I. A PALAVRA DE DEUS
1ª Leitura: Ap 11, 19ª; 12, 1.3-6ª.10ab: Apareceu no céu um grande sinal.
19aAbriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança. 12,1Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. 2Estava grávida e gritava em dores de parto, atormentada para dar à luz.
3Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete coroas. 4Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra. O Dragão parou diante da Mulher que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse.
5E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. 6aA mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
10abOuvi então uma voz forte no céu, proclamando:
– “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo”.
Salmo: Sl 44(45), 10 bc.11.12 a.b 16: À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir.
10b As filhas de reis vêm ao vosso encontro,
ce à vossa direita se encontra a rainha
com veste esplendente de ouro de Ofir.
11.Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto:
“Esquecei vosso povo e a casa paterna!
12aQue o Rei se encante com vossa beleza!
b Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor!
16Entre cantos de festa e com grande alegria,
ingressam, então, no palácio real”.
2ª Leitura: 1Cor 15, 20-27ª: Entregará a realeza a Deus-Pai, para que Deus seja tudo em todos.
Irmãos:
20Na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. 21Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. 22Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão. 23Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. 24A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força.
25Pois é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. 26O último inimigo a ser destruído é a morte. 28E, quando todas as coisas estiverem submetidas a ele, então o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos.
Evangelho: Lc 1, 39-56: Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha visitar-me?
39Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. 40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Com um grande grito, exclamou:
– “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu”.
46Maria disse:
“A minha alma engrandece o Senhor,
47e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador,
48pois, ele viu a pequenez de sua serva,
eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita.
49O Poderoso fez por mim maravilhas
e Santo é o seu nome!
50Seu amor, de geração em geração,
chega a todos que o respeitam.
51Demonstrou o poder de seu braço,
dispersou os orgulhosos.
52Derrubou os poderosos de seus tronos
e os humildes exaltou.
53De bens saciou os famintos
despediu, sem nada, os ricos.
54Acolheu Israel, seu servidor,
fiel ao seu amor,
55como havia prometido aos nossos pais,
em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre”.
56Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.
II. COMENTÁRIOS
Quando uma festa litúrgica cai no domingo é sinal de que toca muito de perto o mistério de Cristo, condição necessária para que sua liturgia própria prevaleça sobre o dia do Senhor. No dia 15 de agosto celebra-se a festa da Assunção da Virgem Maria ao Céu, mas a Igreja no Brasil transfere essa solenidade para o domingo mais próximo. Trata-se do triunfo da Mãe do Senhor. Sua celebração realça a grandeza de seu Filho que reconciliou todas as realidades que se encontravam separadas de Deus vencendo, com sua Ressurreição, o último inimigo que oprimia o homem: a morte (Segunda Leitura).
A festa da Assunção nos recorda a grandiosidade de nossa vocação: todos fomos criados para participar da glória eterna como já participa, de maneira plena e antecipada, nossa Mãe Maria (Primeira Leitura). Maria é a mulher que foi escolhida por Deus para a sublime missão de ser Mãe de Jesus e nossa e não titubeia em aceitar seu chamado para levar adiante a obra amorosa do Criador. Por isso é exaltada por sua parenta Isabel e por isso seu coração transborda de alegria (Evangelho).
«Uma mulher vestida de sol e com a lua sob seus pés»
O livro do Apocalipse ou livro das «revelações» foi escrito pelo apóstolo São João para os cristãos que estavam sendo perseguidos por sua fé, pelo imperador Diocleciano, ao redor dos anos 90 a 95. João escreve, na ilha de Patmos, uma série de visões em uma linguagem extremamente viva e cheia de imagens que nos recorda um pouco o estilo que encontramos no livro do profeta Daniel. A grande mensagem do livro é que Deus é o soberano que domina tudo e que Jesus é o Senhor da história. No fim dos tempos, Deus, por meio de Cristo, derrotará todos os inimigos e o povo fiel será recompensado em «um novo céu e uma nova terra».
