Por Artur Matuque
Quem nunca ouviu aquela expressão assim: “Foi Deus quem quis assim” ou ”Foi a vontade de Deus”, que todo mundo que passa por uma situação difícil, indesejada, as vezes traumática, usa para expressar um sentimento de conformismo ou aquelas que agradecidas por algo que conquistaram ou uma decisão que tinham que tomar também usam. Quem nunca ouviu?
Particularmente já ouvi muito isso e continuo ouvindo. E por muitas vezes isso me chama bastante a atenção chegando a incomodar às vezes. Me parece que as pessoas colocam mística onde não tem que ter, alguns parecendo um pouco lunáticos querendo adivinhar a vontade de Deus. E aqueles outros: “Deus me mostrou que tenho que fazer isso.” Meus amigos, isso me deixa “perplexo”. Tudo bem, Deus nos ilumina em momentos específicos. Ele nos fala de maneira especial e particular. Mas nos fala de maneira ordinária. Todo dia e toda hora, não é desse jeito que o povo imagina.
Não quero desmerecer a ação e o poder de Deus em nossas vidas, até porque acredito nEle e que Ele é constante e se Ele quisesse fazer algo Ele faria. Mas pensar que as coisas acontecem porque Deus quis assim ou assado me faz refletir se elas realmente entendem o que significa a liberdade e transformam ela (a liberdade), de certa forma, em algo limitado. Como se nossa vida já tivesse sido pré-determinada absolutamente. Um “determinismo” que fere o livre arbítrio e a dignidade humana que nos foram dadas justamente por Ele. Como é que um Deus que me dá plena liberdade, me dá as rédeas da minha vida, um Deus que me quer ver como protagonista na minha vida, tomaria a decisão, ou talvez, me induziria à uma decisão tomada por Ele?
Então o que seria a liberdade? Liberdade é a capacidade humana de optar entre o bom e o melhor, muitas vezes confundida com livre arbítrio, onde você poderia escolher entre o que quisesse (o bem, o mal, o mais ou menos), e outras vezes confundida com a libertinagem, o que a maioria das pessoas adora fazer para isentar-se da responsabilidade. Mas essa liberdade só se consegue entregando sua vida a Deus e trilhando seus caminhos. Mas, então, ainda não seria liberdade, não é? Como podemos ser livres se entregamos nossas vidas pra Deus? A liberdade nos foi dada justamente para alcançarmos a felicidade. Partindo desse princípio, quanto mais estamos ligados a Deus, quanto mais optarmos pelo caminho que Deus tem para nós através de seus critérios, respeitando sua vontade em nossas vidas que é de sermos mais felizes e mais realizados, mais temos o poder e a capacidade de renunciar aquilo que fere essa vontade, aquilo que não nos faz felizes ou aquilo que é irrelevante para a nossa felicidade; mais temos a capacidade de discernir: “bom, isso aqui não me presta muito”. Voltando naquela velha frase de São Paulo: tudo me é lícito, mas nem tudo me convém. Enquanto ainda estamos presos as “coisas do mundo” (as coisas que não nos preenchem por completo, que não nos fazem crescer mais como seres humanos), não somos totalmente livres. Toda escolha é também uma renúncia. Se escolho um time de futebol eu automaticamente renuncio a todos os outros. E esse poder de renunciar só nos é dado na liberdade em Deus. Pode parecer contraditório mas isso ainda é um mistério que não compreenderemos por muito tempo.
Conversando com amigos em um bar, um deles me disse: ‘ ah, porque eu estava meio indeciso se eu iria para lugar A ou lugar B, mas foi da vontade de Deus eu ir para o lugar B’. Então eu perguntei: ‘mas e se você fosse para o lugar A seria ir contra a vontade de Deus? Seria escolher errado?’ Me disse que não sabia mas que estava feliz no lugar B. Então veio minha pergunta fatídica: ‘Ótimo, mas poderia estar bem e feliz no lugar A também, claro que numa circunstância totalmente diferente, numa realidade completamente diferente, mas poderia’. Na hora não entendi o que essa pessoa quis dizer, mas depois de muito refletir acredito que ela possa sim ter ido a favor da vontade de Deus, isso se ela realmente discerniu sobre as opções, colocou-as a luz de Deus e analisando os prós e contras de cada uma, avaliando os critérios para saber se era da vontade de Deus, se aquilo iria faze-la crescer como pessoa, como religiosa, e o que seria bom para ela naquele momento. Ali ela estava exercendo a sua liberdade ao escolher entre o bom e o melhor, porque, respondendo minha pergunta, a outra opção era boa sim, mas a que ela escolheu foi de fato a melhor ou a que lhe trouxe felicidade.
