V DOMINGO DO TEMPO COMUM – Vim para anunciar o Evangelho

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I. A PALAVRA DE DEUS

 7, 1-4.6-7: “Encho-me de sofrimentos até ao anoitecer

E Jó disse:

1‘Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como dias de um mercenário?

2Como um escravo suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga, 3assim tive por ganho meses de decepção, e couberam-me noites de sofrimento. 4Se me deito, penso: Quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde e me encho de sofrimentos até ao anoitecer. 6Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear e se consomem sem esperança.

7Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade!

Sal 146, 1-6: “Louvai a Deus, porque ele é bom e conforta os corações.

Louvai o Senhor Deus, porque ele é bom,
cantai ao nosso Deus, porque é suave:
ele é digno de louvor, ele o merece!
2O Senhor reconstruiu Jerusalém,
e os dispersos de Israel juntou de novo.

3ele conforta os corações despedaçados,
ele enfaixa suas feridas e as cura;
4fixa o número de todas as estrelas
e chama a cada uma por seu nome.

5É grande e onipotente o nosso Deus,
seu saber não tem medida nem limites.
6O Senhor Deus é o amparo dos humildes,
mas dobra até o chão os que são ímpios.

1 Cor 9, 16-19. 22-23: “Ai de mim, se eu não pregar o Evangelho

Irmãos:

Pregar o evangelho não é para mim motivo de glória. É antes uma necessidade para mim, uma imposição. Ai de mim se eu não pregar o evangelho!

17Se eu exercesse minha função de pregador por iniciativa própria, eu teria direito a salário. Mas, como a iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado. 18Em que consiste então o meu salário? Em pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá.

19Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. 22Com os fracos, eu me fiz fraco, para ganhar os fracos.Com todos, eu me fiz tudo, para certamente salvar alguns.

23Por causa do evangelho eu faço tudo, para ter parte nele.

Mc 1, 29-39: “Curou muitas pessoas de diversas doenças

Naquele tempo: 29Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André. 30A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. 31E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los. 32É tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. 33A cidade inteira se reuniu em frente da casa. 34Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era.

35De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. 36Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. 37Quando o encontraram, disseram:

– ‘Todos estão te procurando’.

38Jesus respondeu:

– ‘Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim’.

39E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.

II. COMENTÁRIOS

Naquele sábado, depois de comparecer à sinagoga com seus discípulos (ver Mc 1,21), o Senhor se dirige a casa de Pedro e André, junto com o Tiago e João. Pedro e seu irmão, naturais de Betsaída (Jo 1, 44), tinham vindo morar na importante cidade de Cafarnaum, talvez em virtude do comércio pesqueiro.

Na casa de Pedro estava sua sogra, com uma febre alta (ver Lc 4,38) que a mantinha prostrada na cama. Os apóstolos comentam o fato com o Senhor e Ele a cura instantaneamente tomando-a pela mão. São Lucas menciona que, além disso, «ordenou ele à febre, e a febre deixou-a» (Lc 4,39). Sua palavra não só tem o poder de expulsar demônios, mas também de “expulsar” enfermidades.

A cura lhe devolve a energia habitual, de modo que imediatamente «pôs-se a servi-los.». Deste modo se faz visível a todos seu domínio não só sobre a enfermidade, mas também essa força que sai Dele (ver Mc 5, 30) para comunicar vitalidade a quem estava doente. A restituição é total, tanto que não requer nenhuma recuperação posterior. Seu domínio sobre a criação é absoluto.

O fato de aproximar-se, tomar a da mão e levantá-la de seu estado de prostração pode ter um valor simbólico: Ele, abaixando-se, morrendo na Cruz e “levantando-se” de entre os mortos por sua Ressurreição, veio ao mundo para levantar a humanidade doente e prostrada pelo pecado, para devolver-lhe a saúde, para devolver-lhe sua capacidade de servir a Deus, de entrar em sua amizade, de glorificá-lo mediante uma vida humana plena e repleta da força do próprio Deus. Ele, Senhor da Vida, comunicou a sua criatura humana, pela força de seu Espírito, uma vida nova. Todo homem ou mulher curado pelo Senhor é deste modo convidado a servir ao Senhor como um gesto de gratidão, servi-lo, sobretudo, vivendo como Cristo ensina, quer dizer, amando como Ele amou.

Depois de curar a sogra de Simão, o Senhor aproveita aquela jornada de descanso sabatino para falar com seus apóstolos sobre os mistérios do Reino.

