I DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA – “Vai-te embora, Satanás!”

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I. A Palavra de Deus

Gen 2,7-9; 3,1-7: “Colheu do fruto, comeu e deu também ao marido”

O Senhor Deus formou ao homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente.

Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado.

E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar, a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal.

A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher:

─ «É verdade que Deus vos disse: Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?»

E a mulher respondeu à serpente:

─«Do fruto das árvores do jardim nós podemos comer. Mas do fruto da árvore que está o meio do jardim, Deus nos disse: “Não comais dele, nem sequer o toqueis, do contrário, morrereis”».

A serpente disse à mulher:

─ «Não, vós não morrereis. Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos de abrirão e vós sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal».

A mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para se alcançar o conhecimento. E colheu do fruto, comeu e deu também ao marido, que estava com ela, e ele comeu.

Então os olhos dos dois se abriram; e vendo que estavam nus, teceram tangas para si com folhas de figueira.

Sal 50,3-6.12-14.17: “Misericórdia, Senhor: pecamos”

Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia!

Na imensidão do vosso amor, purificai-me!

Lavai-me todo inteiro do pecado,

E apagai completamente a minha culpa!

Eu reconheço toda a minha iniquidade,

O meu pecado está sempre à minha frente

Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei,

E pratiquei o que é mau aos vossos olhos!

Criai em mim um coração que seja puro,

Dai-me de novo um espírito decidido.

Ó Senhor, não me afasteis de vossa face.

Nem retireis de mim o vosso Santo Espírito!

Dai-me de novo a alegria de ser salvo

e confirmai-me com espírito generoso

Abri meus lábios, ó Senhor, para cantar,

e minha boca anunciará vosso louvor.

 

Rom 5,12-19: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”

Irmãos:

Consideremos o seguinte: O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram.

Por um só homem, pela falta de um só homem, a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça. Como a falta de um só acarretou a condenação para todos os homens, assim o ato de justiça de um só trouxe, para todos os homens, a justificação que dá a vida.

Com efeito, como pela desobediência de um só homem a humanidade toda foi estabelecida numa situação de pecado, assim também, pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça.

Mt 4,1-11: “Foi levado ao deserto pelo Espírito para ser tentado pelo diabo”

Naquele tempo, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome.

Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus:

─ «Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!»

Mas Jesus respondeu:

─ «Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus».

Então o diabo levou Jesus à cidade Santa, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, e lhe disse:

─ «Se és o Filho de Deus, lança-te daqui para baixo! Porque está escrito: “Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos para que não tropeces em alguma pedra”».

Jesus lhe respondeu:

─ «Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus!»

Novamente o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua glória, e lhe disse:

─ «Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar».

Jesus lhe disse:

─ «Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto».

Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus.

II. COMENTÁRIOS

O evangelista relata como depois de receber o batismo de João o Senhor Jesus foi conduzido «ao deserto, para ser tentado pelo diabo». A tentação em sentido amplo é uma prova. Tentar é submeter alguém à prova. Deste modo ficará determinada sua consistência ou inconsistência. A tentação certamente procura encontrar em quem é submetido à prova uma fissura, uma fraqueza, uma fragilidade, com a intenção de quebrar sua fidelidade a Deus e a seus Planos. No deserto o Senhor Jesus, antes de iniciar seu ministério público, será submetido a esta duríssima e exigente prova pelo próprio Demônio, o tentador por excelência.

«Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome». Os quarenta dias de jejum que o Senhor passou no deserto remetem aos quarenta anos que Israel passou no deserto do Sinai. Também Israel experimentou a prova no deserto, uma prova que serviria para «conhecer os sentimentos de teu coração, e saber se observarias ou não os seus mandamentos» (Dt 8,2b).

Não é estranho que o Senhor não tenha sentido fome até o final. Quando alguém inicia um jejum a fome logo desaparece, para voltar depois de muitos dias com uma intensidade inusitada. Este é um fenômeno que os médicos chamam gastrokenosis.