O livro começa com uma visão de Cristo e uma série de cartas que contêm mensagens particulares para as sete Igrejas da Ásia menor. A partir do quarto capítulo, muda o cenário, que se translada aos céus. Começa a grande visão. João começa a ver as coisas que «têm que suceder depois disto» (ver Ap 4,1). Vê um cilindro com sete selos; uma visão dos sete anjos com sete trompetistas; uma mulher, o dragão e as duas bestas; as sete taças da ira de Deus; a destruição de «Babilônia»; a festa das bodas do cordeiro; e a derrota final do maligno, seguido pelo juízo. O livro termina com a grandiosa imagem dos novos céus e da nova terra, da nova Jerusalém onde Deus mora com seu povo para sempre.
Na primeira leitura vemos como o céu é uma espécie de gigantesca tela onde se projeta uma cena que será o resumo do que vai acontecer na terra. Nele se encontra o «protótipo» do templo de Jerusalém. Abre-se o Santuário celeste (sancta) e, sem véu, vê-se a arca da aliança no sancta sanctorum celeste. A antiga aliança deu lugar à nova, em que Deus habitará com seu Novo Povo, que é a Igreja. Em seguida João nos diz que «Um sinal grandioso apareceu», o que indica que o que vem a seguir é algo realmente extraordinário. Quando Isaías pede ao rei Acab que escolha um sinal que certifique a fidelidade de Deus, Acab se nega a dá-lo e é o próprio Isaías, da parte de Deus, quem lhe dá um sinal: a Virgem-Mãe do Emanuel – Deus conosco – (ver Is 7,10-16) que protegerá e abençoará Judá.
O «sinal» que o apóstolo João vê consiste na aparição de uma Mulher em trabalho de parto que tem domínio sobre os astros maiores e que leva uma coroa de doze estrelas simbolizando assim as doze tribos de Israel. Esta Mulher que dá à luz um varão e triunfa sobre o Dragão (personificação do mal) simboliza Maria, a Mãe do Senhor; que dá à luz o Messias pelo qual chegou a vitória, o poder e o reinado de nosso Deus. É interessante ver como o formoso retrato que a própria Mãe de Deus, Nossa Senhora de Guadalupe, deixou-nos no manto de São Juan Diego na aparição de Tepeyac (1531) corresponde à descrição que lemos no livro do Apocalipse.
Em oposição à Mulher, aparece a figura do grande dragão cor de fogo, que no Antigo Testamento simboliza o império agressor (ver Jr 51,34; Is 51,9-10; Ez 29). Aparece exercendo seu poder nefasto contra os escolhidos, «os astros do céu» (ver Dn 8,10). É curioso notar como as sete cabeças não combinam com os dez chifres, representando assim sua imperfeição e limitação. O vencedor da luta é o Filho varão que, de um golpe, passa do nascimento ao trono de Deus (ascensão) (Ap 12,5). O dragão tentou devorá-lo na paixão-morte, mas Deus o «arrebatou», como a Henoc ou a Elias (ver Gn 5,24; 2Re 2). A Mãe vai ao lugar preparado por Deus no deserto, tal como Ele guiou Elias ou o próprio Jesus.
A Antecipada
Tal como na Primeira Leitura, na carta aos Coríntios se acentua o tom de esperança e de vitória frente à morte, graças a Cristo Ressuscitado. São Paulo vai explicar a conexão íntima que existe entre a ressurreição de Cristo e a nossa. Trata-se de reconhecer a misteriosa solidariedade que existe entre nós e Jesus Cristo: princípio e chave da obra da reconciliação.
São Paulo apresentará Cristo como o novo e verdadeiro Adão, apresentando Cristo como a cabeça da humanidade reconciliada[1]. Nesse sentido podemos afirmar que Maria é uma antecipada já que «depois de Cristo, Verbo encarnado, Maria é a primeira criatura humana que realiza o ideal escatológico, antecipando a plenitude da felicidade, prometida aos eleitos mediante a ressurreição dos corpos»[2].