Sua fama de taumaturgo já se difundira por toda a cidade, de modo que ao entardecer daquele sábado, quando «depois do pôr-do-sol», quer dizer, quando já tinha terminado o repouso sabático e era lícito transportar os doentes (ver Jo 5, 9.10), trazem-lhe numerosos doentes e endemoninhados para que os cure. Pouco a pouco se vai congregando à porta da casa de Pedro «a cidade inteira». Esta expressão é uma típica hipérbole oriental para dizer que era mesmo uma multidão muito numerosa. De um em um o Senhor cura a todos.

Também «expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era», quer dizer, proibia-lhes revelar sua identidade messiânica. O Senhor não queria que os ânimos da multidão se exaltassem, não queria que confundissem sua missão messiânica com uma missão política, razão pela qual em outro momento também pedirá a seus apóstolos que não revelem a ninguém que Ele é o Messias esperado. Só permitirá que o aclamem como tal pouco antes de sua morte na Cruz, ao fazer sua entrada triunfal em Jerusalém.

Já de noite, todos os que foram em busca do milagre e do ensinamento de Jesus se vão. Jesus e seus apóstolos se retiram para dormir.

Passada a noite, São Marcos conta que o Senhor «se levantou e foi rezar num lugar deserto, de madrugada, quando ainda estava escuro».

Seu diálogo íntimo com o Pai é interrompido quando Pedro e seus companheiros, não o encontrando em casa, saem para buscá-lo e, ao achá-lo, insistem que volte para casa arguindo que «Todos estão te buscando». Como não se sentir compelido a sair ao encontro da multidão que andava em busca Dele, seja para escutar sua palavra ou para encontrar Nele a saúde? Apesar do pedido de Pedro, e consciente de que muitos o esperam em sua casa, o Senhor responde: «Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim».

Há quem traduza esta parte como «pois para isso saí», pois o verbo grego exêlthon pode ser traduzido tanto por vir como também por sair ou partir. Em todos os casos indica deixar um lugar para dirigir-se a outro, seja por vontade própria ou por vontade de outro. Em um sentido imediato poder-se-ia entender que “para isso saiu que a casa de Pedro”. Entretanto, pode-se perceber um sentido mais profundo nas palavras do Senhor: para isso “saiu de Deus” vindo ao mundo. Este sentido da expressão do Senhor Jesus é evidente no Evangelho de São Lucas: «para isso fui enviado» (Lc 4,43), entende-se que pelo Pai.

Com esta sentença o Senhor define sua missão: foi enviado pelo Pai para anunciar o Evangelho, tanto assim que «todos os aspectos do seu mistério, a começar da própria encarnação, passando pelos milagres, pela doutrina, pela convocação dos discípulos e pela escolha e envio dos doze, pela cruz, até a ressurreição e à permanência da sua presença no meio dos seus, fazem parte da sua atividade evangelizadora.» (S.S. Paulo VI, Evangelii nuntiandi, 6).

Em obediência ao Pai, o Senhor Jesus, «”Evangelho de Deus”, foi o primeiro e o maior dos evangelizadores. Ele foi isso mesmo até o fim, até a perfeição, até o sacrifício da sua vida terrena.» (EN, 7).

Depois Dele os Apóstolos serão os primeiros a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, enviados por Ele.

Também São Paulo é um Apóstolo escolhido pelo Senhor. Ele dá testemunho de que sua missão de anunciar o Evangelho foi recebida diretamente do Senhor, missão da qual se experimenta responsável: «ai de mim se não anunciar o Evangelho!». Impulsionado por esse zelo e sentido do dever São Paulo se faz «tudo para todos, para certamente ganhar alguns».

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

Após uma jornada apostólica exaustiva que inclui a pregação de seu Evangelho, a cura de muitos doentes e a expulsão de muitos demônios, o Senhor Jesus se levanta no dia seguinte bem de madrugada, quando tudo ainda está muito escuro e todos dormem, para dirigir-se sozinho a um lugar deserto para rezar.

O Senhor Jesus nos ensina a importância que a oração tem para Ele, “roubando horas ao dia” para dedicar um tempo ao diálogo íntimo com o Pai. No cumprimento de sua missão, que consiste principalmente em pregar a Boa Nova às ovelhas perdidas de Israel (ver Mc 1,38; Mt 15,24), a frequente oração ou diálogo íntimo com o Pai aparece como algo prioritário para Ele. Em outra ocasião ensinará a seus discípulos o que Ele mesmo vive, a necessidade que Ele mesmo experimenta: «orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo.» (Lc 18,1).

