
O Papa João Paulo II, em sua recente encíclica Ecclesia de Eucharistia, propôs a toda a Igreja refletir sobre o vínculo existente entre Maria e a Eucaristia. Efetivamente, no capítulo VI da mencionada encíclica, intitulado Na escola de Maria, Mulher “eucarística”, diz-nos que Ela «pode guiar-nos para o Santíssimo Sacramento porque tem uma profunda ligação com ele»[1].
Baseados nesta afirmação do Santo Padre podemos nos perguntar: Que relação tem Maria com a Sagrada Eucaristia? A Mãe participou da Última Ceia, quando Jesus instituiu este sacramento ou, em todo caso, das celebrações eucarísticas da primeira comunidade cristã? A Mãe está presente em todas as cerimônias eucarísticas da Igreja? O que pode nos ensinar Maria respeito a nosso amor ao Senhor Jesus sacramentado?
Seguindo as reflexões do Santo Padre, a primeira coisa que devemos dizer é que em toda a Sagrada Escritura não se menciona explicitamente a relação entre a Maria e a Eucaristia. « À primeira vista, o Evangelho nada diz a tal respeito. A narração da instituição, na noite de Quinta-feira Santa, não fala de Maria»[2]. Entretanto sabemos, seguindo o relato dos Atos dos Apóstolos, que Maria perseverava na oração com a primeira comunidade esperando o Espírito Santo[3]. Assim, a Mãe «não podia certamente deixar de estar presente, nas celebrações eucarísticas, no meio dos fiéis da primeira geração cristã, que eram assíduos à «fração do pão»[4].
Mas, além da participação de Maria nas primeiras missas, «pode-se delinear a relação de Maria com a Eucaristia indiretamente a partir da sua atitude interior. Maria é mulher «eucarística» na totalidade da sua vida»[5]. Como nos diz João Paulo II em sua carta apostólica Mane nobiscum Domine, Ela «encarnou a lógica da Eucaristia na sua existência inteira»[6]. Portanto, podemos dizer que a espiritualidade de Maria é uma espiritualidade nitidamente eucarística. Desta forma «A Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo.»[7].
Perante o mistério eucarístico
Na Eucaristia está «o tesouro da Igreja, o coração do mundo, o penhor da meta pela qual, mesmo inconscientemente, suspira todo o homem. Mistério grande, que nos excede – é certo – e põe a dura prova a capacidade da nossa mente em avançar para além das aparências.»[8].
A Eucaristia é um mistério de fé. Entretanto, «subsiste sempre no homem a tentação de reduzir às suas próprias dimensões a Eucaristia, quando na realidade é ele que se deve abrir às dimensões do Mistério»[9]. No momento da celebração da Eucaristia a fé é posta a prova, pois como diz São Tomás de Aquino: «visus, gustus, tactus fallitur, sede auditu só tuto creditur (A vista, o tato e o gosto não te alcançam, mas só com o ouvir-te firmemente creio)»[10]. Ninguém como Maria pode nos educar nesta virtude para reconhecer, além das aparências sensíveis, a Cristo Vivo. E como viveu Maria sua “fé eucarística”?
«De certo modo, Maria praticou a sua fé eucarística ainda antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu o seu ventre virginal para a encarnação do Verbo de Deus.»[11]. Por quê? O Papa nos responde: «Maria, na anunciação, concebeu o Filho divino também na realidade física do corpo e do sangue, em certa medida antecipando nEla o que se realiza sacramentalmente em cada crente quando recebe, no sinal do pão e do vinho, o corpo e o sangue do Senhor»[12].
Em uma bela passagem carregada de sentido teológico e poético nos ensina o Papa peregrino: «Aquele Corpo e aquele Sangue divino, que depois da Consagração estão presentes no Altar… conservam a sua originária matriz em Maria… Na origem da Eucaristia está, portanto, a vida virginal e materna de Maria… E se o Corpo que nós comemos e o Sangue que nós bebemos é o inefável dom do Senhor ressuscitado a nós caminheiros, ele ainda traz em si, como Pão fragrante, o sabor e o perfume da Virgem Mãe»[13]. Desta forma «Maria está presente, com a Igreja e como Mãe da Igreja, em cada uma das celebrações eucarísticas.»[14].
A Eucaristia na vida de Maria
O Pão eucarístico que recebemos é o verdadeiro Corpo nascido da Vigem Maria. Jesus é «carne e sangue de Maria»[15]. Podemos descobrir desta forma uma semelhança profunda entre o FAÇA-SE de Maria e o amém que cada fiel pronuncia antes de receber o Corpo de Cristo. O anjo pediu a Maria que acreditasse que Aquele que nasceria de seu seio era o Filho de Deus e nos pede, de maneira análoga, que acreditemos que é o mesmo Senhor Jesus quem está presente de forma verdadeira, real e substancial sob a aparência do pão.
