I. A PALAVRA DE DEUS
Gen 22, 1-2. 9-13. 15-18: “O sacrifício de nosso pai Abraão. ”
Naqueles dias: 1Deus pôs Abraão à prova. Chamando-o, disse:
– ‘Abraão!’
E ele respondeu:
–’Aqui estou’.
2E Deus disse:
– ‘Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirije-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre um monte que eu te indicar’.
9aChegados ao lugar indicado por Deus, Abraão ergueu um altar, colocou a lenha em cima, amarrou o filho e o pôs sobre a lenha em cima do altar. 10Depois, estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho. 11E eis que o anjo do Senhor gritou do céu, dizendo:
– ‘Abraão! Abraão!’
Ele respondeu:
– ‘Aqui estou!’.
12E o anjo lhe disse:
– ‘Não estendas a mão contra teu filho e não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu filho único’.
13Abraão, erguendo os olhos,viu um carneiro preso num espinheiro pelos chifres; foi buscá-lo e ofereceu-o em holocausto no lugar do seu filho.
15O anjo do Senhor chamou Abraão, pela segunda vez, do céu, 16e lhe disse:
– ‘Juro por mim mesmo – oráculo do Senhor -, uma vez que agiste deste modo e não me recusaste teu filho único, 17eu te abençoarei e tornarei tão numerosa tua descendência como as estrelas do céu e como as areias da praia do mar. Teus descendentes conquistarão as cidades dos inimigos. 18Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque me obedeceste’.
Sal 116(115),10.15.16-17.18-19: “Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos.”
10Guardei a minha fé, mesmo dizendo:
‘É demais o sofrimento em minha vida!’
15É sentida por demais pelo Senhor
a morte de seus santos, seus amigos.
16Eis que sou o vosso servo, ó Senhor,
vosso servo que nasceu de vossa serva
mas me quebrastes os grilhões da escravidão!
17Por isso oferto um sacrifício de louvor,
invocando o nome santo do Senhor.
18Vou cumprir minhas promessas ao Senhor
na presença de seu povo reunido;
19nos átrios da casa do Senhor,
em teu meio, ó cidade de Sião!
Rom 8, 31-34: “Deus não poupou seu próprio Filho”
Irmãos:
31bSe Deus é por nós, quem será contra nós? 32Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele? 33Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? 34Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está, à direita de Deus, intercedendo por nós?
Mc 9, 2-10: “Este é meu Filho amado.”
Naquele tempo, 2Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles.
3Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. 4Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus.
5Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus:
– ‘Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.’
6Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo.
7Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz:
– ‘Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!’ 8E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles.
9Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer ‘ressuscitar dos mortos’.
II. COMENTÁRIOS
No tempo da Quaresma, o relato da oferenda de Isaac por seu pai Abraão (1ª. leitura) destaca que mais que sacrifícios e oferendas o que Deus pede a seus servos é a obediência da fé. Um coração realmente convertido a Deus, que crê nEle e confia nEle, faz o que Ele pede e ensina, mesmo quando isso implica em enfrentar os sacrifícios mais custosos.
O Senhor Jesus vive ao máximo essa cordial adesão e obediência ao Pai, que quis entregá-lo «por todos nós» (2ª. leitura) para nosso resgate. Mas essa entrega do Pai não se produz sem o pleno e livre assentimento do Filho: «Eis que eu venho fazer vossa vontade, meu Deus» (ver Sal 39, 8-9). Para a reconciliação de toda a humanidade com Deus Ele oferecerá o sacrifício de sua própria vida no Altar da Cruz.
Essa entrega do Filho está como pano de fundo do relato do episódio da transfiguração. Com efeito, não podemos perder de vista que São Marcos, ao introduzir o relato do episódio da transfiguração, estabelece um vínculo com outro episódio ocorrido seis dias antes (ver Mc 9, 2; Nota: Ao introduzir a leitura do Evangelho deste Domingo com as palavras “naquele tempo” se omite a referência temporal feita pelo evangelista): o diálogo que o Senhor sustentou com seus discípulos, referindo-se a sua identidade e missão.