É a partir de sua sintonia profunda com o Pai, que reclama e se nutre desse diálogo contínuo com Ele, que o Senhor é capaz de ordenar retamente suas atividades segundo o Plano divino: apesar de Pedro apressá-lo a retornar à casa onde muitos o esperam para ser curados de suas enfermidades. Ele, no entanto, decide ir às aldeias da redondeza, para que pregar também lá, «pois foi para isso que eu vim».

Por mais duro que soe, sua prioridade não é curar os doentes de seus males, ou libertar os endemoninhados dos espíritos imundos, ou saciar a curiosidade das multidões que começam a buscá-lo pela fama de grande profeta que vai adquirindo, mas a fidelidade à missão que o Pai lhe encomendou. Ele veio ao mundo para anunciar a Boa Nova da reconciliação, e prioriza sua ação de acordo com sua missão principal. Não podemos deixar de ressaltar a importância fundamental desse anúncio, pois de que teria servido sua encarnação, sua morte e ressurreição, assim como sua assunção, sem essa pregação e anúncio? O dom da Reconciliação operada pelo Senhor Jesus (ver 2Cor 5,18-19) necessita do anúncio, da proclamação da Boa Nova, da pregação, para ser compreendido e acolhido pelo homem (ver Rom 10,17).

Ao rezar bem de madrugada o Senhor nos ensina que com a oração se preserva do desgaste e da superficialidade que a atividade traz consigo, pois sem oração e sem uma contínua referência ao Pai a vida se converte em um perigosíssimo ativismo. O Senhor nos ensina que o reto obrar se nutre da oração como uma raiz, e faz da mesma ação que se orienta ao cumprimento do Plano divino uma oração incessante, um louvor ou “liturgia” contínua.

Quem verdadeiramente é discípulo de Cristo, jamais deixa de rezar porque obedece ao exemplo e à voz de seu Mestre, que disse: é preciso «orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo.» (Lc 18,1). A oração é para o crente uma necessidade. Necessidade que responde a uma sede de Deus que se busca saciar no encontro com Ele. Consiste em uma malha harmoniosa que se tece de momentos fortes de oração e de oração contínua. Os momentos fortes de oração, como o diálogo íntimo com o Senhor no Santíssimo, a meditação de sua Palavra em espírito de oração, a participação atenta na Santa Eucaristia, a celebração da Liturgia das Horas, nutrem a oração contínua, oração que é viver em contínua presença de Deus e fazer tudo por Ele. Quem, procurando obedecer em tudo a Deus, faz de toda a sua atividade um incessante louvor a Ele (ver 1Cor 10,31), não deixa de rezar.

Se o Senhor Jesus reservava tempo para rezar, não deixando a oração “para o final do dia” como tantas vezes estamos acostumados a fazer, mas rezando antes de iniciar suas exigentes e diárias atividades, quanto mais devemos nós procurar o tempo necessário para ter momentos fortes de oração com o passar do dia! Se andamos em busca da reconciliação para nós mesmos — o perdão de nossos pecados, a cura de nossas feridas mais profundas, a harmonia e paz interior, a alegria e felicidade contínuas, a força para a luta, etc.— e se queremos levar a outros o dom da reconciliação, entendamos de uma vez por todas que isso é impossível sem a oração perseverante. Para estar reconciliados e para poder cooperar com o Senhor Jesus na tarefa da evangelização reconciliadora da humanidade, o trato íntimo, a oração diária e perseverante é essencial. Organize-se especialmente nos dias que tenha mais coisas para fazer, para que nunca lhe falte um tempo para rezar. E se você tiver que se levantar “bem de madrugada” para orar antes que comece o ritmo incessante de atividades, faça esse sacrifício, que será amplamente recompensado pelo Senhor!

IV. PADRES DA IGREJA

São Beda: «O ocaso do sol significa misticamente a paixão e morte daquele que disse: “enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” (Jo 9,5). É no ocaso do sol que é curada a maior parte dos doentes e possuídos, porque Aquele que durante sua estadia neste mundo ensinou a alguns judeus, transmitiu os dons da fé e da salvação a todos os povos da terra».

São João Crisóstomo: «Os fariseus, diante a eloquência dos milagres, escandalizavam-se do poder de Cristo; mas as multidões, que ouviam a palavra divina, aceitavam-na e seguiam Jesus».

