Uma característica que particularmente toca o nosso interior, dada a nossa condição de pecadores e de necessitados do auxílio de Deus, é a misericórdia, que em Maria ecoa com muita intensidade, como a força de uma cascata, que penetra até os corações mais duros. Maria é como rezamos, a mãe da misericórdia. Mas para entendermos como toda a vida de Maria proclama a misericórdia, devemos primeiro penetrar no coração do Pai, rico em misericórdia, pois Maria é como a lua que reflete os raios do sol de justiça, que segundo a tradição da Sagrada Escritura é o próprio Deus.
Vemos desde o Antigo Testamento como o Pai sempre nos ama e apesar de nossas infidelidades, que já começam com o primeiro pecado, Ele nunca deixa de apostar por nós. Escolhe um povo, Israel, para depositar os benefícios de sua misericórdia. Não porque era numeroso, pelo contrário, era um povo numericamente insignificante. Mas Deus não olha as aparências e sim o coração (1 Sm 16,7). E toda a história da salvação será um itinerário da misericórdia de Deus, onde Deus vai educando o seu povo, preparando o seu coração para a vinda definitiva daquele que é a encarnação da misericórdia: o seu filho Jesus Cristo.
Cristo realmente passou a vida fazendo o bem. O seu coração é misericordioso. Inumeráveis são as vezes em que Jesus se compadece das pessoas, perdoando o pecado e restituindo a dignidade daquele que se encontra com Ele, deixando o coração deles, como meditamos no segundo dia da Novena, transbordante de paz. Basta lembrarmos das parábolas da ovelha perdida (Lc 15, 4-7) e do Bom Samaritano (Lc 10, 29-37), ou daquela mulher pecadora que queriam apedrejá-la (ver Jo 8, 1-11). Jesus sempre perdoa, independente da quantidade ou da gravidade do pecado. Ele ama o pecador, diria ainda mais: Ele tem uma especial predileção pelos pecadores. E além de perdoar, eleva a dignidade e confia coisas maiores, contanto que a pessoa de coração sincero deseje mudar de vida e segui-Lo. Dois personagens manifestam com clareza essa atitude do Senhor: São Pedro e São Paulo. Cristo converte um apóstolo que o havia negado e um perseguidor de cristãos em dois pilares de sua Igreja.
Das diversas parábolas que Jesus contou para explicar como o coração dEle e do Pai são ricos em misericórdia, gostaria que meditássemos nesse momento na parábola do filho pródigo (que bem poderia chamar-se parábola do pai misericordioso), que está em Lucas (Lc 15, 11-32), no contexto das três parábolas da misericórdia. Nela, como afirma o Beato João Paulo II em sua encíclica Dives in misericórdia (A misericórdia divina), “a essência da misericórdia divina — embora no texto original não seja usada a palavra «misericórdia» — aparece de modo particularmente límpido”.
A parábola conta a história de um pai que tinha dois filhos e o mais novo pede a sua parte da herança e vai para uma terra distante gastar toda a herança com «numa vida devassa». Depois que sobreveio uma grande fome «naquela terra», ele teve que trabalhar cuidando dos porcos (para um judeu esse era o trabalho mais baixo que alguém poderia ter), não lhe sendo permitido nem matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam. O jovem havia perdido todos os bens que tinha. Mas o maior deles, segundo o Beato João Paulo II, que ele perdeu foi “a sua dignidade de filho na casa paterna”. Então ele cai em si e resolve retornar à casa do Pai, disposto até a ser tratado como um de seus empregados. No coração desse jovem está o anseio pela dignidade perdida. Lembremos que ele havia magoado profundamente e ofendido o pai. Por justiça ele não mereceria nem ser aceito de volta.
