SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE – A Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã

1901

I – A PALAVRA DE DEUS

Ex 34, 4b-6.8-9: «O Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés»

Naqueles dias Moisés levantou-se, quando ainda era noite, e subiu ao monte Sinai, como o Senhor lhe havia mandado, levando consigo as duas tábuas de pedra.

O Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés, e este invocou o nome do Senhor. Enquanto o Senhor passava diante dele, Moisés gritou: “Senhor, Senhor! Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”.

Imediatamente, Moisés curvou-se até o chão e, prostrado por terra, disse: “Senhor, se é verdade que gozo de teu favor, peço-te, caminha conosco; embora este seja um povo de cabeça dura, perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos como propriedade tua”.

Responsório: Dn 3,52-56: «A vós louvor, honra e glória eternamente!»

— Sede bendito, Senhor Deus de nossos pais.

— Sede bendito, nome santo e glorioso.

— No templo santo onde refulge a vossa glória.

— E em vosso trono de poder vitorioso.

— Sede bendito, que sondais as profundezas

— E superior aos querubins vos assentais.

— Sede bendito no celeste firmamento.

 

2Cor 13,11-13: «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós. »

Irmãos: «Alegrai-vos, trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, cultivai a concórdia, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco. Saudai-vos uns aos outros com o beijo santo. Todos os santos vos saúdam. A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós.»

Jo 3, 16-18: “Tanto amou Deus ao mundo que deu a seu Filho único”

«Tanto amou Deus ao mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito. »

II. COMENTÁRIOS

«O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. » (Catecismo da Igreja Católica, 234)

Ao nos aproximamos do mistério da Santíssima Trindade nos encontramos diante do primeiro dos «mistérios escondidos em Deus dos quais, se não tivessem sido divi­namente revelados, não se poderia ter notícia» (Concílio Vaticano I). Com efeito, Deus mesmo quis, ao longo da história, ir revelando este mistério escondido, o mistério de sua vida íntima, o mistério de sua identidade mais profunda: Deus não é uma energia impessoal, Deus não é solidão, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas mas um só Deus, Deus é Comunhão de Amor.

Foi o Senhor Jesus quem nos falou de Deus, é o Filho quem nos falou do Pai e do Espírito: Jesus Cristo é a plenitude da revelação (Ver Heb 1,1-2). Quem mais conhece a intimidade de Deus a não ser Ele? Quem mais pode falar com autoridade do mistério que é Deus? «Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único, que está no seio do Pai.» (Jo 1,18) Sim, só Aquele que está “no seio do Pai” pode falar de Deus, e Ele revelou ao homem este mistério insondável de Deus.

Pelo que Cristo revelou e pela luz do Espírito da verdade que levou os apóstolos à verdade completa, os cristãos confessam que o Pai é Deus, que o Filho é o mesmo e único Deus e que o Espírito Santo é o mesmo e único Deus, apesar de serem três Pessoas distintas. Deus é Comunhão de Amor, e embora seja três pessoas, é um só Deus.

O mundo visível procede do ato criador de Deus. A personificação da sabedoria, gerada antes da criação do mundo (vide Prov 8,22-31[1]), presente e atuante no momento da criação, faz pensar na Palavra que existia já «no princípio», antes da criação do mundo, a Palavra que estava com Deus e era Deus e pela qual «tudo se fez» e sem a qual «nada foi feito» (Ver Jo 1,1-3). Neste mesmo processo da criação o Espírito de Deus «pairava sobre as águas» (Gen 1,2). Toda a criação é obra da Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Brota da superabundância de seu amor e tem seu ponto culminante na criatura humana, criada à imagem e semelhança de Deus (Ver Gen 1,26), criada pouco inferior aos anjos, coroada de glória e dignidade e a quem Deus fez reinar sobre as obras de suas mãos. (Salmo 8[2])

Também a nova criação é obra da Santíssima Trindade. Esta se inicia com a encarnação do Verbo divino graças ao Faça-se generoso da Virgem Maria, encontra seu ponto culminante na morte reconciliadora e ressurreição do Senhor Jesus, e se realiza finalmente pelo amor divino derramado nos corações humanos graças ao Dom do Espírito Santo. (2ª. leitura[3])