São João Crisóstomo: Ao dizer “para isto vim” Jesus «manifesta o mistério da Encarnação e o senhorio de sua divindade confirmando que tinha vindo ao mundo por sua vontade. E São Lucas diz: “Para isto sou enviado” (Lc 4,43), manifestando a boa vontade de Deus Pai sobre a disposição da Encarnação do Filho».

V. CATECISMO DA IGREJA

A oração de Jesus

2599; ver. 2601: O Filho de Deus que se tomou Filho da Virgem aprendeu também a rezar segundo seu coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com sua mãe, que conservava e meditava em seu coração todas as “grandes coisas” feitas pelo Todo-Poderoso.

Aprendeu nas palavras e ritmos da oração de seu povo, na sinagoga de Nazaré e no Templo. Mas sua oração brota de uma fonte bastante secreta, como deixa prever com a idade de doze anos: “Eu devo estar na casa de meu Pai” (Lc 2,49). Aqui começa a se revelar a novidade da oração na plenitude dos tempos: a oração filial, que o Pai esperava de seus filhos, será enfim vivida pelo próprio Filho único em sua humanidade, com os homens e para os homens.

2607: Ao orar, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal de nossa oração é a oração a seu Pai. Mas o Evangelho nos dá um ensinamento explícito de Jesus sobre a oração. Como pedagogo, ele nos toma onde estamos e, progressivamente, nos conduz ao Pai. Dirigindo-se às multidões que o seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem da oração, conforme a Antiga Aliança, e as abre para a novidade do Reino que vem. Depois lhes revela em parábolas essa novidade. Enfim, falará abertamente do Pai e do Espírito Santo a seus discípulos, que deverão ser pedagogos da oração em sua Igreja.

A missão do Senhor Jesus

606: O Filho de Deus, que “desceu do Céu não para fazer sua vontade, mas a do Pai que o enviou”, “diz ao entrar no mundo:.. Eis-me aqui… eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade… Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” (Hb 10,5-10). Desde o primeiro instante de sua Encarnação, o Filho desposa o desígnio de salvação divino em sua missão redentora: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar sua obra” (Jo 4,34). O sacrifício de Jesus “pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2) é a expressão de sua comunhão de amor ao Pai: “O Pai me ama porque dou a minha vida” (Jo 10,17). “O mundo saberá  que amo o Pai e faço como o Pai me ordenou” (Jo 14,31).

763: Cabe ao Filho realizar, na plenitude dos tempos, o plano de salvação de seu Pai. Este é o motivo de sua “missão”. “O Senhor Jesus iniciou sua Igreja pregando a Boa Nova, isto é, o advento do Reino de Deus prometido nas Escrituras havia séculos.” Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou o Reino dos Céus na terra. A Igreja “é o Reino de Cristo já misteriosamente presente”‘.

O Senhor Jesus faz com que os apóstolos participem de sua missão

1: Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada.

2: A fim de que este chamado ressoe pela terra inteira, Cristo enviou os apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: “Ide, fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28,19-20). Fortalecidos com esta missão, os apóstolos “saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,20).

858: Jesus é o Enviado do Pai. Desde o início de seu ministério “chamou a si os que quis, e dentre eles escolheu Doze para estarem com ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,13-14). A partir daquela hora eles serão os seus “enviados” (é o que significa a palavra grega “apóstolo”). Neles continua a sua própria missão: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20,21). Seu ministério é, portanto, a continuação de sua própria missão: “Quem vos recebe a mim recebe”, diz ele aos Doze (Mt 10,40).

859: Jesus associa-os à missão que recebeu do Pai: como “o Filho não pode fazer nada por si mesmo” (Jo 5,19.30), mas recebe tudo do Pai que o enviou, assim os que Jesus envia nada podem fazer sem ele, de quem recebem o mandato de missão e o poder de exercê-lo. Os Apóstolos de Cristo sabem, portanto, que são qualificados por Deus como “ministros de Uma aliança nova” (2Cor 3,6), “ministros de Deus” (2Cor 6,4), “embaixadores de Cristo” (2Cor 5,20), “servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4,1).

VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE

Todo ser humano possui em seu foro mais íntimo um dinamismo de abertura relacional que o impulsiona a sair de si mesmo, a transcender seus próprios limites para viver a abertura fraterna com os irmãos. Quando a pessoa não vive esta dimensão de encontro pessoal com os outros, mas se debruça egoistamente sobre si mesmo, trai seus dinamismos mais íntimos, e, portanto, sua própria humanidade.

