“Quando se completaram os dias da sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém” (Lc 9,51)
O contexto da citação é a terceira parte do Evangelho de Lucas, conhecida como o ministério em Judeia (9,51-19,28). Trata-se de uma longa seção, na qual podem ser distinguidas três partes. O nosso versículo está na primeira delas (9,51-13,21), que tem como marco topográfico o caminho e a cidade de Jerusalém.
O versículo que meditamos expressa a temática de toda a seção: a viagem de Jesus para morrer em Jerusalém. Literariamente a morte de Jesus se aproxima, embora, historicamente, se considerarmos todo o material reunido por Lucas na seção, ela se encontre ainda distante. Para Lucas o ministério público da Galileia termina e agora tudo se encontra marcado pelo sinal profético da morte em Jerusalém.
O termo “assunção” é uma tradução do grego analémpseos, que tem o mesmo sentido de êxodo, saída do mundo, acentuando a morte, mas sem excluir a ressurreição e a ascensão. Na literatura da época significa a última época e atividade de um profeta (Como nos apócrifos “Assunção de Moisés” e “Assunção de Isaias”). O que Lucas nos proporciona são os últimos ensinamentos e a morte de Jesus. Mas, dentro do conjunto dos últimos ensinamentos, ele insere o mais importante de todo o ministério de Jesus em Jerusalém.
O termo analémpseos pode também ser traduzido como “arrebatamento” de Jesus (Cf. 2Rs 2,9-11; Mc 16,9; At 1,2.10-11; 1Tm 3,16), compreendendo a paixão, morte e ressurreição gloriosa. João emprega para o mesmo conjunto o termo “glorificar” (Jo 7,39; 12,16.23; 13,31s), sendo para ele a crucifixão uma “elevação” (Jo 12,32+).
A expressão “tomou resolutamente” (kai autos to prósopon estérisen), traduzido na Vulgata como “faciem suam firmavit” abrange duas expressões hebraicas: por um lado “ponho o meu rosto em um caminho ou direção, me determino a ir” e por outro “dirijo o meu rosto, faço resistência, me enfrento” (Cf. Jr 44,11). Em Lucas ambas se fundem, significando a prontidão de Jesus para padecer, mostrando a sua vontade resoluta e firme.
Jesus empreende o caminho da Galileia para Jerusalém que é, inclusive geograficamente, o de uma subida, na qual as tensões com os fariseus e doutores da lei vão progressivamente em aumento. Nesse caminho ele explicita em várias ocasiões aos seus discípulos as exigências dessa subida, como quando diz, alguns versículos mais à frente no relato, que “As raposas têm tocas, mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (9,58), “Deixa que os mortos enterrem seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o Reino dos Céus” (9,60) ou “Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (9,62).
Entre os que ainda seguem Jesus, depois destas advertências, setenta e dois discípulos são designados e enviados por Ele na sua frente, “a toda cidade e lugar onde ele próprio devia ir” (10,1). Estes discípulos enviados unem a sua sorte à do Mestre: quem a eles ouve ao Mestre ouve, quem a eles despreza ao Mestre despreza. E quem despreza Jesus despreza também Àquele que o enviou (Cf. 10,16). E a alegria destes que compartilham a sorte de Jesus, o enviado do Pai, deve estar não em que os espíritos se lhes submetam, mas no fato dos seus nomes estarem escritos nos céus (Cf. 10,20).