A revelação deste mistério foi obra de Jesus Cristo; mas Ele não o revelou dando-nos uma formulação como a que expressamos acima (isso é uma conclusão teológica), mas por meio de sua palavra e de sua atuação. Jesus se revelou como Deus verdadeiro feito homem; revelou o Pai por meio de sua atuação filial com respeito a Deus; e revelou ao Espírito Santo como o único capaz de nos introduzir no sentido verdadeiro de seu ensinamento.

Uma dessas palavras de revelação é o Evangelho de hoje que nos oferece parte da conversa de Jesus com Nicodemos, o magistrado judeu que foi visitá-lO de noite. Jesus diz a Nicodemos algo assombroso, absolutamente novo para ele: “Tanto amou Deus ao mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna”. De repente ganha sentido para Nicodemos o Salmo que ele bem conhecia, no qual, falando o Messias, diz: “Vou proclamar o decreto de Yahwé: Ele me disse: «Você é o meu Filho, eu hoje o gerei»” (Sal 2,7). Nicodemos compreende que Deus tem um Filho único e que, por conseguinte, Deus é Pai. Mas esse Filho único tem que possuir a mesma natureza divina que seu Pai, pois todo pai gera um filho de sua mesma natureza. Com estas palavras Jesus está revelando que o Filho único é Deus verdadeiro e que é uma Pessoa divina distinta do Pai. Não sabemos se Nicodemos entendeu isto nesse momento. Mas certamente os judeus o entenderam mais tarde, como se deduz destas palavras do evangelista: “Os judeus tentavam com maior empenho matá-lo, porque… Ele dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se a si mesmo igual a Deus” (Jo 5,18). Não que Jesus quisesse fazer-se “igual a Deus”; o que Jesus ensinava é que ele é o único Deus.

No Antigo Testamento, quando Deus mandava um profeta, frequentemente era para pronunciar um julgamento sobre sua geração. A visita de um profeta era temida. É assim quando Samuel chega a Belém, os anciões temem e lhe perguntam: “Sua vinda é de paz, vidente? (1Sam 16,4). A viúva de Sarepta a qual Elias visitou, quando morreu seu filho, diz ao profeta: “Vieste a mim para recordar minhas faltas e fazer meu filho morrer?” (1Re 17,18). São famosas as sentenças de condenação que Elias fulmina contra o rei Acab. Jesus também foi enviado por Deus, mas não para jogar nossos pecados na nossa cara e nos julgar: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo”; o objeto de sua missão é outro: “para que o mundo se salve por Ele”. A missão do Filho único de Deus é a salvação do mundo, quer dizer, “que todo aquele que creia nEle não pereça, mas tenha a vida eterna”. Do mundo se exige somente uma condição: a fé nEle. A condenação consiste em não acreditar na oferta de salvação que Deus nos faz: “quem não crer, já está julgado, porque não acreditou no Nome do Filho único de Deus”.

Na última Ceia Jesus ensinará que a fé nEle nasce do testemunho que o Espírito Santo dá a favor dEle no coração dos discípulos: “Quando vier o Paráclito, que eu lhes enviarei de junto ao Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de mim” (Jo 15,26). Assim revela que o Espírito Santo é uma Pessoa divina, que é Deus verdadeiro, e como tal pode nos infundir a fé em Cristo.

O segundo passo óbvio consiste em perguntar-se a respeito da identidade de Jesus. E à pergunta de Jesus: “Quem vós dizeis que eu sou”, adianta-se Pedro em respon­der: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,1­6). O próprio da Pessoa divina de Jesus Cristo é ser Filho. Assim Ele auto apresentou-se. Mas isto exige a Pessoa do Pai. Em sua atitude filial Cristo nos revela o Pai e O revela como cheio de amor. É o que diz Jesus no Evangelho de hoje: “Tanto amou Deus ao mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna”. Por isso São Paulo deseja aos coríntios “o amor do Pai”, que sempre terá como manifestação o dom de seu Filho para que “o mundo se salve por Ele”. E o único modo de gozar da salvação é a fé em Cristo como Filho único de Deus: “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito”. “Nome” equivale a nosso termo “Pessoa”. Para salvar-se tem-se que acreditar que Cristo é a segunda Pessoa da Trindade, Filho de Deus e Deus verda­deiro.