Da mesma maneira, toda pessoa tem constitutivamente uma profunda aspiração ao encontro pleno, definitivo. Criados para viver esse mistério de amor infinito que é a comunhão e a participação da vida trinitária (Puebla, 211-212), nossa fome de absoluto e infinito só se vê saciada no encontro plenificador com Deus-Amor.

A oração é, pois, uma dimensão fundamental, indubitável da existência humana, pois ela é âmbito privilegiado para orientar-se a viver esse encontro plenificante. A oração é diálogo, é comunhão, é relação pessoal e personalizante, entrega pessoal e íntima. Daí que quem prescinde da oração em sua existência, mutila a vocação de ser pessoa humana, já que priva seu ser do impulso fundamental que é o encontro com o divino.

Como homens de ação, temos que ser, antes de tudo, homens de oração. Vivemos inseridos em uma sociedade agressivamente anticristã, uma cultura de morte que busca nos apartar constantemente de nossa missão. Não podemos entrar na onda do mundo nos deixando arrastar pela sutil tentação do ativismo. Pôr todas as nossas expectativas em nossas capacidades pessoais e nos meios humanos que dispomos, prescindindo da ação divina através de sua graça, é uma das mais sutis tentações do Maligno.

Nosso apostolado só é autêntico se surgir da dinâmica do encontro pessoal com o Senhor Jesus. Ser apóstolo é anunciar a Cristo em primeira pessoa; e só pode anunciar bem ao Senhor quem se encontrou com Ele.

Com efeito, NINGUÉM DÁ O QUE NÃO TEM. Quem não reza, não vive reconciliado e portanto seus afazeres apostólicos somente serão projeção de sua própria ruptura interior. Bem afirma o já desaparecido monge cisterciense Tomás Merton: “O homem que não tem paz consigo mesmo, necessariamente projeta sua luta interior na sociedade daqueles com quem vive e pulveriza o conflito em todos os que o rodeiam. Ainda quando tenta fazer o bem aos outros, seus esforços são desesperados, pois não sabe fazer o bem a si mesmo. Nos momentos do mais desenfreado idealismo pode meter na sua cabeça fazer os outros felizes. Por isso se joga na obra e o que resulta é que tira da obra tudo o que pôs nela: sua própria confusão, sua própria desintegração, sua própria infelicidade”.

Se não existir uma relação pessoal com o Filho de Maria, nossa ação apostólica será estéril, inclusive apesar de algumas prematuras aparências em contrário. O que é fazer apostolado se não fazer presente o chamado do Senhor entre os homens? Como emprestar nossa voz a esse chamado se antes não o escutamos e acolhemos?

A oração é lugar privilegiado onde se vive o encontro configurante com o Senhor. É na dinâmica oracional que vamos sendo revestidos do Senhor, conduzidos pela mão maternal de Maria. A oração assídua nos encaminha pelos caminhos do Plano de Deus. Na abertura ao Espírito, o Senhor nos revela, nos mostra e nos manifesta quem somos (Gaudium et Spes, 22). Na comunhão cálida, próxima, pessoal com o Senhor, o apóstolo alimenta seu espírito, recupera as forças perdidas e se renova interiormente para empreender novamente a tarefa evangelizadora.

O apostolado é superabundância de amor e não projeção da própria ruptura. É na oração que descubro o dinamismo do amor, que desde minha realidade pessoal, projeta-se aos irmãos no serviço evangelizador. A oração é o campo fértil onde o desafio de construir uma cultura de vida, de liberdade, de justiça, de amor encontra fecundidade.

O exercício constante da presença de Deus; a meditação bíblica, em companhia de Maria; a reza frequente do Rosário e outras devoções a Santa Maria; a participação ativa na Eucaristia; as visitas frequentes ao Santíssimo; a leitura espiritual; a liturgia das horas; as jaculatórias, etc., são maneiras concretas e simples de fazer oração.

Entretanto, devemos recordar que não basta ir mantendo momentos privilegiados de oração. Toda nossa vida deve ser uma prece constante, uma oferenda perpétua a Deus. Os atos cotidianos devem estar orientados segundo o desígnio divino. O apostolado que nasce de um coração reconciliado, do encontro configurante com Jesus, já é oração, pois é expressão da dinâmica de comunhão e participação a qual todos estamos chamados (Puebla, 216). Vivendo uma espiritualidade da vida cotidiana, nossa ação apostólica se converte em gesto litúrgico. (Caminho para Deus n.16)

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