A alegria no Senhor
O Evangelho deste domingo nos relata a Visitação de Santa Maria a sua parenta Isabel. A Virgem acabava de receber o anúncio do arcanjo Gabriel e tinha concebido no seio por obra do Espírito Santo. Apenas estas duas mulheres se encontram, começa a estreita relação entre seus filhos. João, o Batista[3], salta de alegria e Isabel exclama: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!». Um ser humano concebido no ventre de sua mãe há não mais de seis meses é o mensageiro escolhido por Deus para anunciar a bênção mais grandiosa que recebeu a humanidade, reconhecendo Jesus que é apenas um pequeno embrião. O texto nos diz que Isabel fica cheia do Espírito Santo antes de proferir esta saudação em voz alta, portanto, trata-se de uma proclamação profética. Bendita entre quais mulheres?
O Antigo Testamento está balizado pela presença de muitas mulheres das quais dependeu a salvação do povo. Há uma verdadeira cadeia começando por Eva e seguida por Sara, Rebeca, Raquel, Débora, Rute, Judite, Ester… Mas a maior de todas elas, a que coroa a cadeia não somente delas, mas sim de todas as mulheres da história da humanidade de todos os tempos é Maria, já que ela é a Mãe do próprio Deus. Quem é este «fruto de teu ventre»? Isabel o esclarece imediatamente quando diz: «Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?». Quer dizer a Mãe do Cristo, do «Ungido», do esperado pelos homens. Cristo não é o filho de Davi, mas sim é maior que Davi (ver Mc 12,36). A Virgem Maria é Mãe do Senhor Jesus: Deus e Homem verdadeiro.
A festa da Assunção
O dogma da Assunção da Virgem Maria foi definido pelo Papa Pio XII em 1º de novembro de 1950 mediante a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus. Convém conhecer as palavras do Santo Padre: «Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial».
O Catecismo da Igreja Católica (N. 966) diz-nos que a Assunção de Nossa Mãe constitui uma singular participação na ressurreição de seu Filho e uma antecipação da ressurreição de outros cristãos.
Sobre a morte de Maria o Papa Pio XII não se pronuncia, simplesmente não julga oportuno declará-la solenemente. São João Paulo II nos esclarece o ponto dizendo que: «dado que Cristo morreu, seria difícil afirmar o contrário no que concerne à Mãe.[4]». A Mãe não é superior ao Filho que aceita docilmente a morte e lhe dá um novo significado, transformando-a em instrumento de salvação.
Mas, de que morreu Maria? Nada sabemos com certeza. Agora, sem dúvida, sua morte foi, desde todo ponto de vista, exemplar. «Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, sob o aspecto físico, causou a cessação da vida do corpo, pode-se dizer que a passagem desta vida à outra constituiu para Maria uma maturação da graça na glória, de tal forma que jamais como nesse caso a morte pôde ser concebida como uma «dormição»»[5].
III – LUZES PARA A VIDA CRISTÃ[6]
Reencontramo-nos reunidos, mais uma vez, para celebrar uma das mais antigas e amadas festas dedicadas à Maria Santíssima: a festa da assunção para a glória do Céu em alma e corpo, isto é, em todo o seu ser humano, na integridade da sua pessoa. É-nos dada, assim, a graça de renovar o nosso amor à Maria, graça de admirá-la e de louvá-la pelas grandes coisas que o Onipotente fez para ela e o que operou nela.
Ao contemplar a Virgem Maria nos é dada outra graça: aquela de poder ver em profundidade também a nossa vida. Sim, porque também a nossa existência cotidiana, com seus problemas e sua esperança, recebe a luz da Mãe de Deus, do seu percurso espiritual, do seu destino de glória: um caminho e uma meta que podem e devem se tornar, de qualquer modo, o nosso mesmo caminho e a nossa mesma meta.
Deixando-nos guiar pelas passagens da Sagrada Escritura que a liturgia de hoje nos propõe, gostaria de me concentrar, em particular, numa imagem que encontramos na primeira leitura, tirada do Apocalipse, e que ecoa no Evangelho de Lucas: isto é, aquela da arca.
Na primeira leitura, escutamos: “Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança.” (Ap 11,19).