Embora seja certo que o homem não pode conhe­cer a Deus por seus próprios meios, nem pode ver a essência divina e continuar vivendo, pode, entretanto, receber o conhecimento de Deus por revelação. Por isso dizemos que “Deus é um mistério”. Isto quer dizer que Deus está acima da inteligência humana e de tudo o que a inteligência humana pode desco­brir e conhecer por seus próprios meios, e que para ser conhecido por ela tem que lhe ser revelado. E esta é a missão de Jesus Cristo. Assim Ele o diz ao final de sua vida terrena: “(Pai…) manifestei seu Nome aos homens que Tu me destes tomando-os do mundo… Eu lhes dei a conhecer teu Nome e continuarei a torná-lo conhecido…” (Jo 17,6.26). Ao chegar a plenitude dos tempos, Jesus nos revelou que Deus é uno e trino; que uma só substância divina é possuída por três Pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

O papel fundamental de Jesus Cristo na revelação de Deus foi claramente expresso no Prólogo de João: “Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único, que está no seio do Pai»” (Jo 1,18). A impossibilidade de “ver Deus” no homem é radical, como dissemos; mas não devemos nos desesperar, porque há uma saída: “Jesus Cristo o revelou”. E como o fez? Fez isso operando a salvação do ser humano. Com efeito, a impossibilidade de “ver Deus”, de conhecer seu mistério trinitário e de contemplá-­lO, é a carência de salvação. “Mostrar Deus” é revelar seu mistério trinitário; esta missão é realizada por Jesus Cristo promovendo a salvação do homem, porque nossa salvação consiste em compartilhar a mesma vida da Trindade. Jesus Cristo nos comunicou o conhecimento de Deus Trindade nos comunicando a própria vida da Trindade, na qual consiste nossa salvação.

Na conclusão de sua segunda carta aos coríntios São Paulo deseja aos fiéis dessa comunidade de Corinto o bem máximo: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Todos reco­nhecemos nesta fórmula a saudação que o sacerdote dirige hoje aos fiéis no começo das celebrações litúrgi­cas, em especial, da Santa Missa. A esta saudação os fiéis respondem: “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo[4]”. É uma fórmula cristã antiga, pois o texto em que se encontra (a 2ª Carta aos Coríntios) remonta ao ano 57 D.C. Mas, devido a sua forma esquemá­tica e à posição em que se encontra na carta, deduz-se que esta é uma fórmula litúrgica que existia antes de ser incluída nessa carta. São Paulo estaria citando um texto da liturgia que todos reconheciam.

É claro que esta saudação é uma fórmu­la trinitária; mas o notável é que nela a ordem em que aparecem as Pessoas divinas difere do habitual. Com efeito, nomeia-se em primeiro lugar ao Senhor Jesus Cristo, depois a Deus e final­mente ao Espírito Santo.

A ordem habitual das Pessoas divinas nas fórmu­las trinitárias é: Pai, Filho e Espírito Santo. Nessa ordem são nomeados no sinal da cruz, no Glória e no Credo da fé cristã. Esta é a ordem de procedência. Com efeito, o Pai é o “princípio sem princípio”; Ele não procede de ninguém. O Filho é gerado pelo Pai; não criado, pois é da mesma substância divina que o Pai. O Espírito procede de ambos como de um só princípio, não por geração, mas sim por expiração. Esta ordem de procedência não tem relação com o tempo, porque as três Pessoas divi­nas são coeternas, existem antes do tempo e nenhuma é anterior à outra. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são três Pessoas distintas, mas são um só Deus, porque são uma só substância divina, igualmente possuída por cada uma das três Pessoas divinas.

