Caminho para Deus 108 – A coerência

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A missão  «pe­de a todos os cristãos que proclamem o Evangelho com a palavra, mas sobre tudo com a coerência de sua vida»[1]… «Só assim sereis testemunhas críveis da esperança cristã e podereis difundi-la a todos»[2].

Uma primeira aproximação do que significa a coerência encontramos no dicionário: «Conexão, relação ou união de umas coisas com outras». Ao aplicar esta definição à vida cristã nos referimos principalmente a essa conexão, relação ou união que deve existir entre fé e vida, entre aquilo que cremos —o Senhor Jesus e seu Evangelho— e o modo como vivemos no cotidiano. Nesta coerência está o segredo da santidade, à qual Deus chama a cada um de nós, em nosso próprio estado de vida. Por isso é tão importante que da fé na mente e no coração passemos à fé na ação.

Coerência entre fé e vida

Um cristão coerente é aquele que sustenta com suas obras o que crê e afirma com palavras. Não há diferença entre uma coisa e outra. Descobre-se nele ou nela uma estreita unidade entre a fé que professa com seus lábios, a fé acolhida em sua mente e coração, e sua conduta na vida cotidiana: sua fé passa à ação, mostra-se e evidencia-se por seus atos[3]. Assim os princípios tomados do Evangelho orientam sua conduta e seu pensamento cristão, sua piedade e afetos, e se refletem na ação prática. Esta coerência a vive não só quando as coisas se lhe apresentam “fáceis”, mas também quando é posto à prova.

Um cristão incoerente com sua fé e condição de batizado, ao contrário, é aquele cujas obras contradizem abertamente o que sustenta com suas palavras, o que diz crer e o que seu coração anseia no mais profundo de seu ser. É, por exemplo, aquele que diz: “creio, mas não praticante”, quer dizer, o que chamamos um “agnóstico funcional”, um batizado que —embora às vezes vá à Missa e reze algo de vez em quando— atua do mesmo modo como o faz um homem que não crê em Deus, que não conhece a fé.

Incoerentes somos também nós, que nos encontramos com o Senhor Jesus e nos esforçamos por levar uma vida cristã séria, quando negamos com nossas obras os ensinamentos do Evangelho, quando não fazemos o que pregamos ou exigimos dos outros. Certamente todos, mais ou menos, temos algo de incoerentes…!

Dificuldades para viver a coerência cristã

Chamados a ser santos, experimentamos múltiplas dificuldades para realizar esta vocação. Essas dificuldades para viver a coerência as encontramos dentro de nós  mesmos, em nossa fragilidade ou em nossa débil vontade diante de nossa inclinação ao mal, ante os maus hábitos ou vícios dos quais, às vezes, é difícil despojar-se. Não é raro experimentar que, embora tenha-me proposto firmemente a ser cada dia mais santo, faço o mal que não quero e que deixo de fazer o bem que me propusera fazer[4]. O grande apóstolo Paulo reconhece em si mesmo esta incoerência que desgasta seu espírito, cuja origem atribui «ao pecado que habita em mim»[5]. De fato, o pecado e sua marca em nós nos leva a experimentar e sofrer tantas vezes esta divisão dentro de nós  mesmos, divisão que constitui a principal dificuldade para viver a coerência entre a fé que professamos e nossa vida.

Também encontramos essa dificuldade pela oposição à vida cristã de não poucos aspectos da cultura em que vivemos. Ou porque essa cultura, desde uma pretendida “maturidade”, relativize tudo e considere a fé e suas conseqüências como um assunto limitado às opções e preferências pessoais. Este influxo ambiental negativo se nos apresenta como um desafio.

Inclusive em nossos dias se persegue, às vezes com intensidade, aberta ou muito sutilmente, a quem aspira viver com coerência a vida cristã. Diante dessa situação, muitos batizados, por medo de “ser diferentes”, preferem passar despercebidos, atuar “como os demais” para não mostrar que são cristãos, e assim —embora digam “crer”— terminam assimilando os critérios antievangélicos e vivendo de acordo com eles.