Qual o significado da arca? O nos que parece? Para o Antigo Testamento, esse é o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo. Mas, agora, o símbolo deu lugar à realidade. Assim, o Novo Testamento nos diz que a verdadeira arca da aliança é uma pessoa viva e concreta: é a Virgem Maria.
Deus não vive num objeto, Deus habita numa pessoa, num coração: Maria; naquela que carregou em seu colo o Filho eterno de Deus feito homem, Jesus nosso Senhor e Salvador.
Na arca – como sabemos – eram conservadas as duas tábuas da Lei de Moisés que manifestavam a vontade de Deus para manter a aliança com o seu povo, indicando as condições para ser fiel ao pacto de Deus, para conformar-se a vontade de Deus e assim também a nossa verdade profunda.
Maria é a arca da aliança, porque acolheu em si Jesus; acolheu em si a Palavra vivente, todo o conteúdo da vontade de Deus, da verdade de Deus; acolheu em si Aquele que é a nova e eterna aliança, culminando com a oferta do seu corpo e do seu sangue: corpo e sangue recebidos de Maria.
Com razão, portando, a piedade cristã, nas ladainhas em honra a Nossa Senhora, volta-se para ela invocando-a como Foederis Arca,ou seja, “arca da aliança”, arca da presença de Deus, arca da aliança do amor que Deus desejou realizar em nodo definitivo com toda a humanidade em Cristo.
A passagem do Apocalipse quer indicar um outro aspecto importante da realidade de Maria. Ela, arca vivente da aliança, tem um destino de glória extraordinária, porque é assim estreitamente unida ao Filho, que acolheu na fé e gerou na carne, capaz de compartilhar integralmente a glória do céu.
É o que nos sugere as palavras escutadas: “apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas; estava grávida… atormentada para dar à luz.(…) Ela deu à luz um filho, um homem, que veio para governar todas as nações…” (Ap 12,1-2; 5).
A grandeza de Maria, Mãe de Deus, cheia de graça, plenamente dócil a ação do Espírito Santo, vive já no Céu de Deus com todo o seu ser, alma e corpo.
São João Damasceno referindo-se a este mistério, numa famosa homilia, afirma: “Hoje, a santa e única Virgem é conduzida ao templo celeste… Hoje, a arca sagrada e animada pelo Deus vivente, a arca que trouxe no ventre o próprio construtor, repousa no templo do Senhor, não construído pela mão do homem”. (Homilia sobre a Dormição, 2, p. 96, 723).
E continua: “Era preciso que ela, que hospedou no seu colo o Logos divino, fosse transferida para as tendas do seu Filho… era preciso que a esposa que o Pai escolheu, habitasse no quarto nupcial do Céu” (ibid., 14, p.96, 742).
Hoje, a Igreja canta o amor imenso de Deus por esta sua criatura: a escolhida como verdadeira “arca da aliança”, como aquela que continua a gerar e a doar Cristo Salvador à humanidade, como aquela que no céu divide a plenitude da glória e goza da mesma felicidade de Deus e, ao mesmo tempo, convida-nos também a tornar-nos, em nosso modo modesto, “arca” na qual é presente a Palavra de Deus, que é transformada e vivificada por sua presença, lugar da presença de Deus, para que os homens possam encontrar no outro a proximidade de Deus e, assim, viver em comunhão com Deus e conhecer a realidade do Céu.
O Evangelho de Lucas que escutamos hoje (cfr Lc 1,39-56), nos mostra esta arca vivente, que é Maria, em movimento: deixando sua casa em Nazaré, Maria se coloca em viagem em direção às montanhas, para chegar logo à cidade de Judá, e ir à casa de Zacarias e Isabel.
Parece-me importante destacar a expressão “logo”: as coisas de Deus merecem rapidez, na verdade, as únicas coisas no mundo que merecem rapidez são justamente aquelas de Deus, que têm uma verdadeira urgência para nossa vida.