O fato de que o Deus único seja uma Trindade de Pessoas é um mistério de fé em sentido estrito. Esta é uma verdade que ninguém poderia alcançar apenas com a força da razão. Foi revelada por Jesus Cristo e antes dEle era desconhecida­.

Deus não tem princípio. Desde toda a eternidade Deus é, em si mesmo, uma Trindade de Pessoas. O Pai gera o Filho; o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de um único princípio. Um hino famoso começa assim: “Oh Trin­dade, luz bem-aventurada e principal Unidade”. Nosso Deus é “uno e trino”. Em que consiste a Unidade e em que consiste a Trindade? A Unidade está em que um só é Deus, uma só a substân­cia divina, de maneira que invo­cando o Pai ou o Filho ou o Espírito Santo, invoco sempre o mesmo único Deus. A Trindade está em que são três Pessoas, e embora cada uma delas seja a mesma única subs­tân­cia divina, distin­guem-se realmente pelas relações que as referem umas às outras: o Pai é quem gera, o Filho é quem é gerado e o Espírito Santo é quem proce­de. Nisto se distinguem.

Este mistério era desconhecido antes de Cristo. Israel tinha chegado ao monoteísmo estrito em sua fé e confessava como o primeiro dos mandamentos o que diz: “Ouça,  Israel: o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! E amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças” (Mc 12,29-30, citado por Jesus). Mas Deus era para eles um Deus solitário. Por isso já no Antigo Testamento se insinua a tendência a conceder alguns atributos divinos, como a Sabedoria e o Espírito, uma certa entidade pessoal: “Eu, a Sabedoria… desde a eternidade fui gerada, desde o começo, antes da terra. Quando não existiam os oceanos fui gerada…” (Prov 8,22s). “Envia teu Espírito e todas as coisas são criadas e renova a face da terra” (Sal 104,30). O conhecimento da intimidade de Deus, do mistério “escondi­do em Deus” desde toda a eternidade, foi concedido ao homem pela missão do Filho e do Espírito Santo no mundo.

A revelação de Deus como Pai nos é dada de três formas: na atitude filial de Jesus, quer dizer, em sua obediência perfeita como Filho de Deus; em seu modo de se dirigir a Deus como “Pai” dele; e em seu ensinamento explíci­to. No Evangelho de hoje, por três vezes Jesus se refere a si mesmo como o “Filho de Deus” e explica sua missão assim: “Tanto amou Deus ao mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna”. Com seu modo de chamar Deus de “Pai”, e a si mesmo de “Filho”, Jesus revela que ambos são distintos pois se relacionam como Pai e Filho; mas são um e iguais, como resulta do testemunho de seus próprios opositores: “Os judeus buscavam matá-lo porque… chamava Deus de seu próprio Pai, fazendo-se a si mesmo igual a Deus” (Jo 5,18).

Do mesmo modo, o Espírito Santo foi revelado por sua missão santifica­dora e vivificante na Igreja. Ele é enviado pelo Pai e pelo Filho, como Jesus tinha prometido a seus discí­pu­los na última Ceia: “O Pará­clito, o Espíri­to Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-lhes-á isso tudo” (Jo 14,26). “Convém-lhes que eu vá: porque se Eu não for, não virá o Pará­clito; mas se for, eu O enviarei a vocês.” (Jo 16,7). Desta maneira, quando veio o Espírito Santo sobre os apóstolos e quando atua agora conti­nuamente no coração dos fiéis e conduz a Igreja, revela-se como uma Pessoa divina distinta do Pai e do Filho pois procede de ambos.

Do seio da Trindade procedem todos os projetos salvíficos, no seio da Trindade não se encontra outra coisa senão o amor; ali tem sua origem o amor que nos foi revelado na cruz de Cristo com tanta clareza que nos enche de candura. Se Deus não nos tivesse comunicado sua própria vida por meio dos sacramentos, nós não saberíamos o que é o amor verdadeiro e não o teríamos experimentado. Do interior de Deus, de sua vida intratrinitária, flui o amor verdadeiro. Este amor que poucos conhecem! … opera a comunhão com Deus e concede o conheci­mento de Deus e a admissão em sua intimi­dade.