Para uma coerência cada vez maior

Ao tomar consciência das dificuldades que temos que enfrentar para viver a fé com coerência, não buscamos aborrecer-nos ou desalentar-nos. Trata-se de viver em um realismo são: a incoerência, maior ou menor, todos a experimentamos e nos acompanhará enquanto estivermos como peregrinos neste mundo. O primeiro passo para uma vida de maior coerência é aceitar com humildade e simplicidade esta verdade, e a partir daí buscar reduzir cada vez mais a distância que há entre nossa mente e coração ―nutridos da fé, sustentados pela esperança e animados pela caridade― e nossas ações cotidianas; entre nossas palavras e obras; entre a fé e a vida. Para isso, devemos colocar meios concretos para ir ganhando hábitos de coerência e avançar assim, pouco a pouco, até um estado de uma cada vez maior coerência. Assim, com a força que nos vem do Senhor  e o apoio que encontramos na comunidade, iremos aproximando-nos  cada vez mais do horizonte de plena coerência que descobrimos no Senhor Jesus e em sua Santíssima Mãe.

Coerência e apostolado

Estou chamado a ser um apóstolo. Cada qual em seu posto e lugar, desde o próprio estado de vida, nossa missão é a de anunciar o Evangelho, transmitir o Senhor e tornar muitos outros participantes do dom da reconciliação que Ele nos trouxe. Isso implica necessariamente que eu mesmo me esforce por ser o primeiro a acolher e viver o Evangelho com máxima coerência.

O Concílio Vaticano II ensinou que, com freqüên­cia, a incoerência dos crentes constitui um obstáculo no caminho de quantos buscam ao Senhor[6]. A incoerência afeta, segundo o grau, nosso próprio testemunho, e pode tornar estéril a palavra que estamos chamados a proclamar e transmitir. Tomar consciência da necessidade de ser coerentes com a fé que pregamos para que o apostolado seja fecundo e eficaz é uma forte motivação no caminho cotidiano de nossa própria santificação.

Neste empenho tenhamos em conta aquele ditado que diz: “As palavras movem, o exemplo arrasta”.  De fato, «quanto mais reflitamos Cristo em nossa vida, tanto mais mostrará a atração irresistível que Ele mesmo anunciou falando de sua morte na cruz: “Quando eu for ele­vado da terra, atrairei todos a mim[7]»[8].

Quanto apela, questiona, move os corações, pela firmeza, paz e segurança que transmite, o testemunho de uma pessoa que é coerente com o Evangelho! Quantos ao vê-lo, ao vê-la, feliz, radiante, dizem: “eu quero isso para mim”, “eu quero ser assim”! e assim o cristão coerente se converte em um excelente apóstolo, porque irradia o gozo e a plenitude que nos dá o levar Cristo profundamente em nós. Quanto mais eficaz é o anúncio do Evangelho quando as palavras se vêem respaldadas pelo testemunho luminoso de uma vida cristã coerente!

Perguntas para o diálogo

  • Que relação existe entre coerência e fé?
  • «Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor , Senhor’ , entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus.» (Mt 7,21) Tua fé na ação fala de tua fé de mente e de coração?
  • Quais são aqueles pecados que impedem que tua vida reflita a luz de Cristo?  Põe meios concretos para lutar contra eles.
  • Em Lc 1, 38 vemos nossa Mãe pronunciar o «faça-se» diante do anjo enviado por Deus.  Santa Maria pronuncia e sustenta este «faça-se» ao longo de toda a sua vida.  Ela se esforça durante toda a sua vida por descobrir o plano de Deus e responder coerentemente nas situações mais simples. Quem é fiel no pouco, é fiel no muito.  Faze o firme compromisso de esforçar-te cotidianamente para colocar em prática a palavra de Deus.