Nesse diálogo, que aconteceu seis dias antes, o Senhor Jesus tinha perguntado a seus discípulos: «E vós, quem dizeis que eu sou?» (Mc 8, 29). Pedro, tomando a palavra, tinha respondido: «Tu és o Cristo», quer dizer, o Messias anunciado por Deus a Israel, o Messias longamente esperado. Depois de lhes ordenar energicamente que não revelassem a ninguém que Ele era o Messias, «começou a lhes ensinar que era necessário que o Filho do homem padecesse muito, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, e fosse morto, mas ressuscitasse depois de três dias.» (Mc 8, 31). Pedro negou-se a aceitar tal perspectiva e possibilidade: O Messias de Deus — assim pensavam todos os judeus — devia ser um caudilho[1] glorioso e vitorioso que com a força de Deus libertaria Israel de toda dominação e instauraria o Reino de Deus imediatamente, submetendo todas as nações pagãs ao seu domínio. Na mente de Pedro e dos homens o Messias não podia ser reprovado e morto pelos seus. Mas tal Messias-liberador político não estava na mente nem nos planos de Deus (ver Mc 8, 33), por isso Pedro recebeu uma reprimenda duríssima do Senhor, que além disso, qualificou de “Satanás” a quem pouco antes tinha proclamado como “a rocha” sobre a qual edificaria sua Igreja (ver Mt 16, 18).
Depois de chamar a atenção de Pedro, o Senhor advertia a todos, discípulos e povo em geral: «Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.» (Mc 8, 34). Ficava claro que Ele não prometia a glória humana a quem queria segui-lo. Quem queria ser seu discípulo devia renunciar a procurar sua própria glória e seguir o Senhor como aqueles réus condenados à crucificação: carregando seu próprio instrumento de escárnio e execução. Mas para quem segue o Senhor, a cruz é o caminho que conduz à gloriosa transfiguração de sua própria existência (ver Catecismo da Igreja Católica, 556).
“Seis dias depois”, com sua transfiguração, o Senhor Jesus manifestará a Pedro, Tiago e João sua identidade mais profunda, oculta sob o véu de sua humanidade. A luminosidade de suas vestes manifesta sua divindade. Não está Deus «revestido de majestade e esplendor, envolvido de luz como de um manto.» (Sal 103, 1-2)? O Messias não é tão somente um homem, e sim Deus mesmo que se fez homem.
Nesse momento «apareceram Elias e Moisés, conversando com Jesus»: Moisés representa “a Lei” e Elias “os Profetas”, o conjunto dos ensinamentos divinos até então oferecidos por Deus a seu Povo. Quanto ao conteúdo do diálogo, São Lucas é o único que especifica que falavam de sua morte em Jerusalém (ver Lc 9, 31).
Aquele momento vivido pelos três apóstolos escolhidos é muito intenso, por isso Pedro sugere ao Senhor construir «três tendas»: uma para Jesus, outra para Moisés, outra para Elias. Considerava-se que uma das características dos tempos messiânicos seria os justos morarem em tendas. A manifestação da glória de Jesus Cristo em sua transfiguração seria interpretada por Pedro como o sinal evidente de que chegou o tempo messiânico, sua manifestação. Mas no momento em que Pedro se acha ainda falando «formou-se uma nuvem que os cobriu com a sua sombra». A nuvem «é o sinal da presença de Deus mesmo, ashekináh. A nuvem sobre a tenda do encontro indicava a presença de Deus. Jesus é a tenda sagrada sobre a qual está a nuvem da presença de Deus e a qual cobre agora “com sua sombra” também a outros» (S.S. Bento XVI).
Desta nuvem saiu uma voz que dizia: «Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!». É a voz de Deus, a voz do Pai que proclama Jesus Cristo como Filho dEle e manda escutá-lO. O Senhor Jesus é mais que Moisés e Elias, está acima de quem até então tinha falado ao Povo em nome de Deus, Ele veio dar cumprimento à Lei e aos Profetas (ver Mt 5, 17), Ele é a plenitude da revelação: «Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da sua palavra. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade no mais alto dos céus,» (Hb 1, 1-3). Assim, pois, o Filho é a quem teremos que escutar daí em diante: teremos que dar ouvidos a seus ensinamentos e fazer o que Ele disser (ver Jo 2, 5).
III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ
Pedro, Tiago e João experimentam algo fascinante, maravilhoso: veem o Senhor transfigurar-se diante de seus olhos, veem-no em todo seu esplendor, percebem a intensa luz que irradia de todo o seu ser, sua Glória, e embora esta intensíssima e tremenda experiência os assuste, maior é a alegria extraordinária que inunda o coração dos apóstolos: «Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas.», é como dizer: “Fiquemos aqui para sempre! Queremos que esta felicidade intensa nunca passe!”
