Se você ainda não assistiu o filme, recomendo ler apenas a sinopse que preparamos, ir ao cinema e depois você volta aqui, que estamos te esperando…
Jogos Vorazes vem como uma nova franquia adolescente, que promete fazer frente às últimas sagas para jovens como Crepúsculo e Harry Potter. Porém, algo me chamou a atenção ao assistir o primeiro filme: não é apenas um filme divertido, com bastante ação e apelante para a juventude. Realmente desejam transmitir uma mensagem e fazer uma crítica. Sobre isso gostaria de analisar junto com vocês. Antes de começarmos gostaria de mencionar que trata-se de uma reflexão (sem caráter absolutizante) baseada no que percebi do filme, na leitura de algumas críticas ao filme e ao livro e no diálogo com amigos que leram o livro.
Conhecendo alguns personagens:
A protagonista: Katniss Everdeen
Ela é o que poderíamos chamar da personificação do que é autêntico no jovem: a pureza (vemos claramente no seu relacionamento com os dois jovens que disputam o seu coração: Peeta e Gale, um amigo de infância, que cuida dela e de sua família. Chama também a atenção que o filme não tem nenhuma cena de sexo), o não estar satisfeito com a mentira e buscar o autêntico (isso é um dos aspectos principais da trama e que dá origem aos dois próximos livros, sobre isso falarei mais adiante), a bondade e misericórdia, a capacidade de sacrifício (ela se oferece ir no lugar da irmã, quem ela praticamente criou, pois o seu pai que era mineiro, faleceu bem cedo e sua mãe ficou deprimida durante anos), a nobreza que se dispõe a sacrificar-se com a própria vida pelo que acredita (vê-se isso muito claramente no final do filme), a coragem, a heroicidade, a sua grande riqueza interior em contraste com sua extrema pobreza material (ela caçava animais com arco e flecha para alimentar a família), enfim poderíamos falar de tanta coisa, mas algo gostaria de perguntar antes de terminar de falar desse personagem: olhando para você mesmo, anseia ser como ela? O que falta para isso?
Peeta Mellark
Representante do distrito 12, junto com Katniss Everdreen, o filho de padeiro apresenta no filme alguns conflitos: a relação com sua mãe, o amor por Katniss não revelado e não correspondido, a cena do pão.
Vendo superficialmente com algumas coisas que mostram durante o filme, poderíamos erradamnente concluir que ele é um jovem inseguro, medroso. Porém analisando esse personagem mais a fundo, considerando o livro, percebemos que ele tem um algo mais, pois ele além de se arriscar para salvar a Katniss dos carreiristas (a grave ferida que ele recebe, que no filme não explica a origem, na verdade foi causada por Cato no momento em que Katniss é picada pelas abelhas e começa a delirar. Peeta luta com ele para atrasá-lo e dar tempo de Katniss fugir e ficar a salvo), também está disposto a dar a vida pelo que acredita e enfrentar os organizadores dos Jogos Vorazes.
Effie Trinket
A personagem é exageradamente caricaturizada, apresentando uma aparência ridícula. O seu desejo é de ficar bem com a Capital, ganhar aplausos, curtir tudo o que o mundo oferece. Para ela tudo é glamour, espetáculo. Ela não percebe a dignidade dos jovens e menos ainda a injustiça que eles estão sofrendo.
Pelo que ela afirma todas as pessoas na Capital são como ela. No livro fala-se de transformações no corpo, tatuagens, perucas, roupas, etc. Pessoas alienadas, superficiais, egoístas, que só se preocupam com o seu bem estar custe o que custar. Quero ser como ela, totalmente imerso no mundo das aparências, dos aplausos, da fama?
Haymitch Abernathy
Esse personagem é intrigante, pois, ele sim tem consciência de várias coisas que acontecem no sistema, que são injustas: sabe que é uma covardia o que fazem com os jovens (pois ele já sofreu isso na própria pele), evidencia o ridículo e sem sentido de tudo aquilo. Porém é um daqueles que são levados pela corrente, que dançam conforme a música para livrar-se de qualquer problema e inclusive levar vantagem.
Ele sabe que se for contra o sistema sofrerá as consequências e ele não está disposto a pagar esse preço. Podemos resumi-lo como uma pessoa medíocre e conformada.
Chama à atenção as cenas no trem, a caminho da Capital, onde os dois jovens lhe pedem e a sua reação é de completa indiferença, sem sentido e desesperança (quantos hoje em dia não são assim?).
Ele fala para os jovens que na verdade já estão mortos (pois era assim que ele se experimentava) e que não há nada que ele possa fazer. Peeta pergunta porque ele segue fazendo isso então. Ele responde: “por causa das bebidas”.