É nesta situação de fragilidade e debilidade que aparece o tentador com a primeira sugestão: «Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães». Pela força da fome a tentação de saciá-la imediatamente deve ter sido terrível.

A tentação aparece como um desafio: «Se és Filho de Deus…». Jesus é verdadeiramente Filho de Deus. Satanás o desafia a demonstrar sua identidade realizando um milagre que sirva para acalmar sua fome e quebrar o jejum proposto. Como muitas tentações, a sugestão convida a responder a uma urgente necessidade ou paixão imediatamente, sem prolongar mais a espera. É como se dissesse: “Por que esperar, se tu tens o poder para saciar tua fome neste mesmo instante?” Mas o Senhor responde: «Está escrito: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”». Tanto a esta como às sucessivas tentações, Jesus responderá não com argumentos próprios, mas citando a Escritura. A resposta do Senhor opõe à tentação um ensinamento divino, é cortante, e não dá margem a nenhum tipo de diálogo posterior. Neste caso, Jesus usa uma citação do Deuteronômio: «Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Yahweh» (8,3). O Senhor Jesus afirma que, mais importante que o pão ou a demonstração de sua identidade por meio do milagre é a Palavra de Deus, sua Lei, seu Plano divino. Converter milagrosamente pedras em pão para saciar sua fome seria deixar de confiar em Deus ou em seu Plano de dar o pão a seu tempo e a sua maneira. Com sua resposta o Senhor Jesus afirma que seu alimento, antes do pão material, é fazer a vontade do Pai e levar a cabo sua obra (ver Jo 4,34). É ao Pai que Ele escuta e obedece, a ninguém mais.

A segunda tentação faz recordar as muitas ocasiões em que os israelitas puseram Deus à prova no deserto. Não foram poucas as vezes em que tentaram a Deus pedindo uma manifestação divina. Astutamente o Demônio se reveste nesta nova tentação com um manto de autoridade divina fazendo uso da Escritura, para confundir o Senhor. Cita uma promessa divina para convidar o Senhor a atirar-se do beiral do Templo: «está escrito: “Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos para que não tropeces em alguma pedra”» (Sal 90,11-12). Novamente aparece o desafio: “Se fores Filho de Deus”, “demonstre quem é exibindo seu poder, oferecendo um espetáculo diante de nossos olhos”. A resposta novamente é cortante. O pai da mentira não pode confundir o Senhor com sua retorcida e mal intencionada interpretação bíblica. Ele também lança mão da Escritura para rechaçar a tentação: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor, teu Deus” (Dt 6, 16)». Com isso faz alusão ao episódio do Deuteronômio em que Israel se encontrava sem água no deserto. Então se levantou uma rebelião contra Moisés que na realidade era uma rebelião contra Deus: «O Senhor está ou não no meio de nós?» (Ex 17, 7). Jesus sabia que o Pai estava com Ele e vivia dessa confiança que não necessita provas. Não tinha que demonstrar a ninguém que Deus estava com Ele. Lançar-se deliberadamente do beiral do Templo para submeter Deus a uma prova teria significado uma falta de confiança nEle.

A terceira tentação recorda a queda dos israelitas no culto idolátrico do bezerro de ouro, ao pé do Monte Sinai (ver Ex 32, 1-10). Nesta ocasião o demônio leva Jesus a um lugar alto, mostra-lhe todo o poder e a glória do mundo e diz: «Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar». O Senhor Jesus rechaça a tentação tomando novamente um texto da Escritura: «Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto» (Dt 6, 13). Neste caso não se nega a aceitar a plenitude do poder e da glória, pois na realidade Lhe pertence e lhe está destinada (ver Mt 28,18). Mas se nega a recebê-la de modo diverso do que determinou seu Pai em seus amorosos desígnios reconciliadores, quer dizer, mediante a aceitação obediente da morte na Cruz (Flp 2, 8-9). Aceitar o poder mundano e a glória vã oferecida por Satanás seria deixar de confiar no Plano do Pai que conduz à verdadeira glória.

