O jogo do Domingo foi apenas um capítulo das últimas semanas de fúria brasileira. Os mestres da suspeita se deliciam em elaborar teorias da conspiração. Acho que é necessário e saudável, antes de contaminar os fatos com complexas teorias, deixar que as coisas falem por si mesmas. A primeira palavra que me vem aos lábios para descrever a forma como jogou a seleção brasileira é, paradoxalmente, fúria[1].
Os brasileiros imprimiram um ritmo furioso, impressionante, desde o começo. Não desprezaram nenhuma bola, nenhuma oportunidade, e foram implacáveis na marcação. Não deixaram os espanhóis pensarem com a bola nos pés, desarticulando o frio tic-tac. Até o gênio Iniesta ficou perdido em campo.
Alguns personagens dessa história merecem destaque. Fred é o primeiro, porque é o artilheiro que todo time precisa: o sem-vergonha que não tem medo de fazer gol feio. De barriga, de joelho, de bochecha. Não importa. A bola sempre dá um jeito de achar o Fred. O pessoal não entendeu ainda que é a bola que o procura e não o contrário. A sua arte consiste em não esconder-se, em deixar-se encontrar, estar no lugar certo na hora certa: não perder o encontro marcado com o destino.
David Luiz é outro que merece destaque. O mais furioso e irracional dos brasileiros. A bola que ele tirou na linha valeu como um gol (ou mais, pela importância do momento em que aconteceu). O Maracanã efervescido não parava de gritar seu nome, e com razão.
Finalmente, merece destaque Neymar, que combinou talento e genialidade com malandragem e raça. Fez um golaço, chutando um foguete de perna esquerda. Fez uma deixada sensacional no segundo gol do Fred e mostrou entrosamento excepcional com Oscar no seu próprio gol, saindo oportunamente do impedimento.
Outros nomes podem ser citados: Marcelo, em minha opinião o melhor lateral esquerdo do mundo, Luiz Gustavo, Tiago Silva, Daniel Alves, Hulk, Paulinho, o próprio Júlio Cesar.
Alguns pessimistas afirmam que nunca uma seleção que ganhou a Copa das Confederações conquistou depois a Copa do Mundo. Para eles a história é uma perpétua repetição e não uma sucessão de saltos. Saltos como o que presenciamos Domingo. Antes da Copa das Confederações o Brasil não tinha seleção. Hoje tem. A fúria era espanhola. Hoje é brasileira. O tic-tac reinava. Hoje está desmontado. O gigante dormia. Hoje está acordado.
Vejo o futebol como uma alegoria do real inserido no real, no qual os saltos são possíveis e acontecem quando menos esperamos – obra do espírito humano, eterno e criativo – mas são sempre imperceptíveis para quem não queira ver para além das próprias teorias, os mestres da suspeita e seus discípulos.
[1] Paradoxal porque, tradicionalmente, a seleção espanhola é chamada de “Fúria”. Já alguns comentaristas tinham alertado que o atual esquema de jogo da seleção espanhola é o menos parecido com o sentimento com o qual foi historicamente associado. O toque preciso e paciente, muitas vezes para os lados ou para trás, até encontrar uma brecha na defesa do outro time, paciente e cadenciadamente é, com efeito, o mais distante possível de um agir “furioso” e intempestivo.