento, que dá à expressão vocal unidade e reflexão, descobrindo na viva sucessão dos episódios que associam a vida de Jesus e de Maria, com referência às várias condições das almas orantes e às aspirações da Igreja universal. Para cada dezena de ave-marias há um quadro, e para cada quadro um tríplice acento, que é ao mesmo tempo: contemplação mística, reflexão íntima e intenção piedosa” (n. 14-15).

Membro do Sodalício de Vida Cristã desde 1996. Nascido no Peru em 1978, mora no Brasil desde 2001. Por muitos anos foi professor de Filosofia na Universidade Católica de Petrópolis. Atualmente faz parte da equipe de formação do Sodalício, é diretor do Centro de Estudos Culturais e desenvolve projetos de formação na Fé e evangelização da cultura para o Movimento de Vida Cristã.

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