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

Chama a atenção que o ser humano, para ser feliz, necessite de outros, de outros “tus” humanos como ele. Ninguém pode achar a felicidade na solidão. Ao invés, é ficar só o que mais tememos, o que menos queremos, pois uma profunda tristeza e desolação nos inunda quando nos falta alguém que nos ame e a quem podemos amar, quando nos falta alguém que nos conheça e a quem podem conhecer de verdade, quando nos falta essa presença.

Enquanto a tristeza acompanha quem se acha existencialmente sozinho, a alegria e a felicidade inundam o coração de quem experimenta a comunhão, a presença do ser amado, a comunicação das existências. Sim, a mais autêntica e profunda alegria procede da comunhão das pessoas, comunhão que é fruto do mútuo conhecimento e amor. Sem o outro, e sem o Outro por excelência, a criatura humana não pode ser feliz, porque não pode realizar-se verdadeiramente como pessoa humana.

Sem dúvida parece muito contraditório que a própria felicidade não seja encontrada em si mesmo, mas “fora de si”, quer dizer, no outro, na comunhão com o outro, enquanto que a opção pela autossuficiência, pela independência de outros, por não amar a ninguém para não sofrer, pelo próprio egoísmo, aparta cada vez mais do coração humano a felicidade que busca e está chamado a viver. Quem segue este caminho, infelizmente, termina frustrado e amargurado em sua busca, concluindo equivocadamente que a felicidade na realidade não existe, que é uma bela mas inalcançável ilusão para o ser humano. A quem assim pensa deve-se dizer que a felicidade existe sim, que o ser humano está feito para a felicidade – é por isso que a deseja tanto e a busca com intensidade –, mas que se enganaram do caminho.

E por que o Senhor Jesus nos falou da intimidade de Deus? Por que é tão importante que o ser humano compreenda algo que é tão incompreensível para a mente humana? Verdadeiramente podemos compreender que Deus seja um, e ao mesmo tempo três pessoas? Sem dúvida podemos encontrar uma razão poderosa na afirmação de Santa Catarina de Siena: «Em sua natureza, deidade eterna, conhecerei minha natureza. » O ser humano é um mistério para si mesmo, e «para conhecer o homem, o homem verdadeiro, o homem integral, é necessário conhecer Deus» (S.S. Paulo VI). Conhecer o mistério de Deus, Comunhão de Amor, é conhecer minha origem, é compreender o mistério que sou eu mesmo, é entender que eu fui criado pelo Deus-Comunhão de Amor como pessoa humana convidada a participar da comunhão de Pessoas que é Ele mesmo, convidada a participar da mesma felicidade que Deus vive em si mesmo.

Assim, o que o Senhor Jesus nos revelou do mistério de Deus lança uma luz muito poderosa sobre nossa própria natureza, sobre as necessidades profundas que experimentamos, sobre a necessidade que temos de viver a comunhão com outras pessoas semelhantes a nós para nos realizarmos plenamente. Criados à imagem e semelhança de Deus, precisamos viver a mútua entrega e acolhida que as Pessoas divinas vivem entre si para chegar a sermos verdadeiramente felizes. E o caminho concreto para viver isso não é outro senão o que Jesus Cristo nos mostrou, o da entrega aos outros, do amor que se faz dom de si mesmo no serviço aos irmãos humanos e na reverente acolhida do outro.

IV. PADRES DA IGREJA

Santo Agostinho: «Esta palavra é semelhante à que disse de si mesmo: “Não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto” (Jo 5,30); mas dizemos que isto pode ser entendido por causa de sua natureza humana. Mas, como o Espírito Santo não veio a ser criatura assumindo a natureza humana, de que modo temos que entender isto? Devemos entender que Ele não existe por si mesmo. Pois, o Filho é gerado pelo Pai, e o Espírito Santo procede. Mas a diferença entre gerar e proceder, neste assunto, seria muito longa de explicar, e para dar agora alguma definição, esta poderia ser julgada precipitada. “Falará tudo o que ouvir”. Pois, para o Espírito Santo ouvir é saber; e saber é ser. Posto que não é por si mesmo, mas sim é por quem procede e lhe vem a essência. Desse mesmo modo tem a ciência, e a capacidade de ouvir, que é nada menos que a ciência que possui. O Espírito Santo, pois, sempre ouve porque a ciência que possui é eterna. Assim, pois, de quem Ele procede, ouviu, ouve e ouvirá.»