Às vezes acontece algo parecido em nosso próprio peregrinar de fé: Deus nos concede em um momento oportuno uma experiência espiritual intensa que gostaríamos que se prolongasse para sempre, que nunca acabasse. Entretanto, experiências como essas não duram para sempre, e às vezes duram só um instante. E assim, depois de “ver brilhar a glória do Senhor”, como os Apóstolos, devem “descer do monte”, voltar para a vida cotidiana, à luta às vezes tediosa, à rotina absorvente de cada dia, a suportar fadigas, tentações, dificuldades, provas, adversidades, etc.
Quantos, depois de experimentar momentos tão intensos se desalentam na batalha! Quantos pensam em abandonar a luta e jogar para longe de si a cruz que implica a vida cristã porque “já não sentem nada”, porque o caminho se faz encosta acima e “não pensei que me custaria tanto”, porque “já não posso mais”. E no meio destas reflexões e tentações, perdendo a resistência, indispostos a assumir o esforço e assim pagar o preço necessário para conquistar a eternidade, desconfiando do Senhor e do poder de sua graça, abandonaram covardemente a luta dizendo-se a si mesmos: “Isto não é para mim! Eu não posso!” Mas não só abandonaram o caminho do bem: enganados e fascinados pelo brilho vão que o mundo lhes oferecia, retornaram ao Egito[2], ali onde “tudo era melhor”, ali onde tudo é mais fácil e mais cômodo, ali onde “há com o que saciar imediatamente a fome e a sede” de infinito que queima suas vísceras. Que ilusão e engano!
E onde ficaram aquelas experiências intensas que o Senhor lhes deu de presente? Foram acaso tão somente uma ilusão e fantasia de momento, uma auto-sugestão, quer dizer, uma mentira? Assim costumam autojustificar-se e enganar-se aqueles que abandonando a luta e apartando seus olhos da eternidade decidem “viver o momento”. Querem substituir com fugazes “experiências extremas”, repetidas uma e outra vez até o cansaço e a saciedade, a profunda e duradoura felicidade que só o Senhor lhes pode dar. Aos que deste modo fogem de seu interior e do Senhor certamente nada mais resta que lançar-se freneticamente a procura de saciar sua fome e sede de infinito com bebedeiras de todo tipo, com sensações fortes, intensas, através do prazer sensual, do poder, do ter, ou através do vício do trabalho, à ação superficial e ininterrupta. Assim, no dia a dia, são como pobres mendigos que procuram saciar-se com migalhas, ou pior ainda, com alimento para porcos, querendo sossegar o grito incontestável de seus corações que clamam por um Pão Vivo que sacie sua fome de felicidade, de paz, de autêntica comunhão no amor.
Como é importante valorizar e entesourar aquelas experiências que Deus nos dá de presente em algum momento da vida, experiências às vezes muito intensas, outras muito suaves e singelas, para não sucumbir diante das provas e cruzes que encontraremos no caminho, para não nos deixarmos seduzir pelas miragens que em momentos de deserto espiritual nos convidam a abandonar o caminho do Senhor, o caminho que pela cruz conduz à glória, sugerido-nos “voltar para o Egito”, quer dizer, optar por uma vida mais fácil, mais cômoda e prazenteira, mais “light”, mais ajustada a nossa mediocridade!
Como a transfiguração para os Apóstolos, as experiências intensas que em um momento de nossa vida inundam nosso espírito de uma paz e de uma alegria profundas são um presente de Deus para nosso peregrinar, uma tênue antecipação do que Deus nos promete se perseverarmos no caminho que Jesus nos ensina, um firme estímulo para lutar dia a dia pelo que gostamos brevemente, mas que ainda nos falta conquistar, aquilo que «os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), assim são os bens que Deus preparou para aqueles que o amam.» (1Cor 2, 9). Esses momentos de luz têm que permanecer sempre em nossa cordial memória para nos alentar em todas as nossas lutas, para alimentar nossa esperança e nos sustentar dia a dia na fiel perseverança até o fim.
Assim, pois, nos momentos de prova, nos momentos em que o céu nos pareça nublado, quando a escuridão pareça cobri-lo totalmente e as espessas trevas da dor inundarem sua mente e coração, lembre-se dos momentos de luz, momentos em que o Senhor se mostrou em sua vida com suma claridade. Estas experiências são como o sol: não podemos duvidar de sua existência embora por momentos as nuvens densas o ocultem, e assim, embora não o vejamos por dias, semanas, meses, sabemos que está sempre ali, que está detrás das nuvens ou das tormentas que se interpõem momentaneamente. Quando você passar por esses momentos duros e difíceis, não se desespere: abrace a Cruz do Senhor, reze intensamente e espere com paciência o novo nascimento do Sol, o triunfo do Senhor em sua vida.