As três tentações do deserto foram tentativas de Satanás para que o Senhor Jesus abandonasse sua confiança em Deus e confiasse tão somente em seus próprios planos, em suas próprias forças, em Satanás. No deserto, Jesus vence o tentador por sua confiança total e por sua dependência constante de Deus. Se o núcleo de toda tentação consiste em prescindir de Deus, o Senhor Jesus manifesta que em sua vida Deus tem o primado absoluto.

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

A primeira grande lição da passagem evangélica do Domingo é esta: não podemos esquecer que temos um adversário invisível, o Diabo, que «anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar» (1Pd 5,8). Dele ensinava o Papa Paulo VI: «O mal que existe no mundo é o resultado da intervenção em nós e em nossa sociedade de um agente escuro e inimigo, o Demônio. O mal já não é só uma deficiência, mas um ser vivo, espiritual, pervertido e pervertedor. Terrível realidade, misteriosa e que causa medo». Ele procura sua ruína, e não descansa em seu intento.

A segunda grande lição é esta: é por meio da tentação que o Demônio procura nos afastar de Deus, fonte de nossa vida e felicidade. A tentação é uma sugestão para agir contra o que Deus ensina (ver Gen 3,3). Pela tentação o Diabo introduz no coração do homem o veneno da desconfiança em Deus, fazendo-o aparecer como inimigo de sua felicidade e realização: “Como é possível que Deus te tenha proibido…?” (ver Gen 3,4). Ao mesmo tempo a tentação aparece como confiável, e se faz tremendamente atrativa porque promete à criatura humana “ser como deus”, quer dizer, alcançar o poder, a glória e a felicidade, se em vez de Deus adorar a outros “deuses”, aos ídolos do possuir-prazer, do ter ou do poder. Ou adorando inclusive o próprio Satanás (ver Mt 4,9).

Ao ser tentado no deserto, Cristo nos ensina como também nós podemos desbaratar a força sedutora das tentações: opor à sugestão do Maligno o ensinamento divino. Ao contrário de Eva, o Senhor Jesus não dialoga com o tentador procurando “esclarecer-lhe” o mal-entendido (ver Gen 3,1ss). Em vez de lhe apresentar seus próprios raciocínios, o Senhor responde a cada uma das sugestões do Diabo opondo a Palavra divina que Ele acolheu em sua mente e coração. Seu método é contundente. Não permite que a tentação avance. O ensinamento divino, a Palavra de Deus, converte-se diante da tentação em um escudo que permite deter e apagar os dardos acesos do Maligno (ver Ef, 6,16). Só o critério objetivo que oferece o ensinamento divino nos liberta do subjetivismo no qual a tentação busca nos enredar para finalmente nos levar a optar pelo mal, que por arte da sedução do maligno o ingênuo termina vendo como um “bem para mim”: “serás como deus!”

Neste sentido ensinava Lorenzo Scupoli: «As sentenças da sagrada Escritura pronunciadas com a boca ou com o coração, como se deve, têm virtude e força maravilhosa para nos ajudar neste santo exercício, por isto convém que tenhas muitas na memória, que se refiram à virtude que desejes adquirir, e que as repitas muitas vezes no dia, particularmente quando se excita e move a paixão contrária. Como por exemplo, se desejas adquirir a virtude da paciência, poderás servir-te das palavras seguintes ou de outras semelhantes: “Mais vale a paciência que o heroísmo, mais vale quem domina o coração do que aquele que conquista uma cidade” (Prov 16, 32)».

Ao olhar para Cristo entendemos que os ensinamentos divinos são armas necessárias para lutar e vencer no combate espiritual. Quem se nutre «de toda palavra que sai da boca de Deus» (Dt 8,3; Mt 4,4), quem a medita e guarda fazendo dela sua norma de vida, reveste-se das «armaduras de Deus» (ver Ef 6,11.13) necessárias para vencer ao Maligno e suas ardilosas tentações.