Santo Agostinho: «O Espírito Santo não é, como afirmam certos hereges, menor que o Filho, porque o Filho receberia do Pai e o Espírito Santo do Filho, como natureza de diferente grau. Resolvendo, pois, a questão, acrescenta: “Tudo o que tem o Pai é meu”.»

Santo Hilário: «O Senhor não nos deixou na dúvida se o Espírito Paráclito procedia do Pai ou do Filho. Pois, recebe do Filho aquele que é por Ele enviado, e procede do Pai. E pergunto: é o mesmo receber do Filho que proceder do Pai? Certamente que se considerará uma mesma coisa receber do Filho como se se recebesse do Pai, porque o próprio Senhor disse que tudo o que o Pai tinha era dele. Ao afirmar isto e acrescentar que há de receber de Si, ensinou que as coisas recebidas vinham do Pai, e que eram dadas, entretanto, por Ele, porque todas as coisas que são de seu Pai são suas. Esta união não admite diversidade nem diferença alguma de origem entre o que foi dado pelo Pai e o que foi dado pelo Filho.»

S. Gregório Nacianceno, «o Teólogo»: Acima de tudo, guardem de mim este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: quero dizer a profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Confio-lhes isso hoje. Por ela lhes introduzirei dentro em pouco na água e lhes tirarei dela. Dou-lhes isso como companheira e orientadora de toda a sua vida. Dou-lhes uma só Divindade e Poder, que existe Uma nos Três, e contém os Três de uma maneira distinta. Divindade sem distinção de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que abaixe… é a infinita conaturalidade de três infinitos. Cada um, considerado em si mesmo, é Deus todo inteiro… Deus os Três considerados em conjunto… Não comecei a pensar na Unidade quando já a Trindade me banha com seu esplendor. Não comecei a pensar na Trindade quando já a unidade me possui de novo.. (Em Catecismo da Igreja Católica, 256)

Santo Agostinho: É necessário que nós, vendo o Criador através das obras que realizou, elevemo-nos à contemplação da Trindade, da qual a criação leva a marca em certa e justa proporção.

Santo Ambrósio: Também o catecúmeno acredita na cruz do Senhor Jesus, com a qual foi marcado, mas se não for batizado no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, não pode receber o perdão dos pecados nem o dom da graça espiritual. Por isso o sírio Naamã, na lei antiga, banhou-se sete vezes, mas você foi batizado no nome da Trindade. Professou — não esqueça — sua fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Vive conforme o que fizeste. (…)Recorda sua profissão de fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Isto não significa que você creia em um que é o maior, em outro que é menor, em outro que é o último, mas que o próprio teor de sua profissão de fé te induz a crer no Filho igual ao Pai, no Espírito igual ao Filho, com a única exceção de que professas que sua fé na cruz se refere unicamente à pessoa do Senhor Jesus.

V. CATECISMO DA IGREJA

O mistério da Santíssima Trindade

  1. Omistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. E, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé e a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na «hierarquia das verdades da fé». «Toda a história da salvação não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela, reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do pecado».

237. A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito, um dos «mistérios ocultos em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados lá do alto» É verdade que Deus deixou traços do seu Ser trinitário na obra da criação e na sua revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do seu Ser como Trindade Santíssima constitui um mistério inacessível à razão sozinha e, mesmo, à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.