Na VISITAÇÃO de Maria a sua prima Isabel podemos descobrir a Mãe como «o primeiro “sacrário” da história»[16] onde o Senhor Jesus, ainda invisível aos olhos e ouvidos dos homens, «Se presta à adoração de Isabel, como que “irradiando” a sua luz através dos olhos e da voz de Maria»[17]. Maria é verdadeiramente a “Custódia viva do Senhor”, o «admirável ostensório do Corpo de Cristo»[18].
Podemos também reler o MAGNIFICAT em perspectiva eucarística. Tanto a Eucaristia como o cântico de Maria são uma ação de graças a Deus que se compraz na humildade e obediência de seu Servo, Jesus, e de sua Serva, Maria. Como no per ipsum da missa, Maria louva o Pai por Cristo, com ele e nele, na unidade do Espírito Santo, dando-lhe toda honra e toda glória, pelos séculos dos séculos. Assim, «Recebemos o dom da Eucaristia, para que nossa vida, à semelhança da de Maria, seja toda ela um magnificat!»[19].
A atitude da Mãe diante do NASCIMENTO de seu Filho é também modelar: seu olhar extasiado contemplando o rosto do Menino Jesus, tomando-o em seus braços com todo o carinho de seu amor maternal não será acaso o modelo no qual tem que se inspirar cada fiel ao receber a comunhão eucarística ou ao adorá-lo presente no sacrário?
Quando unimos nossa mente e nosso coração ao sacerdote que repete o gesto e as palavras de Cristo na Última Ceia, em cumprimento de seu mandato «Fazei isto em memória de mim»[20], respondemos de uma vez ao convite de Maria nas bodas de CANÁ para lhe obedecer fielmente: «Fazei o que ele vos disser»[21].
Maria fez sua a dimensão sacrificial da Eucaristia com toda sua vida, especialmente ao pé da cruz: «Preparando-Se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de « Eucaristia antecipada », dir-se-ia uma « comunhão espiritual » de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o Filho durante a Paixão, e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua participação na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como « memorial » da Paixão.»[22]. O que terá experimentado a Mãe ao escutar da boca de Pedro, João e outros apóstolos as palavras da Última Ceia: «Isto é o meu corpo, que é dado por vós»[23]? Para Maria, receber a Eucaristia devia ser uma experiência singularmente paradoxal, posto que é como se de novo acolhesse a seu Filho em seu coração e em seu ventre, participasse de novo em sua crucificação e o reconhecesse ressuscitado, realmente presente segundo sua promessa: «Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo.»[24].
«Receber a Eucaristia é entrar em profunda comunhão com Jesus. “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15,4). Esta relação de íntima e recíproca «permanência» permite-nos antecipar de algum modo o céu na terra»[25]. Quando mais podemos dizer se não no momento mesmo da comunhão: « Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim.»[26]? Eis aí o ideal pelo qual nosso coração anseia, a plenitude de todas as nossas aspirações, o sentido último de nossas vidas: a comunhão eterna!
Dinâmica eucarística da existência
O encontro com Cristo, aprofundado continuamente na intimidade eucarística, suscita na Igreja e em cada cristão a exigência de evangelizar e de dar testemunho. Receber continuamente o dom da comunhão sacramental implica também acolher o memorial da cruz, onde o Filho entrega sua Mãe, encomendando-lhe a missão de velar por nossa configuração com Ele: «Maria conduz os fiéis à Eucaristia»[27].
O cristão autêntico reconhece no mistério eucarístico a raiz e o segredo de sua vida espiritual, o sacramento vivo da graça de Cristo e, por isso, sente que só pode pagá-lo com a entrega de si mesmo.
Por isso as visitas ao Santíssimo têm que ser um momento para aprofundar na graça da comunhão e da reconciliação sacramental e revisar nosso compromisso com a vida cristã; a confrontação de cada um diante da Palavra de Deus, ou no silêncio da oração, permanecendo diante dEle e nos desdobrando no amor, deve impulsionar a contrastar a verdade da oração que sempre move à conversão pessoal e ao encontro com os irmãos, dando com tudo isso gloria a Deus.
CITAÇÕES BÍBLICAS
- O Senhor Jesus instituiu a eucaristia para ficar por sempre conosco: Mt 26,26-29; 28,20; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20.
- Semelhança entre o Faça-se de Maria na Anunciação-Encarnação e o amém que cada fiel pronuncia ao receber a comunhão: Lc 1,26-38.
- Maria é o primeiro “sacrário” da história: Lc 1,39-45.
- Relação íntima entre a eucaristia e o magnificat: Lc 1,46-55.
- Atitude “eucarística” da Mãe diante do nascimento de seu Filho: Lc 2,1-20.
- Relação entre as bodas de Caná e a eucaristia: Jo 2,1-5.
- Maria fez sua a dimensão sacrificial da eucaristia com toda sua vida, especialmente ao pé da cruz: Jo 19,25-27.
- Receber a eucaristia é entrar em profunda comunhão com Jesus: Jo 15,1-17.
- A visita ao Santíssimo deve ser um momento forte para revisar nosso compromisso com a vida cristã: Jo 14,21.23.
- Participar da eucaristia nos permite antecipar em certo modo o céu na terra: Gl 2,20; Jo 14,6-7.