Por outro lado, para não nos deixarmos enganar pelo Maligno é necessário nos habituarmos a examinar todo pensamento que vem à nossa mente, aprender a discernir bem é essencial, pois como escreve São João: «não deis fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo» (1Jo 4,1; ver Lam 3,40).

Nem toda “idéia minha” é necessariamente “minha”, nem é necessariamente boa por ser minha, e embora tenha a aparência de boa, pode-me conduzir ao mal, me afastando de Deus, fazendo dano a mim mesmo e a outros. Por isso é bom desconfiar sadiamente de nós mesmos, de nossos próprios julgamentos e critérios, manter sempre uma sã atitude crítica frente a nossos próprios pensamentos. Um critério muito simples para este discernimento de espíritos é este: “se isto que me vem à mente me separa do que Deus me ensina, não vem de Deus, portanto, devo rejeitá-lo imediatamente; mas se objetivamente me aproxima de Deus, então vem de Deus e devo agir nessa linha”.

Assim, em vez de agir porque “deu vontade”, ou “porque eu gosto/desgosto”, ou “porque eu sou assim”, ou por me deixar levar por um forte impulso passional ou inclinação interior, temos que agir de acordo com o que Deus nos ensina.

IV. PADRES DA IGREJA

São João Crisóstomo: «Tudo o que Jesus sofreu e fez estava destinado a nossa instrução. Quis ser levado a este lugar para lutar com o demônio, para que ninguém entre os batizados se perturbe se depois do batismo é submetido a grandes tentações. Em vez disso, tem que saber suportar a prova como algo que está dentro dos desígnios de Deus. Para isso recebestes as armas: não para ficar inativos, mas para combater. Por isso, Deus não impede as tentações que lhes espreitam. Primeiro para lhes ensinar que adquiristes mais fortaleza. Depois, para que guardem a modéstia e não se orgulhem dos grandes dons que receberam, já que as tentações têm o poder de lhes humilhar. Além disso, são tentados para que o espírito do mal se convença de que realmente renunciaram a suas insinuações. Também são tentados para que adquiram uma solidez maior que o aço. Finalmente, são tentados para que se convençam dos tesouros que lhes foram dados. Porque o demônio não lhes assaltaria se não visse que vocês recebem uma honra maior.»

Santo Agostinho: «Nossa vida no meio desta peregrinação não pode estar sem tentações, já que nosso progresso se realiza precisamente através da tentação, e ninguém conhece a si mesmo se não é tentado, nem pode ser coroado se não tiver vencido, nem vencer se não tiver combatido, nem combater se carecer de inimigo e de tentações».

São Gregório Magno: «É preciso ressaltar uma coisa na tentação do Senhor: tentado pelo diabo, o Senhor lhe replicou com textos da Santa Escritura. Poderia lançar seu tentador no abismo só com a Palavra que Ele mesmo era. Entretanto não recorreu ao seu portentoso poder, tão somente pôs diante dele os preceitos da Santa Escritura. É assim como nos ensina a suportar a prova».

Santo Agostinho: «Deus é fiel — diz o Apóstolo —, e não permitirá que a prova supere suas forças… Não diz: “E não permitirá que sejam provados”, mas: Não permitirá que a prova supere suas forças. Não, para que seja possível resistir, com a prova dará também a saída. Entraste na tentação, mas Deus fará com que saias dela ileso; assim, como uma vasilha de barro, serás modelado com a pregação e cozido no fogo da tribulação. Quando entrar na tentação, confia que sairá dela, porque Deus é fiel: O Senhor guarda suas entradas e saídas».

Santo Ambrósio: «O Senhor que apagou seu pecado e perdoou suas faltas também lhes protege e guarda contra as astúcias do diabo que os combate para que o inimigo, que tem o costume de engendrar a falta, não lhes surpreenda. Quem confia em Deus, não tema o demônio. “Se Deus estiver conosco, quem estará contra nós?” (Rom 8, 31)».

