“Dou incessantemente graças a Deus a vosso respeito, em vista da graça de Deus que vos foi dada em Cristo Jesus. Pois fostes nele cumulados de todas as riquezas, todas as da palavra e todas as do conhecimento” (1Cor 1,4-5).
O trecho está inserido na primeira carta aos Coríntios. Trata-se de uma carta de circunstâncias, na qual São Paulo busca corrigir uma comunidade que, sob o influxo de falsos apóstolos, tinha se desviado do Evangelho que fora pregado a eles por São Paulo por volta do ano 50. São Paulo permaneceu no meio deles, naquela ocasião, junto com Silas e Timóteo, por cerca de 18 meses.
Uma das ideias muito enraizadas na teologia da carta é a da ação sobrenatural de Deus em tudo o que diz respeito ao mundo da salvação. Essa ideia, que é também central em Romanos e Gálatas, e que resume todo o conteúdo da tese da justificação e salvação pela fé, aparece várias vezes em 1Cor e sob formas diversas. O que conta no apostolado é a ação de Deus. O homem planta, rega; o “crescimento” o dá Deus (3,6.7). O homem não é mais do que um cooperador de Deus (3,9). A fé e a confissão no “senhorio” divino de Jesus é obra do Espírito Santo (12,3). A entrada no cristianismo é uma vocação de Deus; a perseverança até o final, obra da fidelidade e confirmação de Deus (1,8.9)
O trecho que meditamos está inserido na ação de graças (1,4-9) na qual São Paulo remonta às origens da evangelização de Corinto, agradecendo a Deus pelos dons de sabedoria sobrenatural que foram recebendo na medida em que o Evangelho se afirmava. Esses dons passados levam Paulo a esperar que a mesma graça de Deus dará perseverança aos fiéis. O centro de toda esta parte é a ação sobrenatural de Deus entre os fiéis de Corinto. Deus os cumulou de uma sabedoria que é dEle e Deus os ajudará para que perseverem até o fim. Desde o princípio se orienta Paulo contra a suficiência natural e humana que mostram os coríntios, e que vai combater nas seguintes partes da carta.
No versículo 4 a ação de graças de Paulo se dirige a Deus. O motivo da ação de graças são os fiéis de Corinto, que foram favorecidos pela graça divina. O genitivo indica a natureza e origem da graça. A graça tem sentido objetivo, como indica o particípio passivo: “que vos foi dada”. Refere-se aos dons gratuitos recebidos pelos fiéis “na união com Cristo”. Deus nos abençoa “em Cristo”. Graça tem um sentido objetivo e refere-se aos dons que provêm da benevolência divina.
No versículo 5 entre as graças recebidas somente se especificam a palavra e o conhecimento, porque é o que primeiramente motiva toda a primeira parte da carta. O Logos se toma aqui no sentido técnico de discurso, uma exposição ou dissertação racional. É uma graça de Deus saber expor, explicar os mistérios da fé. Ao Logos se contrapõe o conhecimento, que indica o conteúdo e fundo do discurso. No versículo, tanto palavra quanto conhecimento têm um sentido sobrenatural e se consideram como graça divina. Esses dons, como ficará claro mais adiante na carta, foram distorcidos pelos coríntios, naturalizando-as e gloriando-se delas.
Por Martin U. Fernandez