238: A invocação de Deus como «Pai» é conhecida em muitas religiões. (…)

  1. Jesus revelou que Deus é «Pai» num sentido inédito: não o é somente enquanto Criador: é Pai eternamente em relação ao seu Filho único, o qual, eternamente, só é Filho em relação ao Pai: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt 11, 27).
  2. Na esteira deles, seguindo a tradição apostólica, no primeiro concílio ecumênico de Niceia, em 325, a Igreja confessou que o Filho é «consubstancial» ao Pai, quer dizer, um só Deus com Ele. O segundo concilio ecumênico, reunido em Constantinopla em 381, guardou esta expressão na sua formulação do Credo de Niceia e confessou «o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, luz da luz. Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai».
  3. Antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de um «outro Paráclito» (Defensor), o Espírito Santo. Agindo desde a criação e tendo outrora «falado pelos profetas», o Espírito Santo estará agora junto dos discípulos, e neles, para os ensinar e os guiar «para a verdade total» (Jo 16, 13). E, assim, o Espírito Santo é revelado como uma outra pessoa divina, em relação a Jesus e ao Pai.
  4. A origem eterna do Espírito revela-se na sua missão temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto pelo Pai, em nome do Filho, como pessoalmente pelo Filho, depois do seu regresso ao Pai. O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.
  5. A Trindade é una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade consubstancial». As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única: cada uma delas é Deus por inteiro: «O Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza». «Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza divina».
  6. As pessoas divinas são realmente distintas entre Si.«Deus é um só, mas não solitário». «Pai», «Filho», «Espírito Santo» não são meros nomes que designam modalidades do ser divino, porque são realmente distintos entre Si. «Aquele que é o Filho não é o Pai e Aquele que é o Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai ou o Filho». São distintos entre Si pelas suas relações de origem: «O Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede». A unidade divina é trina.
  7. As pessoas divinas são relativas umas às outras. Uma vez que não divide a unidade divina, a distinção real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações que as referenciam umas às outras: «Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos destas três pessoas, considerando as relações respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou substância». Com efeito, «nEles tudo é um, onde não há a oposição da relação». «Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai e todo no Filho».

VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE

Faz poucos dias celebramos com grande alegria a festa de Pentecostes. Aos apóstolos reunidos ao redor de Santa Maria, com a efusão do Espírito Santo, se revela plenamente a Santíssima Trindade. A celebração nos introduz totalmente no mistério de Deus, Uno e Trino, e nos convida a deixar que a Terceira Pessoa da Trindade faça crescer em nós a vida nova em Cristo. É o Espírito Santo, Senhor e Doador de Vida, Espírito de verdade e de Amor, que nos abre ao mistério de Deus que é Comunhão de Amor e que nos convida a participar de sua vida íntima. É a esta vida autêntica que estamos chamados, aquela que deseja com todo ardor nosso coração. É a vida no seio de Deus, que como recorda belamente São João, é Amor, «e o Amor que é o primeiro dom, contém todos outros. Este amor “Deus o derramou em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”».

O Espírito tinha sido prometido aos Apóstolos pelo próprio Senhor Jesus. Para cumprir sua missão o Senhor lhes tinha anunciado que enviaria sobre eles «a Promessa de meu Pai». Eles deviam permanecer em Jerusalém até serem «revestidos do poder do Alto». A que se referia o Senhor com «a Promessa do Pai», este «poder do Alto»? Referia-se ao Espírito Santo, que Ele mesmo junto com o Pai enviou sobre seus Apóstolos e discípulos. A missão de expandir o Evangelho da Reconciliação a todas as culturas e a todos os povos é uma tarefa e empresa que não podiam realizar sozinhos, só com a força do Espírito divino. O Espírito continua sua missão na Igreja. Precisamente, a missão da Igreja não se acrescenta à de Cristo e do Espírito Santo, «mas é seu sacramento: com todo seu ser e em todos os seus membros foi enviada para anunciar e dar testemunho, para atualizar e estender o Mistério da Comunhão da Santíssima Trindade”.

[1] Esta é a primeira leitura que será lida no Peru

[2] Sal 8, 4-5.6-7.8-9, que será lido no Peru

[3] Rom 5,1-5, 2ª leitura no Peru.

[4] Em espanhol se diz: «e com teu espírito».

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