São Leão Magno: «Preparemos nossas almas para as investidas das tentações, sabendo que quanto mais zelosos sejamos de nossa salvação, quanto mais violentamente nos atacarão nossos adversários. Mas o que habita no meio de nós é mais forte do que quem luta contra nós. Nossa fortaleza vem dEle, em cujo poder colocamos nossa confiança. Ele venceu seu adversário com as palavras da Escritura. Combateu para nos ensinar a combater depois dEle. Venceu para que sejamos também vencedores. Não há virtude sem tentações, nem fé sem provas, nem combate sem inimigo, nem vitória sem batalha. A vida passa em meio a emboscadas e sobressaltos. Se não queremos ser surpreendidos, temos que vigiar. Se pretendemos vencer, temos que lutar. Por isso disse Salomão: “Se entrares para o serviço de Deus, prepara a tua alma para a tentação;” (Eclo 2,1)».

V. CATECISMO DA IGREJA

1707. «Seduzido pelo Maligno desde o começo da história, o homem abusou da sua liberdade» (GS 13, 1). Sucumbiu à tentação e cometeu o mal. Conserva o desejo do bem, mas a sua natureza está ferida pelo pecado original. O homem ficou com a inclinação para o mal e sujeito ao erro:

O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer coletiva, apresenta-se como uma luta, certamente dramática, entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas» (GS 13, 2).

As Tentações de Jesus

538. Os evangelhos falam de um tempo de solidão que Jesus passou no deserto, imediatamente depois de ter sido batizado por João: «Impelido» pelo Espírito para o deserto, Jesus ali permanece sem comer durante quarenta dias. Vive com os animais selvagens e os anjos servem-n’O. No fim desse tempo, Satanás tenta-O por três vezes, procurando testar sua atitude filial para com Deus; Jesus repele esses ataques, que recapitulam as tentações de Adão no paraíso e de Israel no deserto; e o Diabo afasta-se d’Ele «até determinada altura» (Lc 4, 13).

539. Os evangelistas indicam o sentido salvífico deste acontecimento misterioso, Jesus é o Novo Adão, que Se mantém fiel naquilo em que o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre perfeitamente a vocação de Israel: contrariamente aos que outrora, durante quarenta anos, provocaram a Deus no deserto, Cristo revela-Se o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisto, Jesus vence o Diabo: «amarrou o homem forte», para lhe tirar os despojos. A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai.

540. A tentação de Jesus manifesta a maneira própria de o Filho de Deus ser Messias, ao contrário da que Lhe propõe Satanás e que os homens desejam atribuir-Lhe. Foi por isso que Cristo venceu o Tentador, por nós: «Nós não temos um sumo-sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um, que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com exceção do pecado» (Heb 4, 15). Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto.

“Não nos deixe cair em tentação!”

2846. Esta prece atinge a raiz da precedente, porque os nossos pecados são fruto do consentimento na tentação. Nós pedimos ao nosso Pai que não nos «deixe cair» na tentação. Traduzir numa só palavra o termo grego é difícil. Significa «não permitas que entre em», «não nos deixes sucumbir à tentação». «Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (Tg 1, 13). Pelo contrário, Ele quer livrar-nos do mal. O que Lhe pedimos é que não nos deixe seguir pelo caminho que conduz ao pecado. Nós andamos empenhados no combate «entre a carne e o Espírito». Esta prece implora o Espírito de discernimento e de fortaleza.

2847. O Espírito Santo permite-nos discernir entre a provação, necessária ao crescimento do homem interior em vista de uma virtude «comprovada» (Rom 5, 3-5) e a tentação que conduz ao pecado e à morte. Devemos também distinguir entre «ser tentado» e «consentir» na tentação. Finalmente, o discernimento desmascara a mentira da tentação: aparentemente, o seu objeto é «bom, agradável à vista, desejável» (Gn 3, 6), quando, na realidade, o seu fruto é a morte.

«Deus não quer impor o bem, quer seres livres […]. Para alguma coisa serve a tentação. Ninguém, senão Deus, sabe o que a nossa alma recebeu de Deus, nem nós próprios. Mas a tentação manifesta-o para nos ensinar a conhecermo-nos e desse modo descobrir a nossa miséria e obrigar-nos a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou» (Orígenes, or. 29).

