O título do artigo pode parecer um pouco estranho se nos colocamos a pensar um pouco mais detidamente sobre ele. Porque é um fato que não se pode ser cristão sozinho. Nem o mais distante dos eremitas que vive no deserto está sozinho, ele está, supõe-se, com Deus. E Deus se revelou como sendo um Deus pessoal, de fato, como sendo três pessoas (A Santíssima Trindade). Sendo assim, uma das melhores formas de dizer o que é ser cristão talvez seja um estar em relação íntima, em amizade com Deus. O ser cristão sempre se dá, nesse sentido, dentro de uma amizade primeira com o Senhor.
Partimos então de uma primeira afirmação fundamental que já invalidaria o título desse artigo. Mas podemos ir além. Jesus nos deixou aqui na terra uma família muito concreta por meio da qual caminhamos em direção ao céu, a Igreja. E a Igreja, composta por homens, necessariamente me coloca em relação com outras pessoas. E quando temos um encontro autêntico entre cristãos, é impressionante como pode-se perceber uma sintonia quase automática, porque eles se percebem parte de uma mesma família, de uma mesma missão, compartilhando problemas e dificuldades semelhantes. Se Deus é o nosso primeiro amigo, todos os outros irmãos na fé acabam se tornando nossos verdadeiros amigos.
Portanto, confesso que o título do artigo é meio tendencioso e, no fundo, impossível. Se você é cristão, você não está sozinho realmente. Agora, isso não quer dizer que não possamos nos experimentar sozinhos. Subjetivamente pode ser forte a experiência, por exemplo, de que os amigos de infância não acompanhem a conversão e gere, nesse sentido, um distanciamento. Pode acontecer também que as pessoas com as quais Deus me permite conviver em sua Igreja não estejam realmente abertas a comunhão, que o relacionamento seja difícil, e aí nos encontramos novamente com a experiência de falta de amizade. Como podemos nos aproximar a essas realidades?
Uma amizade verdadeiramente autêntica com Deus nunca vai eliminar a possibilidade de outras amizades autênticas. Pelo contrário, quanto mais próximos de Deus, mais capazes de outras amizades que tenham Ele como centro. Os nossos amigos antigos, que ainda não abraçaram a fé, estão também chamados a experimentar essa relação pessoal com Deus e, talvez, precisem do nosso próprio testemunho para isso. Como naquela passagem bíblica que depois de passar um tempo na casa do Senhor, André corre a seu irmão Pedro e lhe anuncia: “Achamos o Messias”. Se pensamos sempre a fé como uma relação de amizade com Deus, parece que muita coisa se esclarece.
Na vida experimentamos que relacionamentos vão e vêm, mas verdadeiros amigos parecem permanecer. O cristão é aquele que encontrou o verdadeiro amigo por excelência que reconfigurou toda sua vida. A partir dessa amizade fundamental para ele, não volta às costas para as demais pessoas, pelo contrário, busca que todos possam viver dessa mesma amizade. A única amizade que possui palavras de vida eterna e que realmente tem o poder de fazer com que todos os demais amigos sejam amigos de verdade e durem para sempre vencendo, inclusive, a própria morte.