Então, Maria, entra nesta casa da Zacarias e Isabel, mas não entra sozinha. Entra carregando em seu ventre o Filho, que é Deus próprio feito homem. Certamente, tinha alguém a sua espera e a espera de sua ajuda; naquela casa, e o evangelista nos guia a compreender que esta expectativa leva a outra, mais profunda.
Zacarias, Isabel e o pequeno João Batista são, de fato, o símbolo de todos os justos de Israel, no qual os corações, ricos de esperança, atendem a vinda do Messias salvador. E é o Espírito Santo que abre os olhos de Isabel e a faz reconhecer em Maria a verdadeira arca da aliança, a Mãe de Deus, que vem para visitá-la.
E assim, a velha parente a acolhe dizendo “em bom tom”: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? (Lc 1,42-43).
E é o Espírito Santo que, diante daquela que traz em si Deus que se fez homem, abre o coração de João Batista no ventre de Isabel. Isabel exclama: “Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre.” (v. 44).
Aqui o evangelista Lucas usa o termo “skirtan”, isto é “saltitar”, o mesmo termo que encontramos em uma das antigas traduções gregas do Antigo Testamento para descrever a dança do Rei Davi diante da santa arca que voltou finalmente para pátria (2Sam 6,16).
João Batista, no seio da mãe, dança diante da arca da Aliança, como Davi, e reconhece desse modo: Maria é a nova arca da aliança, perante a qual o coração exulta de alegria, a Mãe de Deus presente no mundo, que não conserva para si esta presença divina, mas oferece-a compartilhando a graça de Deus. E assim — como recita a oração — Maria realmente é «causa nostrae laetitiae», a «arca» em que realmente o Salvador está presente entre nós.
Caros irmãos! Estamos falando de Maria, mas num certo sentido estamos falando também de nós, de cada um de nós: também nós somos destinatários daquele amor imenso que Deus nos reservou — sem dúvida, de uma maneira absolutamente singular e irrepetível — a Maria. Nesta solenidade da Assunção, olhemos para Maria: Ela abre-nos à esperança, a um futuro cheio de alegria e ensina-nos o caminho para o alcançar: acolher o seu Filho na fé; nunca perder a amizade com Ele, mas deixar-nos iluminar e orientar pela sua palavra; segui-lo todos os dias, mesmo nos momentos em que sentimos que as nossas cruzes se tornam pesadas. Maria, a arca da aliança que se encontra no santuário do Céu, indica-nos com clareza resplandecente que estamos a caminho rumo à nossa verdadeira Casa, a comunhão de alegria e de paz com Deus. Amém!
IV – PADRES DA IGREJA
Pio XII[7] – Teu corpo é santo e cheio de glória
Nas homilias e orações para o povo na festa da Assunção da Mãe de Deus, santos padres e grandes doutores dela falaram como de uma festa já conhecida e aceita. Com a maior clareza a expuseram; apresentaram seu sentido e conteúdo com profundas razões, colocando especialmente em plena luz o que esta festa tem em vista: não apenas que o corpo morto da Santa Virgem Maria não sofrera corrupção, mas ainda o triunfo que ela alcançou sobre a morte e a sua celeste glorificação, a exemplo de seu Unigênito, Jesus Cristo.
São João Damasceno, entre todos o mais notável pregoeiro desta verdade da tradição, comparando a Assunção em corpo e alma da Mãe de Deus com seus outros dons e privilégios, declarou com vigorosa eloquência: “Convinha que aquela que guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da morte, imune de toda corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o Criador como criancinha fosse morar nos tabernáculos divinos.
Convinha que a esposa, desposada pelo Pai, habitasse na câmara nupcial dos céus. Convinha que, tendo demorado o olhar em seu Filho na cruz e recebido no peito a espada da dor, ausente no parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada por toda criatura como mãe e serva de Deus”.