2848. «Não entrar em tentação» implica uma decisão do coração: «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração […] Ninguém pode servir a dois senhores» (Mt 6, 21, 24). «Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o Espírito» (Gl 5, 25). É neste «consentimento» ao Espírito Santo que o Pai nos dá a força. «Não vos surpreendeu nenhuma tentação que tivesse ultrapassado a medida humana. Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças, mas, com a tentação, vos dará os meios de sair dela e a força para suportá-la» (1 Cor 10, 13).

2849. Ora um tal combate e uma tal vitória só são possíveis pela oração. Foi pela oração que Jesus venceu o Tentador desde o princípio (Ver Mt 4, 11) e no último combate da sua agonia (Ver Mt 26, 36-44). Foi ao seu combate e à sua agonia que Cristo nos uniu nesta petição ao nosso Pai. A vigilância do coração é lembrada com insistência (Ver Mc 13, 9. 23. 33-37; 14, 38; Lc 12, 35-40) em comunhão com a sua. A vigilância é a «guarda do coração» e Jesus pede ao Pai que «nos guarde em seu nome» (Jo 17, 11). O Espírito Santo procura incessantemente despertar-nos para esta vigilância. Esta prece adquire todo o seu sentido dramático, quando relacionada com a tentação final do nosso combate na terra: ela pede a perseverança final. «Olhai que vou chegar como um ladrão: feliz de quem estiver vigilante!» (Ap 16, 15).

VI. Textos da Espiritualidade Sodálite

A CONVERSÃO

O Senhor Jesus, ao ser tentado no deserto, assinala-nos com sua atitude a importância e urgência de tal assimilação integral. Mostra que a única maneira de resistir e vencer com êxito as múltiplas tentações que irão aparecendo em nosso caminho de conversão é a oposição pronta e radical: com a tentação jamais se dialoga. Deve-se rechaçá-la imediatamente opondo-lhe os “critérios evangélicos”.

A meta é a santidade

A conversão não tem, pois, só um aspecto negativo, que é a luta contra as tentações e tendências pecaminosas que há em nós. O horizonte da conversão é eminentemente positivo, e aponta para a santidade. O próprio Pai é quem nos assinalou a meta: ser Santos como Ele mesmo é Santo, e mais, deu-nos e assinalou «O Caminho» pelo qual todos podemos alcançar efetivamente tal perfeição e santidade: no Filho, que revelou a toda pessoa humana «o modo de chegar à plenitude de sua própria vocação», e o alenta com a certeza que aspirar a chegar «ao estado de homem perfeito» não é impossível.

Conclusão

Pelo Batismo e a pela Confirmação chegamos a ser plenamente filhos no Filho. Ainda assim, faz falta que a partir de nossa liberdade retamente exercida respondamos ao dom recebido. O dom exige nossa cooperação, exige que de nossa parte aprendamos a ser filhos. Como aprenderemos a ser verdadeiramente filhos? O Senhor Jesus, o Filho amado do Pai e Filho da Santa Maria Virgem, é paradigma e modelo. No caminho de conversão tenta-se ser verdadeiros discípulos, aspirando incessantemente a nos deixar educar pelo Espírito Santo pela intercessão da Mãe, de modo que cheguemos a ser “outros Cristos”: tendo «a mente de Cristo» , guardando entre nós «os mesmos sentimentos de Cristo», agindo em tudo como Ele agiu.

Vivamos na Quaresma essa busca de nos configurarmos com o Senhor Jesus. Não tenhamos medo de renunciar ao pecado de forma radical, aproveitando as mortificações do caminho para nos unirmos à sua Cruz, e trabalhando por crescer na virtude, especialmente na caridade através do serviço fraterno. Recordemos aquelas formosas palavras de S.S. Bento XVI: «Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada, Ele dá tudo. Quem se dá a ele, recebe o cento por um. Sim, abram, abram de par em par as portas a Cristo, e encontrarão a verdadeira vida».

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