
«Chamamos antes de tudo aos filhos da Igreja a tomar cada vez mais consciência de sua responsabilidade: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”»[1].
Com duas simples comparações o Senhor Jesus nos fala de uma dupla responsabilidade na missão de anunciar a boa nova ao mundo inteiro: a primeira é a de “não desvirtuar-nos”, cuidar para não perder a força e a capacidade de “salgar”; a segunda é a de “fazer brilhar nossa luz diante dos homens”. Nossa presença no meio do mundo —ensina o Senhor— deve ser como a de uma cidade no alto de uma montanha[2]: não pode ocultar-se, é visível para todos. Esforçando-nos em levar dia a dia uma vida cristã coerente e luminosa, estamos chamados a ser um importante sinal de referência para a vida de muitos que, vendo nossas boas obras, darão glória a nosso Pai «que está nos céus»[3].
Assim, devemos aprofundar em nosso chamado a viver bem e também a ensinar.
Ser sal: viver de acordo com a própria identidade
Primeiro, é necessário viver bem, e por isso o Senhor Jesus nos compara com o sal. Quem não quer viver bem? Todos nós queremos. Mas, o que é viver bem? Muitos acreditam que viver bem é rodear-se de riquezas, buscar constantemente o prazer ou o domínio sobre os outros. Este “viver bem”, que constitui o horizonte de máxima aspiração para muitos, não pode apagar a sede de infinito do homem. Outros pensam que viver bem consiste em limitar-se a não fazer mal a ninguém, ou buscar fazer o bem aos outros vivendo a filantropia. Contudo, este viver bem no sentido ético, ainda que seja bom como tal, é também insuficiente para o ser humano: tampouco sacia sua sede de infinito.
O ser humano, para viver bem no sentido pleno da palavra, necessita muito mais que isso, necessita antes de tudo saber quem é para poder ser quem é, ou seja, ao ser humano lhe urge conhecer a si mesmo, sua verdadeira identidade, para a partir daí orientar decididamente toda sua ação para a realização daquilo ao que está chamado ser. Para viver bem devo saber quem sou e viver de acordo com o que sou de verdade. Só assim serei verdadeiramente feliza
Sou pessoa humana e sou cristão
A primeira coisa que descubro quando reflito sobre mim mesmo é que sou pessoa humana, quer dizer, que vivo e existo, não como existe uma pedra, uma planta ou um animal, mas como ser humano. Descubro que sou um ser individual, singular, mas também aberto e em relação com o ambiente e com outras pessoas humanas como eu, descubro que sou um ser para o encontro e para a comunhão, capaz de me relacionar com Deus.
Pela Revelação compreendo, além disso, que sou pessoa humana porque fui criado por Deus, Comunhão de Amor, a sua imagem e semelhança. O que sou é um dom deste único Deus pessoal.
Pela Revelação conheço também que logo da desordem e a morte introduzidas no mundo pelo pecado do homem, e logo da obra reconciliadora realizada pelo Senhor Jesus, associado à morte e ressurreição do Senhor Jesus pelo próprio Batismo, passo a ser uma nova criatura: sou cristão[4].
À pergunta Quem sou respondo então: sou pessoa humana e sou cristão. Por Dom de Deus, essa é minha identidade básica. Conhecer esta realidade ontológica é fundamental para poder viver bem, ou seja, viver de acordo com aquilo que é minha natureza, viver de acordo com aquilo para o que fui criado. Disso depende minha felicidade. Se perdemos de vista quem somos, deixaremos de atuar em conformidade com o que somos. Então, como o sal, “nos desvirtuamos”, perdemos a capacidade e a força para “dar sabor” à vida de muitos, e nós mesmos nos destruímos.
Ser lâmpada: difundir a luz recebida
A partir dessa identidade é necessário ensinar, e por isso o Senhor Jesus nos compara com a luz que difunde uma lâmpada.
O modo como Deus Pai dispôs, em seus amorosos desígnios, fazer brilhar no mundo sua Luz, aquela que é a vida dos homens[5], aquela que nos arranca das trevas do pecado e da morte[6], é pela Encarnação de seu Filho[7], do seio imaculado da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo. Mas também quis difundir esta luz associando também todo homem redimido à missão de seu Filho.
Pelo Batismo, o homem pecador passa das trevas à luz. A partir daí está convidado a caminhar como filho da luz[8], aparecendo diante dos demais como uma tocha radiante. Assim, os cristãos «são a luz do mundo, já que, iluminados por Ele mesmo, que é a Luz verdadeira e eterna, converteram-se também em luz que dissipou as trevas»[9]. Pela pregação, pelo ensinamento e pelo testemunho de uma vida de intensa caridade, todo cristão está chamado a difundir essa Luz que recebeu, buscando incrementá-la cada vez mais nele mesmo.
Conclusão
Cabe fazer-nos agora e sempre uma pergunta fundamental: Como iluminaremos aos outros se não for com nossas boas obras, isto é, com obras que reflitam o que somos e anunciamos? De que serve que algum de nós fale com muita eloqüência se suas palavras não vão precedidas e acompanhadas pelo “sabor” e pela força que dá às palavras o testemunho de uma vida cristã coerente, nutrida de caridade?
Não esqueçamos que nossa primeira responsabilidade é a de ser santos realizando-nos o que somos pelo Dom de Deus, que «a santidade é a verdadeira força capaz de transformar o mundo»[10]. Deste modo, abrindo-nos e cooperando intensamente com o dinamismo transformador da graça derramada continuamente em nossos corações, o Senhor Jesus nos chama a ser hoje sal e luz para o mundo inteiro.
Citações para a oração
Quem sou?
Sou pessoa humana:
- Sou imagem e semelhança de Deus: Gn 2,7.
- A grandeza do ser humano: Sl 8; 143[144],3.
- Pelo que sou, estou chamado a participar da vida divina: 2Pe 1,4.
Sou cristão:
- Pelo meu batismo, recebi uma nova vida: Rm 6,3-6; Cl 2,12-13.
- Sou uma nova criação: 2 Cor 5,19.
- Fui “revestido de Cristo”: Gl 3,27.
- Responder ao que sou implica revestir-me de Cristo: Rm 13,12-14; Fl 2,5; Ef 4,22-24; 6,10-12; Cl 3,9-12.14-15.
Nossa responsabilidade como cristãos:
- Ser sal da terra: Mt 5,13.
- Ser luz do mundo: Mt 5,14-16.
- Ser como levedura que tudo fermenta: Mt 13,33; Lc 13,21.
[1] S.S. João Paulo II, primeira Mensagem à Igreja e ao mundo.
[2] Ver Mt 5,14.
[3] Ver Mt 5,16.
[4] Ver Catecismo da Igreja Católica, 1988.
[5] Jo 1,4.9.
[6] Ver Is 42,6-7.
[7] Ver Jo 12,46.
[8] Ef 5,8; 1Ts 5,5.
[9] São Cromacio.
[10] S.S. João Paulo II, Homilía de 19/5/96, n. 3.