IV. PADRES DA IGREJA
São Leão Magno: «O Senhor manifesta sua glória diante de testemunhas que tinha escolhido, e sobre seu corpo, parecido com o nosso, estende-se um resplendor tal “que seu rosto parecia brilhante como o sol e suas vestes brancas como a luz.” Sem dúvida, esta transfiguração tinha por meta tirar do coração de seus discípulos o escândalo da cruz, não fazer cambalear sua fé pela humildade da paixão voluntariamente aceita… Mas esta revelação também infundia em sua Igreja a esperança que teria que sustentar com o passar do tempo. Todos os membros da Igreja, seu Corpo, compreenderiam assim a transformação que um dia se realizaria neles, já que os membros vão participar da glória de sua Cabeça. O próprio Senhor havia dito, falando da majestade de sua vinda: “Então, no Reino de meu Pai, os justos resplandecerão como o sol” (Mt 13, 43). E o Apóstolo Paulo afirma: “os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada.” (ver Rm 8, 18)… Também exclamou: “estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então também vós aparecereis com ele na glória.” (Cl 3, 3-4)».
São Beda: «Quando o Senhor se transfigura, dá-nos a conhecer a glória da ressurreição dele e da nossa».
São João Damasceno: «Moisés era glorificado por uma glória que lhe vinha de fora, enquanto que o Senhor brilhava com um resplendor inato de sua glória divina. Porque transfigura-se sem receber o que não tinha, mas manifestando a seus discípulos o que era».
São João Crisóstomo: «E por que faz que se apresentem ali Moisés e Elias? Para que se distinguisse entre o Senhor e os servos, pois o povo afirmava que o Senhor era Elias ou Jeremias. Além disso, fez com que aparecessem servindo-O, para demonstrar que Ele não era adversário de Deus nem transgressor da lei; pois em tal caso o legislador Moisés e Elias, os dois homens que mais tinham brilhado na guarda da lei e no zelo da glória de Deus, não o teriam servido».
São Cipriano: «Já pelos profetas, seus servos, Deus quis falar e fazer-se ouvir de muitas maneiras; mas muito mais é o que nos diz o Filho, o que a Palavra de Deus, que esteve nos profetas, testemunha agora com sua própria voz, pois já não manda preparar o caminho para o que tem que vir, mas sim Ele mesmo vem, abre-nos e mostra o caminho, a fim de que, os que antes errávamos cegos e tateando nas trevas da morte, iluminados agora pela luz da graça, sigamos o caminho da vida, sob a tutela e direção de Deus».
São Cirilo: «“Escutai-O”. E mais que a Moisés e a Elias, porque Cristo é o fim da Lei e dos Profetas».
V. CATECISMO DA IGREJA
O Pai envia a seu Filho amado para nossa reconciliação
444: Os evangelhos fazem referência, em dois momentos solenes, no batismo e na transfiguração de Cristo, à voz do Pai, que O designa como seu «Filho muito amado».
457: O Verbo fez-Se carne para nos salvar, reconciliando-nos com Deus: «Foi Deus que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10). «O Pai enviou o Filho como salvador do mundo» (1 Jo 4, 14). «E Ele veio para tirar os pecados» (1 Jo 3, 5):
«Enferma, a nossa natureza precisava ser curada; decaída, precisava ser elevada; morta, precisava ser ressuscitada. Tínhamos perdido a posse do bem; era preciso que nos fosse restituído. Encerrados nas trevas, precisávamos de quem nos trouxesse a luz; cativos, esperávamos um salvador: prisioneiros, esperávamos um auxílio; escravos, precisávamos de um libertador. Seriam razões sem importância? Não seriam suficientes para comover a Deus, a ponto de O fazer descer até à nossa natureza humana para a visitar, já que a humanidade se encontrava em estado tão miserável e infeliz?».
458. O Verbo fez-Se carne, para que assim conhecêssemos o amor de Deus: «Assim se manifestou o amor de Deus para conosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigênito, para que vivamos por Ele» (I Jo 4, 9). «Porque Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
O Verbo fez-Se carne, para ser o nosso modelo de santidade: «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim […]» (Mt 11, 29). «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 6). E o Pai, na montanha da Transfiguração, ordena: «Escutai-o» (Mc 9, 7) (81). De fato, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da Lei nova: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12). Este amor implica a oferta efetiva de nós mesmos, no seu seguimento (82).