São Germano de Constantinopla julgava que o fato de o corpo da Virgem Mãe de Deus estar incorrupto e ser levado ao céu não apenas concordava com sua maternidade divina, mas ainda conforme a peculiar santidade deste corpo virginal: “Tu, está escrito, surges com beleza (cf. Sl 44,14); e teu corpo virginal é todo santo, todo casto, todo morada de Deus; de tal forma que ele está para sempre bem longe de desfazer-se em pó; imutado, sim, por ser humano, para a excelsa vida da incorruptibilidade. Está vivo e cheio de glória, incólume e participante da vida perfeita”.
Outro antiquíssimo escritor assevera: “Portanto, como gloriosa mãe de Cristo, nosso Deus salvador, doador da vida e da imortalidade, foi por ele vivificada para sempre em seu corpo na incorruptibilidade; ele a ergueu do sepulcro e tomou para si, como só ele sabe”.
Todos estes argumentos e reflexões dos santos padres apóiam-se como em seu maior fundamento nas Sagradas Escrituras. Estas como que põem diante dos olhos a santa Mãe de Deus profundamente unida a seu divino Filho, participando constantemente de seu destino.
De modo especial é de lembrar que, desde o segundo século, os santos padres apresentam a Virgem Maria qual nova Eva para o novo Adão: intimamente unida a ele – embora com submissão – na mesma luta contra o inimigo infernal (como tinha sido previamente anunciado no proto-evangelho [cf. Gn 3,15]), luta que iria terminar com a completa vitória sobre o pecado e a morte, coisas que sempre estão juntas nos escritos do Apóstolo das gentes (cf. Rm 5 e 6; 1Cor 15,21-26.54-57). Por este motivo, assim como a gloriosa ressurreição de Cristo era parte essencial e o último sinal desta vitória, assim também devia ser incluída a luta da santa Virgem, a mesma que a de seu Filho, pela glorificação do corpo virginal. O mesmo Apóstolo dissera: Quando o que é mortal se revestir de imortalidade, então se cumprirá o que foi escrito: A morte foi tragada pela vitória (1Cor 15,54; cf. Os 13,14).
Por conseguinte, desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, imaculada na concepção, virgem inteiramente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor, que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas consequências, ela alcançou ser guardada imune da corrupção do sepulcro, como suprema coroa dos seus privilégios. Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à glória celeste, onde, rainha, refulge à direita do seu Filho, o imortal rei dos séculos.
V – CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
«ALEGRA-TE, Ó CHEIA DE GRAÇA»
- Maria, a santíssima Mãe de Deus, sempre virgem, é a obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo. Pela primeira vez no desígnio da salvação e porque o seu Espírito a preparou, o Pai encontra a morada na qual o seu Filho e o seu Espírito podem habitar entre os homens. É neste sentido que a Tradição da Igreja muitas vezes lê, em relação a Maria, os mais belos textos sobre a Sabedoria: Maria é cantada e apresentada na Liturgia como «o Trono da Sabedoria». Nela começam a manifestar-se as «maravilhas de Deus», que o Espírito vai realizar em Cristo e na Igreja:
- O Espírito Santo preparou Maria pela sua graça. Convinha que fosse «cheia de graça» a Mãe d’Aquele em Quem «habita corporalmente a plenitude da divindade» (Cl 2, 9). Ela foi, por pura graça, concebida sem pecado, como a mais humilde das criaturas, a mais capaz de acolher o dom inefável do Onipotente. É a justo título que o anjo Gabriel a saúda como «Filha de Sião»: «Ave» (= «Alegra-te»). É a ação de graças de todo o povo de Deus, e portanto da Igreja, que ela faz subir até ao Pai, no Espírito Santo, com o seu cântico, quando já portadora, em si, do Filho eterno.
- Em Maria, o Espírito Santo realiza o desígnio benevolente do Pai. É pelo Espírito Santo que a Virgem concebe e dá à luz o Filho de Deus. A sua virgindade torna-se fecundidade única, pelo poder do Espírito e da fé.
- Em Maria, o Espírito Santo manifesta o Filho do Pai feito Filho da Virgem. Ela é a sarça ardente da teofania definitiva: cheia do Espírito Santo, mostra o Verbo na humildade da sua carne; e é aos pobres e às primícias das nações que Ela O dá a conhecer.