Ainda bem que sua humanidade é tocada e questionada pela atitude dos dois jovens do 12º distrito e parece mudar sua atitude ao longo da trama.
Cinna
Com mais clareza que Haymitch, percebe a injustiça dos Jogos Vorazes.
Ele sabe perfeitamente como funciona o sistema, o mundo das aparências, do reality show, que mantém funcionando a estrutura injusta, totalitária e dominante, que esta por trás dos Jogos Vorazes. Ele é o personagem que vê o essencial, o que está por trás das luzes, do glamour.
Ao perceber o potencial do casal, em especial de Katniss, deposita as esperanças neles, para que consigam fazer um novo tipo de revolução.
Para entender melhor porque ele age assim é importante entender melhor a origem do seu nome: Cinna faz alusão a Lucius Cornelius Cinna destacado político romano do século I a.C., um dos grandes líderes da revolução de sua época.
Presidente Snow
Principal responsável pela injustiça que ocorre em Panem. O que ele quer é que os distritos estejam totalmente submissos à Capital. O seu nome também é bem sugestivo: Snow vem do inglês e uma das suas traduções é gelo, neve. Ele deseja“congelar” as consciências e os corações das pessoas, para que não se questionem e se revoltem contra a Capital.
O seu personagem lembra muito o “Grande Irmão” ou “Big Brother” (esse nome te faz lembrar de algum programa? Se a resposta é sim, preste atenção nas próximas linhas e tire as suas conclusões), personagem de 1984, escrito por George Orwell. Outro detalhe do personagem é a sua semelhança com Karl Marx.
Ele é plenamente consciente do que acontece com as pessoas, porém acredita radicalmente que o seu sistema é o melhor para o povo. O seu regime totalitarista tem traços do comunismo e do capitalismo (você conhece algum país hoje em dia que é assim, que tem um dos maiores índices de crescimento do PIB?). Isso nos leva a uma breve reflexão: o melhor sistema é aquele que promove a a justiça e a dignidade da pessoa humana.
Seneca Crane
Para dar um “gelo” na população e mantê-los tranquilos e controlados, Snow conta com Seneca Crane, outro personagem que faz alusão a um romano destacado, Séneca, célebre advogado e filósofo do Império Romano, apreciador do estoicismo, que busca a imperturbabilidade da alma, a ataraxia.
Mas o que tem a ver isso com o filme? Tem tudo a ver. Seneca busca com Jogos Vorazes, que a população de Panen fique entretida e tranquila e assim não reaja às injustiças impostas pela Capital aos distritos.
Indo mais a fundo em Jogos Vorazes
O espetáculo é a grande arma para anestesiar as consciências para que não questionem a injustiça e crueldade do sistema totalitarista imposto por Snow. Afinal, enquanto o pessoal se sinta bem, tenha “pão e circo”, por que me preocupar com os demais, se o “meu mundinho” está bem? Basta ter a cervejinha, boa comida, diversão e conforto garantido para mim e minha família e tudo está tranquilo, não é verdade?
O espetáculo é fantástico, com tecnologia de ponta (naves, trens que flutuam, possibilidade de criar animais, fogo pelo computador, etc), misturado com elementos da época romana (jovens chegam em bigas com grande esplendor, lutam como gladiadores usando espadas, arco e flecha, facas) e recursos avançados de TV (uma mistura de programas como American Idol, cerimônia do Oscar e “Big Brother”). Quem é o centro do espetáculo? 24 jovens que são soltos na arena e lutarão até a morte.
Para o distrito é uma grande honra e alegria que um dos seus saia vencedor. Alguns distritos como o do jovem Cato, prepara os jovens desde cedo em academias para que estejam prontos para ganharem os Jogos Vorazes. Isso me faz lembrar do povo de Esparta. O mais importante é vencer, mesmo à custa da morte dos outros 23 “tributos” morrerem cruelmente, sem nenhuma piedade.
Com todo o espetáculo de Jogos Vorazes eles conseguem atingir um dos grandes anseios do ser humano, que se manifesta com maior força nos jovens: sentir-se importante, querido, famoso.
A alegria, a fama, a ilusão de ser querido e aceito por uma multidão, dura bem pouco e assim que começa o jogo vem a dura realidade: a juventude, todos os sonhos, ilusões, toda uma vida pela frente acaba de forma banal e brutal pelas mãos de outro jovem. Alguns não duram nem um minuto no torneio.