A cruz é o caminho à glória
554: A partir do dia em que Pedro confessou que Jesus era o Cristo, Filho do Deus vivo, o Mestre «começou a explicar aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e lá sofrer […], que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia» (Mt 16, 21). Pedro rejeita este anúncio e os outros também não o entendem. É neste contexto que se situa o episódio misterioso da transfiguração de Jesus…
555: Por um momento, Jesus mostra a sua glória divina, confirmando assim a confissão de Pedro. Mostra também que, para «entrar na sua glória» (Lc 24, 26), tem de passar pela cruz em Jerusalém. Moisés e Elias tinham visto a glória de Deus sobre a montanha; a Lei e os Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias. A paixão de Jesus é da vontade do Pai: o Filho age como Servo de Deus. A nuvem indica a presença do Espírito Santo: «Tota Trinitas apparuit: Pater in voce; Filius in homine; Spiritus in nube clara – Apareceu toda a Trindade: o Pai na voz; o Filho na humanidade; o Espírito Santo na nuvem clara.
556: (…) A transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa de Cristo, «que transfigurará o nosso corpo miserável para o conformar com o seu corpo glorioso» (Fl 3, 21). Mas lembra-nos também que temos de passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus» (At 14, 22)
VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE
Ao olhar para nós mesmos e olhar ao nosso redor, descobrimos que toda existência humana tem a marca do sofrimento. Não há ninguém que não sofra, que não morra. Mas vemos também como sem Cristo, todo sofrimento carece de sentido, é estéril, absurdo, esmaga, afunda na amargura, endurece o coração.
O Senhor, longe de nos liberar da cruz, carregou-a sobre si, fazendo dela o lugar da redenção da humanidade, unindo e reconciliando nela, por seu Sangue, o que o pecado tinha dividido: Deus e o homem. Ele mesmo, na Cruz, mudou a maldição em bênção, a morte em vida. Ressuscitando, transformou a cruz de árvore de morte em árvore de vida.
Quem sabe abraçar-se a sua Cruz com o Senhor, experimenta como seu próprio sofrimento, sem desaparecer, adquire sentido, transforma-se em uma dor salvífica, em fonte de inumeráveis bênçãos para si mesmo e muitos outros. Não há cristianismo sem cruz porque com Cristo a cruz é o caminho para a luz, quer dizer, para a plena comunhão e participação na glória do Senhor.
Muitas vezes nossa primeira reação diante da cruz é querer fugir, é não querer assumi-la, porque nos custa! A fuga se dá de muitos modos: fugir das próprias responsabilidades e cargas pesadas, ocultar minha identidade cristã para não me expor à brincadeira e à rejeição dos outros, não defender ou ajudar quem necessita de mim, para “não me meter em problemas” ou arranjar uma “carga” para mim, não assumir tal apostolado que me dá mais trabalho, não perdoar a quem me ofendeu porque me custa vencer meu orgulho, etc.
Outras vezes, não podendo fugir do sofrimento, só queremos nos desfazer da cruz, jogá-la longe, mais ainda quando levamos a cruz por muito tempo ou ela nos pede uma grande dose de sacrifício: “até quando, Senhor! Já basta!” Há quem perdendo a resistência e com rebelde atitude diante de Deus opta por afastar-se Dele.
A atitude adequada diante da cruz é assumi-la plenamente, com paciência, confiando plenamente que Deus saberá tirar bens dos males, procurando nele a força necessária para suportar todo o seu peso e levar a pleno cumprimento em nós seu amoroso desígnio. O próprio Senhor nos ensinou a recorrer incessantemente à oração para sermos capazes de levar a cruz.
Deste modo temos que pedir a Deus a graça para viver a virtude da mortificação, entendida como um aprender a sofrer pacientemente – sobretudo diante de fatos e eventos que escapam ao próprio controle – e um ir aderindo explicitamente ao mistério do sofrimento de Cristo os próprios sofrimentos e contrariedades – tudo aquilo que é penoso ou desagradável para nossa natureza ou mortificante para nosso amor próprio.
Também temos que ter presente que “Não há sexta-feira de Paixão sem domingo de Ressurreição”, e vice-versa. (Caminho para Deus N. 133)
[1] Caudilho – chefe militar, comandante, dominador.
[2] Vide Ex 6, 16