- Finalmente, por Maria, o Espírito começa a pôr em comunhão com Cristo os homens que são «objeto do amor benevolente de Deus»; e os humildes são sempre os primeiros a recebê-Lo: os pastores, os magos, Simeão e Ana, os esposos de Caná e os primeiros discípulos.
- No termo desta missão do Espírito, Maria torna-se a «Mulher», a nova Eva «mãe dos vivos», Mãe do «Cristo total». É como tal que Ela está presente com os Doze, «num só coração, assíduos na oração» (At 1, 14), no alvorecer dos «últimos tempos», que o Espírito vai inaugurar na manhã do Pentecostes, com a manifestação da Igreja.
INTEIRAMENTE UNIDA A SEU FILHO…
- O papel de Maria em relação à Igreja é inseparável da sua união com Cristo e decorre dela diretamente. «Esta associação de Maria com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a concepção virginal de Cristo até à sua morte». Mas é particularmente manifesta na hora da sua paixão:
«A Bem-aventurada Virgem avançou na peregrinação de fé, e manteve fielmente a sua união como Filho até à Cruz, junto da qual esteve de pé, não sem um desígnio divino; padeceu acerbamente com o seu Filho único e associou-se com coração de mãe ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que d’Ela nascera; e, por fim, foi dada por mãe ao discípulo pelo próprio Jesus Cristo, agonizante na Cruz, com estas palavras: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19, 26-27)».
- Depois da Ascensão do seu Filho, Maria «assistiu com suas orações aos começos da Igreja» (529). E, reunida com os Apóstolos e algumas mulheres, vemos «Maria implorando com as suas orações o dom daquele Espírito, que já na Anunciação a cobrira com a Sua sombra».
… TAMBÉM NA SUA ASSUNÇÃO…
- «Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como rainha, para assim se conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte». A Assunção da santíssima Virgem é uma singular participação na ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos:
«No teu parto guardaste a virgindade e na tua dormição não abandonaste a mundo, ó Mãe de Deus: alcançaste a fonte da vida. Tu que concebeste o Deus vivo e que, pelas tuas orações, hás de livrar as nossas almas da morte».
… ELA É NOSSA MÃE NA ORDEM DA GRAÇA
- Pela sua plena adesão à vontade do Pai, à obra redentora do Filho e a todas as moções do Espírito Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. Por isso, ela é «membro eminente e inteiramente singular da Igreja» e constitui mesmo «a realização exemplar»,o typus, da Igreja.
- Mas o seu papel em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. Ela «cooperou de modo inteiramente singular, com a sua fé, a sua esperança e a sua ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É, por essa razão, nossa Mãe, na ordem da graça».
- «Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto da Cruz, até à consumação perpétua de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna […]. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro e medianeira».
- «Mas a função maternal de Maria para com os homens, de modo algum ofusca ou diminui a mediação única de Cristo, mas antes manifesta a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salutar da Virgem santíssima […] deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia». «Efetivamente, nenhuma criatura pode ser equiparada ao Verbo Encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas, uma cooperação variada, que participa dessa fonte única».
VI – OUTRAS REFLEXÕES DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE
«Foi apressadamente»
“Naqueles dias, Maria se levantou”[8]: Quer dizer: não ficou de braços cruzados, pensando em si mesma, no que lhe havia dito e inquietando-se além da conta por assuntos que não podia resolver por si mesma. Levantou-se. Estaria reclinada? Por que dizer que se levantou? Porque esse verbo nos mostra a atitude vital da Mãe. Ela não pôde permanecer quieta quando atendeu à Palavra. Não estava reclinada, e sim age como alguém que se prepara para começar a fazer algo importante. Como quem se prepara com alegria para algo que vem, e o faz com o ânimo bem disposto.