E qual é a atitude do Pai ao perceber esse filho se aproximando? O Pai «movido de compaixão, correu ao seu encontro, abraçou-o efusivamente e beijou-o». E por que Ele age assim? Porque ele é fiel à sua paternidade, ao amor que desde sempre tinha por seu filho. Tal fidelidade manifesta-se na parábola não apenas na prontidão em recebê-lo em casa, mas sobretudo na alegria e no clima de festa tão generoso para com o filho que regressa. A alegria do pai está em que o seu filho foi reencontrado, está novamente em sua casa, liberto da escravidão do pecado. Portanto podemos concluir duas coisas dessa parábola: nós muitas vezes somos como o filho pródigo e temos um Pai misericordioso que nos ama intensamente e está sempre disposto a nos perdoar, nos dando uma nova chance de recomeçar. Esse amor (ágape) do Pai é o que descreve S. Paulo em seu profundo hino à caridade (Ver 1 Cor 13).
Agora que entendemos a misericórdia de Deus vejamos como em Maria ela é vivida e proclamada. Um poeta francês, Charles Peguy, dizia que “As orações a Maria são orações de reserva. (…). Em toda a liturgia, não existe outra oração, que o mais deplorável pecador não possa dizer sinceramente, do fundo do seu coração. No mecanismo da salvação, a Ave-Maria é o nosso último recurso. Contando com este recurso, estamos seguros, ninguém está perdido”. Ele declama isso porque ele acreditava que a Mãe sempre atenderá o filho, independente do que ele fez. Ela é, como dizia Santo Afonso Maria de Ligório, “a tesoureira de todas as misericórdias que Deus quer dispensar-nos”. A misericórdia que Ela proclama no Magnificat, Ela viveu em todos os momentos de sua vida: desde o seu sim, até o momento em que acompanha os discípulos de seu Filho nos inícios da Igreja. E segue fazendo até o fim dos tempos.
Caná por exemplo é uma concreta evidência de sua misericórdia. Ela se compadece da situação dos noivos e pede ao seu Filho realizar o primeiro milagre (Ver Jo 2, 1ss). No maior momento de dor de sua vida, em que vê o seu próprio Filho ser injustamente crucificado, Ela se mantém em pé e é capaz de perdoar aqueles que estão fazendo esse mal. Tudo isso porque o coração da Virgem está pleno de amor, que é capaz de ver além, como o coração de seu Filho. Por essa razão, com confiança podemos pedir que Ela rogue por nós, pecadores, na Ave Maria. Porque sabemos que Ela não descansará até que todos sejam salvos. Como mãe amorosa, Ela não quer que nenhum de seus filhos se perca. O motivo de sua aparição no Rio Paraíba também manifesta essa misericórdia: ela se compadece do povoado, daqueles três pescadores que precisavam atender ao conde de Assumar. E segue derramando as suas graças sobre todos os devotos que recorrem com fé e devoção a Ela. Inumeráveis são os testemunhos que chegam diariamente ao Santuário Nacional.
Olhando o coração de Maria, que proclama a misericórdia, devemos nos perguntar: como está o meu coração? Sou misericordioso? Sou capaz de perdoar os meus irmãos como o faz Deus, como o faz Maria? Se ainda me falta crescer nesse sentido, peçamos à Nossa Senhora Aparecida que nos ensine como fazer, que interceda junto ao seu Filho para ajudar-nos a sermos cada dia semelhantes a Ele. Recorramos sempre à mãe da misericórdia:
“Se em ti surgirem os ventos das tentações, se navegares no meio das provações, olha para a Estrela, chama por Maria.
Se te agitarem as ondas da insolência e da ambição, da difamação ou do ciúme, olha para a Estrela, chama por Maria.
Se a ira, a ganância ou a concupiscência da carne sacudirem o barco da tua alma, olha para Maria.
Se, inquieto com a fealdade de teus crimes, confuso com a corrupção de tua consciência, aterrorizado pelo temor do juízo, começares a afundar no abismo da tristeza, no abismo do desespero, pensa em Maria.
No perigo, na angústia, na incerteza, invoca Maria, pensa em Maria.
Que esse doce nome nunca se aparte de tua boca, de teu coração… mas para participares da graça que ele contém, não te esqueças dos exemplos que ele recorda.
Seguindo a Maria, não se é desviado; rezando a Maria, não se teme o desespero; pensando em Maria, não se erra; se ela te segurar pela mão, não cairás; se ela te proteger, nada temerás;
se ela te guiar, não te cansarás; e se ela te for favorável, conseguirás (…)”. São Bernardo de Claraval