O que o Papa Francisco quer nos falar?
Faz uns meses conheci uma menina que estava na etapa dos vestibulares. Como buscava uma vaga no curso de Medicina, a exigência acabava sendo ainda maior. Com o tempo, descobri que uma das principais motivações para levar à frente as dificuldades desta etapa era que ela tinha o sonho de ser parte do Médicos Sem Fronteiras.
Vários de nós já tivemos épocas exigentes nas nossas vidas. Por isso sabemos quão importante é estarmos motivados para não desistir no meio do caminho. Para alguns a motivação é completar o encargo recebido, ou experimentar sucesso ao cumprir com uma meta proposta, ou talvez realizar um sonho. Para alguns outros é o dinheiro, ou atingir algum nível de conforto, ou até de status social. Se a motivação é certa ou errada depende de muitas coisas, cabe a cada um examinar e julgar por si mesmo.
Em todo o caso, às vezes nossa motivação vem na linha do dom, da gratuidade, da solidariedade. Como aquela menina, existem muitos outros dispostos a levar à frente um regime sacrificado – que até pode durar vários anos – movidos por essa lógica do dom.
No Dia Mundial do Enfermo, o Papa Francisco – na sua mensagem* – convida a contestar a “cultura do descarte e da indiferença”, propondo “colocar o dom como paradigma capaz de desafiar o individualismo e a fragmentação social dos nossos dias, para promover novos vínculos e várias formas de cooperação humana entre povos e culturas”. Aliás, enfatiza em particular o papel do voluntariado, que “comunica valores, comportamentos e estilos de vida que, no centro, têm o fermento da doação”, destacando que desse modo “realiza-se também a humanização dos tratamentos”.
Um testemunho que ainda hoje expressa isso tudo é Madre Teresa de Calcutá. Ela se dedicou aos marginais de uma sociedade que descarta os não-funcionais. Realmente, “a misericórdia foi para ela o ‘sal’, que dava sabor a todas as suas obras, e a ‘luz’ que iluminava a escuridão de todos aqueles que nem sequer tinham mais lágrimas para chorar pela sua pobreza e sofrimento”**.
Aliás, mesmo as estruturas são chamadas a se converterem, para viver de tal paradigma: “A dimensão da gratuidade deveria animar sobretudo as estruturas sanitárias católicas, porque é a lógica evangélica que qualifica a sua ação. (…) As estruturas católicas são chamadas a expressar o sentido do dom, da gratuidade e da solidariedade, como resposta à lógica do lucro a todo o custo, do dar para receber, da exploração que não respeita as pessoas”.
Enfim, seja uma jovem fazendo um vestibular e perseguindo os seus sonhos, ou uma religiosa que buscou ficar entre os mais pobres dos pobres, a chamada à santidade passa pelo paradigma do dom. Quem sabe, podemos vivê-lo de forma renovada no nosso serviço e acompanhamento aos enfermos.
*Mensagem do Papa para o Dia Mundial do Enfermo 2019
**Homilia na canonização da Santa Madre Teresa de Calcutá, 4/IX/2016