Confrontando essa dura realidade com a nossa, podemos nos perguntar: será que realmente vale a pena sacrificar a própria vida, para ser famoso, querido, passando inclusive por situações ridículas, humilhantes e desumanas? (só para refrescar a memória cito alguns exemplos que aconteceram recentemente em nosso país: o estupro de uma das integrantes do BBB, a panicat que cortou o cabelo por causa de uma aposta, os absurdos que fazem a equipe do Pânico na TV, onde um deles dói relatado em uma carta do ‘capitão Nascimento”, o ator Wagner Moura.)
Logo ao iniciar o torneiro percebemos o sem sentido e a desumanização da maioria dos jovens, em contraste gritante com a atitude de outros como Katniss, Peeta e Rue. A única lei que se aplica para a maioria deles é a lei da selva, onde somente os fortes sobrevivem.
Todo o show de carnificina consentida é narrado com emoção, contando com o apoio de uma grande equipe e câmeras espalhadas por todo o cenário do jogo, para que o telespectador não perca nenhum detalhe que é mostrado em tempo real, narrado por Caesar Flickerman e seu companheiro Augustus. As mortes, a violência, as formas como um jovem poderia matar o outro, são narrada de uma forma tão natural. O bizarro, o violento, o desumano passa a ser o normal, o aceitável enquanto que a íntegridade, a nobreza, bondade de alguns jovens é considerada anormal, errada, contra o bem comum de Panen. Katniss e Peeta incomoda tanto os organizadores, que eles intervém arbitrariamente durante o jogo enviando fogo, animais ferozes, ou mudam várias vezes as regras para mostrarem para eles quem manda e que eles devem fazer o que eles querem.
Um último tema que gostaria de falar é o relativismo presente em vários momentos da trama, que se vê claramente nessa mudança constante das regras de Jogos Vorazes. A única verdade que importa é a da Capital. Se é necessário mudar as regras do jogo toda hora não tem problema, desde atenda os interesses da Capital. A verdade, portanto, é relativa.
Conclusão: “Por que fazer Jogos Vorazes e não simplesmente matar 24 jovens a cada ano”?
Para terminar gostaria de analisar este diálogo de Seneca com o presidente Snow:
Durante o diálogo, que acontece logo após a notícia de que a morte de Rue havia provocado rebelião no distrito 11, o presidente pergunta a Seneca sobre Jogos Vorazes: “Por que temos um vencedor?” Se é para intimidar os distritos por que não sortear 24 deles e executá-los de uma vez? Seria mais rápido…” Responde imediatamente: “Esperança”. Seneca não compreende. Então o Snow explica melhor o que está por trás: “Esperança é a única coisa mais forte do que o medo. Um pouco de esperança é eficaz. Muito é perigoso. Uma centelha é bom, desde que contida.” Sêneca pergunta: “Então”. Snow responde: “Então, trate de conter”.
Esse diálogo expressa muito claramente o que querem fazer com a gente. Querem que tenhamos apenas doses homeopáticas de alegria, de esperança e não busquemos algo mais, não queiramos ideais grandes. E nós muitas vezes nos contentamos com essas migalhas de esperança, de fama, de momentos de prazer e alegria.
Por que a Capital escolhe os jovens como ponto fraco para atacar? Porque na verdade não são o ponto fraco e sim os mais fortes que podem fazer a diferença, os que possuem mais vitalidade para lutar, os que têm toda uma vida pela frente. Por isso os dispersa com mil e uma atrações e tira do seu coração o que ele tem de mais valioso: a esperança.
Embora não tenha sido mencionado em nenhuma parte do filme, vale a pena mencionar alguém que é fundamental na vida de todos nós e que com certeza esteve acompanhando aqueles jovens durante o jogo e nos acompanha sempre e aposta por nós: Deus.
Diferente do mundo, Deus quer que sejamos felizes, quer responder às nossas perguntas, necessidades. Ele nos ama tanto que morre na Cruz e ressuscita, para que sempre tenhamos a chance de sermos salvos. Para Deus, nós sempre temos jeito, sempre há esperança (todos vencem no seu jogo). Ele aposta sempre por nós, não num jogo cruel e injusto, mas no jogo da vida onde está em jogo um prêmio muito valioso: a vida eterna, a nossa felicidade. Podemos dizer que Ele é esse algo mais que busca todo o ser humano, aquele que preenche todos os anseios do coração.
Então, seremos dos que se contentam com pouco ou queremos algo mais? A atitude de um realmente pode fazer e diferença (quem leu a trilogia de Jogos Vorazes sabe do que estou falando).
Sejamos como o personagem Peeta, buscando morrer sendo autênticos e não segundo o que mundo quer que sejamos: medíocres, alienados, egoístas e sem esperança.
Colaboração: Leandro Regufe.