CITAÇÕES

  • Não basta crer: temos que agir de acordo com o que cremos e dizemos crer: (Tg 2, 14-21)
  • Julgamos os outros mas fazemos as mesmas coisas: (Rm 2,1)
  • Escutar e pôr em prática (coerência entre fé e ação, o agir moral):  Dt 5,27; At 5,28-29; Mt 21,28-31; Sl 50,16-23; Rm 2,19-2; Tt 1,16; Is 29,13; Ez 33,31-32; Mt 5,37; Tg 5,12; 2Cor 1,17-20;
  • Contra a incoerência: Ap 3,1-3; Mt 23,3
  • Maria cumpre o Plano do Pai. Maria e o Senhor Jesus são modelo de plena coerência : Jo 2,5;  Lc 11,27-28; Mt 7,21
  • Modelos de atitudes incoerentes: Jo 21,6-7; Mt 26,13-16
  • A Escritura chama os incoerentes de “insensatos”: Mt 7,26
  • E todo o que invoque o nome do Senhor se salvará: At 2, 21

TRABALHO DE INTERIORIZAÇÃO

«Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos”, e não lhes der o necessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, está morta em seu isolamento. De fato, alguém poderá objetar-lhe: “Tu tens fé e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras.» (Tg 2,14-18)

Um cristão coerente é aquele que sustenta com suas obras o que crê e afirma com palavras. Nele existe uma unidade entre a fé que proclama e  sua conduta na vida cotidiana.

  • Quais são tuas maiores dificuldades pessoais para viver a coerência entre a fé e tua vida cotidiana?
  • O Senhor Jesus, nos dá a chave para vencer nossas fraquezas: «“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus.» (Mt 7,21) De que maneira o Senhor  Jesus te ensina a ser cada vez mais coerente?
  • O Senhor Jesus nos convida a permanecer alertas, a velar. Tens um plano de combate espiritual para lutar contra tuas fraquezas e aproveitar teus dons pessoais? Que meios concretos te ajudariam a fortalecer a coerência em tua vida?

«É porém específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e trabalhos do mundo. Vivem nas condições ordinárias da vida familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Lá são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro, contribuam para a santificação do mundo. E assim manifestem Cristo aos outros, especialmente pelo testemunho de sua vida resplandecente em fé, esperança e caridade. » (Lumen Gentium, 31) 

  • O Senhor  Jesus antes de ascender aos Céus nos recomenda levar o Evangelho a todos os homens.  Para poder cumprir com esta missão cabalmente, devemos ser evangelizadores permanentemente evangelizados, homens que escutem a palavra de Deus, a interiorizem em seu coração e a ponham em prática. Se não for assim, nossas palavras carecerão da força necessária para motivar os demais a acolher o Senhor Jesus em suas vidas. Examina tua vida cotidiana buscando identificar que incoerências ainda descobres entre o que pregas e o que vives. Depois, faze o firme propósito de remediá-lo e põe alguns meios concretos para conseguir isso.

Santa Maria é a Mãe da Esperança, a mulher fiel que põe todo o seu ser a serviço do Plano de Deus. Peçamos-lhe que nos ensine a ter um coração atento à voz do Senhor. Terminemos, elevando-lhe uma oração:

Doce e amorosa Senhora,
Maria, nossa Mãe,
vela sempre pelo nosso bem,
intercede todo tempo por nossa saúde
e obtém-nos a força necessária
para percorrer o caminho da vida,
respondendo ao Plano divino,
até chegar a seu final feliz.
Amém.



[1] S.S. João Paulo  II,  Homilía, 8/2/1998, 2.

[2] S.S. João Paulo  II, Homilía, 8/12/1998, 6.

[3] Ver Tg 2,14-21.

[4] Ver Rm 7,15.

[5] Rm 7,17.

[6] Ver Gaudium et spes, 19.

[7] Jo 12, 32.

[8] S.S. João Paulo  II, Angelus, 16/3/1997, 2.

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