Interiorizando
O Papa João Paulo II, fiel devoto de Santa Maria, ensinou-nos que é a Mãe quem de uma maneira muito especial pode nos guiar para a Eucaristia, pois tem uma profunda relação com este Santíssimo Sacramento.
- Sou consciente de que Maria é o caminho por excelência para chegar a Cristo Sacramentado?
- Como Santa Maria pode ajudar a me aproximar ainda mais da Eucaristia?
O Concílio Vaticano II nos ensina que a Eucaristia é “fonte e centro de toda a vida cristã” (Lumen gentium 11). Na Eucaristia nos encontramos verdadeiramente com o mesmo Senhor Jesus, que nos oferece seu próprio Corpo e Sangue como alimento de vida eterna.
- Como avalio meu amor à Eucaristia? A Eucaristia é o centro de minha vida?
- Que coisas concretas posso fazer para que este amor cresça ainda mais?
A Eucaristia é certamente um grande mistério da fé. E Maria, nossa Mãe, dá-nos testemunho de que sua fé vai além das aparências sensíveis e se abre à presença real de seu Filho, o Senhor Jesus.
- Pedindo a intercessão de Santa Maria escreva uma oração para que a Mãe te ajude a crescer ainda mais em sua piedade eucarística:
….
Diz-nos João Paulo II: « Na Eucaristia, temos Jesus, o seu sacrifício redentor, a sua ressurreição, temos o dom do Espírito Santo, temos a adoração, a obediência e o amor ao Pai. Se transcurássemos a Eucaristia, como poderíamos dar remédio à nossa indigência?» (Ecclesia da Eucharistia 60).
- Em minha vida cotidiana dou realmente uma especial importância à Eucaristia?
- Estou acostumado a estar devidamente preparado para receber ao Senhor Jesus Sacramentado?
- O que vou fazer para me preparar ainda mais para me encontrar com o Senhor na Eucaristia?
Ao nascer o Reconciliador da humanidade, o Senhor Jesus, vemos como Santa Maria “envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio” (Lc 2,7) com todo seu amor maternal.
- O que me ensina Santa Maria ao cuidar com tanto amor do Senhor Jesus?
- Como eu mesmo devo cuidar do Senhor Jesus na Eucaristia?
A Igreja nos ensina que “a celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida da Igreja.” (Catecismo da Igreja Católica 2177). E é por isso que nossa participação na Eucaristia no dia domingo é fundamental.
- Em minha vida concreta a Eucaristia tem um papel central no domingo?
- O que posso fazer no domingo para me preparar ainda melhor para participar da Eucaristia?
Peçamos a Santa Maria, Mulher Eucarística, que interceda por nós e nos ajude a crescer ainda mais em nosso amor à Eucaristia.
Visitando Jesus
Ó, Mãe Maria!
Posto humildemente
diante da presença
do Senhor Jesus Sacramentado,
imploro-te
para que intercedas por mim
diante do Altíssimo
e peça-lhe
que tenha a misericórdia
de apiedar-se
deste pequeno servo
e se digne permitir-me
aproximar-me com uma boa
disposição
de mente e de coração
perante tão magno milagre,
e que a luz da Santa Presença
faça-se acessível ao meu interior,
e que esta visita me faça crescer
na fé, na esperança e na caridade.
Amém.
Perguntas para o diálogo
1. Por que podemos afirmar que Maria é uma “Mulher Eucarística”?
2. Que coisas concretas você descobre na vida de Santa Maria que podem ajudá-lo a crescer em sua piedade eucarística?
3. A Eucaristia tem um lugar central em sua vida? Que meios concretos você porá para crescer ainda mais em seu amor à Eucaristia?
4. Que atitude Santa Maria tem diante do mistério da Eucaristia? E que atitude você costuma ter?
5. Você é realmente consciente do imenso dom que significa receber o Senhor Jesus Sacramentado? Costuma preparar-se adequadamente para isso? Como pode melhorar ainda mais esta preparação?
[1] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 53.
[2] Lug. cit.
[3] Ver At 1,14
[4] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 53.
[5] Lug. cit.
[6] João Paulo II, Mane nobiscum Domine, 31.
[7] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 53.
[8] Ali mesmo, 59.
[9] João Paulo II, Mane nobiscum Domine, 14.
[10] Hino Adoro te devote.
[11] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 55.
[12] Lug. cit.
[13] João Paulo II, Meditação na hora do Ángelus, 5/6/1983.
[14] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 57.
[15] João Paulo II, Redemptoris Mater, 20.
[16] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 55.
[17] Lug. cit.
[18] João Paulo II, Mensagem para a conclusão do Mês Mariano no Vaticano, 28/5/1997.
[19] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 58.
[20] Lc 22,19.
[21] Jo 2,5.
[22] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 56
[23] Lc 22,19
[24] Mt 28, 20.
[25] João Paulo II, Mane nobiscum Domine, 19
[26] Gl 2,20
[27] João Paulo II, Redemptoris Mater, 44.