Nossa vida está predestinada por Deus?

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Você já olhou para o seu cachorrinho e sentiu inveja dele? A pergunta é meio estranha, é verdade, mas ela esconde uma reflexão mais profunda que pode ser muito valiosa quando pensamos na nossa própria liberdade. Antes de chegar ao bichinho de estimação, demos uns passos atrás e comecemos por nos perguntar: Deus tem tudo escrito em um livro que determina o que nós vamos viver? Se Deus sabe tudo, somos realmente livres?

Esse questionamento não é novo. Pelo contrário, ao longo dos séculos, muitos filósofos e teólogos se debruçaram sobre esse problema. Uns entenderam que a liberdade era o poder fazer o que quiser, outros que era fazer o bem, outros ainda que a liberdade no sentido forte não existe de forma alguma e que estamos determinados pela natureza, ou por qualquer outra força maior do que nós. Para estes últimos, só podemos falar de liberdade no sentido de nos fazer conscientes da nossa condição e aceitá-la. Imagine uma pessoa amarrada a uma carroça em movimento. Se ela não aceita sua condição e se acha livre, será arrastada pela força do veículo. Se, por outro lado, ela aceita e caminha na direção da carroça, não sofrerá maiores danos.

Alguns filósofos existencialistas, por exemplo Sartre, entenderam inclusive que nós estamos condenados à liberdade. Como assim? Excluindo Deus da realidade, o homem não possui nenhuma essência senão realizar. Ele precisa criar sua existência com suas próprias mãos. Ele caminha dando passos fatidicamente livres, sem nenhuma referência, criando e recriando sua própria existência a cada momento. E isso, segundo Sartre, é angustiante. É muita responsabilidade afirmar-se dessa maneira e, por isso, preferimos nos adequar a algum modelo pré-fabricado.

No entanto, nós não somos sartreanos, mas católicos. E qual é a diferença? É que entendemos que a nossa liberdade depende de uma liberdade maior, a de Deus. E que essa liberdade de Deus não diminui, pelo contrário, possibilita a nossa liberdade. O Catecismo nos diz que a liberdade “é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. (…). A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança. (…). Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se torna livre”.

Essa definição de liberdade é bonita, mas podemos pensar o outro lado. Se eu posso praticar o bem e ser mais livre, posso também praticar o mal e ser menos livre. O cachorrinho de estimação pode voltar nesse ponto. Os animais não podem errar, não podem praticar o mal. E nesse sentido, quando experimentamos o mal que podemos fazer com a nossa liberdade, podemos olhar para o bichinho e pensar que seria melhor que Deus nos tirasse a liberdade, assim não poderíamos mais ofendê-lo.

É evidente que esse pensamento não se sustenta. É sempre melhor ser livre que não ser livre. E se podemos ofender a Deus, podemos também amá-lo livremente e é a isso que estamos chamados. Se pecamos, podemos sempre nos lançar em sua misericórdia e recomeçar o caminho. Se olhamos o mundo com olhar fatalista, ou seja, de que o mal vence, talvez seja melhor não ser livre. Mas essa não é a visão católica. Em nossa visão, o Bem já venceu o Mau. O amor já venceu o egoísmo.

Pensamentos como o de Sartre, no entanto, nos ajudam a perceber que a liberdade é coisa séria. O catecismo nos diz que ela torna o homem responsável. Somos realmente responsáveis por nossa vida, pelos outros e pelo mundo em que vivemos. Somos livres para fazer o bem e fazer o mal. Nesse sentido nossa vida não está predestinada. Deus quis que livremente escolhêssemos o amor. Cada um de nós precisa fazer essa opção desde o mais profundo do próprio ser.

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