Muitas das vezes as pessoas tendem a falar sobre “a vontade de Deus” por conformismo e na maioria das vezes como fuga, acreditando estarem numa situação por vontade de Deus muito também pela responsabilidade que implica uma escolha, dando esta para Deus, meio que tirando o corpo fora. Mas, então, eu te pergunto: e se lá na frente essa escolha te levar para um caminho tortuoso, se essa escolha te fizer infeliz, ou até mesmo você se imaginar em uma situação de maior felicidade e ver que naquela você estaria melhor, a vontade de Deus teria sido ruim? Na maioria das vezes as pessoas fazem mal-uso da liberdade, sem fazer um discernimento profundo sobre as coisas, afirmando ser da vontade de Deus, o que pode acabar levando-os a um estado de infelicidade. Mas também não podemos esquecer que a vida é uma subida cheia de quebra-molas, cheia de complicações, e que a escolha por seguir um caminho com Deus nos exigi muito, mas do que sem Ele. É Como Jó falou: “se recebemos de Deus os bens, porque não suportaremos também os males?”
Acho que está na hora das pessoas começarem a ter mais responsabilidade em suas escolhas. Muitas portas são abertas, muitas possibilidades lhe são dadas, e você tem a capacidade e as ferramentas necessárias para saber o que fazer. Tem muita gente por ali que não faz nada na vida porque fica esperando Deus revelar algo, esperando conhecer a vontade de Deus por puro medo de escolher errado, mas numa espera extremamente passiva, sem cooperação com o Divino. Deus criou o homem mente e coração, dando responsabilidades para ele, dando capacidades de pensar, sentir e agir. O homem deve conseguir governar essas capacidades e “linka-las” para poder chegar a clareza de uma escolha.
Outro exemplo foi dado, em que uma pessoa, as vésperas de uma viagem, onde já estava tudo pago, tudo acertado, necessita ser hospitalizada com urgência e por consequência perde essa viagem, então se concluiu que foi da vontade de Deus que ele não viajou. Mas quem garante que essa necessidade de ser hospitalizado não foi consequência de uma escolha malfeita no passado, quando não optamos por hábitos de vida saudáveis, quando optamos por algo que tenha nos levado a essa situação? Perder a viagem foi só coincidência. Se algo não acontece não é porque Deus não quis, mas sim porque não tivemos coragem de realizar aquilo que Ele quer para nós. Devemos ser capazes de reconhecer e avaliar nossa história, pois foi ela que nos trouxe até aqui e que pode nos trazer algumas consequências, não em caráter punitivo, mas por escolhas malsucedidas no passado.
Então como é que sei qual seria e quando estou fazendo a vontade de Deus? A regra é simples. Quando ajo com bom senso. E o que seria isso? Quando minha ação, minha escolha, não prejudica os outros, quando fico feliz com ela, quando tenho consciência que minha ação é correta, quando faço um discernimento certo sobre o que é bom para mim sem prejudicar ninguém. Deus pode falar pelos outros, através da oração, mas tem que confirmar dentro de você, no coração do homem, através do bom senso. Se ferir essas condições, não é a vontade de Deus. A vontade de Deus é sempre o bem e essa vontade é constante, não sofre variações, não como a nossa que sempre muda. Se estamos felizes queremos uma coisa, se ficamos chateados já queremos outra. A vontade de Deus é única o tempo todo. “Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio de Deus que permanece firme” (Pr 19,21). Deus quer que a humanidade cresça, que ela se realize, que seja feliz, que nos unamos no amor.
Acredito que essa é a vontade de Deus. Se seguirmos essa regra estaremos sempre fazendo ela, não importa onde, não importa como.