Por isso se afirma depois que «foi apressadamente». Certamente terá aproveitado alguma caravana que se dirigia para Ain Karim, que é onde parece ter vivido Santa Isabel, sua parenta. Teria que percorrer uns cento e quarenta quilômetros, e uma mulher não costumava fazer isso sozinha. Mas nossa Mãe recebeu o Espírito e tem o ânimo inflamado, cheio do fogo do Amor. E quando esse Amor se derrama em nosso coração, parece que ardemos em desejos de levar adiante o projeto que concebemos. Assim está nossa Mãe. Com prontidão, sem titubear, sem medo diante do caminho que teria que percorrer sozinha. Sem fixar-se nas aparências. Alguém poderia ter-se perguntado, “O que faz uma mulher sozinha por este caminho?”. E isso poderia ter-lhe atrasado a saída. Mas o Amor apressa[9]. O Amor nos impele a fazer as coisas com prontidão. Não podemos perder tempo. Sejamos prontos no cumprimento do Plano divino.
Ir à região montanhosa
Foi “às montanhas”. Quando servimos, vamos com prontidão às montanhas? Deixamos que nosso coração responda a esse desejo interior de entregar-se até as últimas consequências? Ir às montanhas é caminhar sem temer os perigos que nosso serviço de caridade vai implicar. Não é a imprudência de quem se atira de um barranco sem medir o perigo. É a audácia de quem sabe que se a gente não fizer o que deve, ninguém nos pode substituir. É a valentia de ir por onde talvez possa incomodar-me mais, mas que ao mesmo tempo me faz ir por onde o outro mais necessita. Sejamos valentes. Sejamos audazes. Caminhemos pela região montanhosa.
Terminado o longo e difícil percurso, Maria chega à casa de Zacarias. E não espera ser atendida nem que lhe ofereçam descanso depois deste longo caminho. Justamente o contrário. Diz-nos são Lucas que “entrou na casa de Zacarias e saudou a Isabel”[10]. Ela sai ao encontro e se põe a serviço. Saúda porque vai servir.
A alegria no serviço
“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre[11]”: Quanta alegria transborda de nossa Mãe! A saudação chega ao coração de Isabel e penetra suas vísceras, comovendo o filho. Eles foram dos primeiros a escutar a Boa Nova. E São João Batista salta de alegria, como o profeta Davi dançava e saltitava diante da presença de Deus[12]. Maria serve a sua parente anunciando-lhe o Evangelho e mostrando o que tem em seu interior. Assim também deve ser nosso serviço no apostolado, na evangelização, no anúncio da Boa Nova. Santa Maria nos convida a sermos anunciadores da Boa Nova cheios de alegria, de entusiasmo, de ardor, abertos à presença do Espírito Santo.
O serviço evangelizador de nossa Mãe se complementa com o serviço doméstico: “permaneceu com ela mais ou menos três meses”. Sem se importar com os trabalhos que poderia ter, dedica-se a atender sua prima com todo carinho. Isto nos faz recordar o gesto do bom samaritano que atende ao homem caído até que se recupere totalmente; ao pastor que se preocupa com zelo amoroso por todas as suas ovelhas. Olhando Maria, aprendemos a descobrir, como em um espelho, ao próprio Cristo. O serviço evangelizador e doméstico de Santa Maria é modelo de apostolado para nós. E, ao mesmo tempo, por ser modelo de apostolado, é caminho de santidade para todos nós. (Caminho Para Deus 161)
[1] Este paralelo também será desenvolvido por São Paulo na Carta aos Romanos 5, 12-21
[2] São João Paulo II, 9 de julho de 1997
[3] João (Batista) – porque batizou Jesus no Rio Jordão. Usa-se dizer simplesmente João Batista para diferenciá-lo do Apóstolo João, também chamado de João Evangelista, pela mesma razão: diferenciá-lo de João Batista.
[4] São João Paulo II, 25 de junho de 1997.
[5] Idem.
[6] Conforme Homilia do Papa Bento XVI na Solenidade da Assunção da Virgem Maria de 15/8/2012
[7] Da Constituição Apostólica Munificentíssimus Deus (AAS42 [1950], 760-762. 767-769)
[8] Lc 1,39
[9] Cf 2Cor 5,14
[10] Lc 1,40.
[11] Lc 1,41
[12] 1Cr 15, 29