I. A PALAVRA DE DEUS
Jr 20,10-13: «Eu ouvi a calúnia de muitos: “Terror de todos os lados! Denunciai! Denunciemo-lo!” Todo aquele que estava em paz comigo aguarda a minha queda: “Talvez ele se deixe seduzir! Nós o dominaremos e nos vingaremos dele!” Mas Iahweh está comigo como poderoso guerreiro; por isso os meus perseguidores tropeçarão, não prevalecerão. Eles se envergonharão profundamente, porque não tiveram êxito; vergonha eterna, inesquecível. Iahweh dos exércitos que perscruta os justos, que vês rins e coração, verei a tua vingança contra eles, porque a ti expus a minha causa. Cantai a Iahweh, louvai a Iahweh, porque livrou a vida do pobre da mão dos perversos.»
Sl 68,8-10.14 e 17.33-35: “Atendei-me, ó Senhor, pelo vosso imenso amor.”
Por vossa causa é que sofri tantos insultos,
E o meu rosto se cobriu de confusão;
Eu me tornei como um estranho a meus irmãos,
Como estrangeiro para os filhos de minha mãe.
Pois meu zelo e meu amor por vossa casa
Me devoram como fogo abrasador.
Por isso elevo para vós minha oração
Neste tempo favorável, Senhor Deus!
Respondei-me pelo vosso imenso amor,
Pela vossa salvação que nunca falha!
Senhor, ouvi-me, pois suave sobre mim com grande amor!
Humilde, vede isto e alegrai-vos: o vosso coração reviverá
Se procurardes o Senhor continuamente!
Pois nosso Deus atende à prece dos seus pobres
E não despreza o clamor de seus cativos.
Que céus e terra glorifiquem o Senhor
Com o mar e todo ser que neles vive!
Rm 5,12-15: “Pelo delito de um morreram todos, mas por Jesus Cristo a graça se derramou sobre todos.”
«12Eis por que, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. 13Pois até à Lei havia pecado no mundo; o pecado, porém, não é levado em conta quando não existe lei. 14Todavia, a morte imperou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram de modo semelhante à transgressão de Adão, que é figura daquele que devia vir… 15Entretanto, não acontece com o dom o mesmo que com a falta. Se pela falta de um só a multidão morreu, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre a multidão.»
Mt 10,26-33: «Irmãos, 26Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. 27O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia: o que vos é dito aos ouvidos, proclamai-o sobre os telhados. 28Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena. 29Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai! 30Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados. 31Não tenhais medo, pois valeis mais do que muitos pardais. 32Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus. 33Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de meu Pai que está nos Céus. »
II. COMENTÁRIOS
O Evangelho deste Domingo começa com uma firme exortação do Senhor a seus apóstolos: «Não tenhais medo dos homens…». Procura afirmar seu espírito porque pouco antes lhes havia dito: «Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos», anunciando-lhes que por sua causa os entregariam aos tribunais e os açoitariam nas sinagogas, que seriam levados diante de governadores e reis, que entregaria à morte «irmão a irmão e pai a filho», em resumo, que seriam odiados de todos e perseguidos por serem seus discípulos (ver Mt 10,16-25).
Se ampliarmos o contexto, o fragmento do Evangelho que escutamos neste Domingo está emoldurado em um conjunto de instruções que o Senhor Jesus dá a seus apóstolos antes de enviá-los a anunciar o Reino às ovelhas desencaminhadas de Israel» (ver Mt 10,5). Entretanto deve-se dizer que várias instruções e advertências transcendem essa missão imediata e melhor apontam à missão universal que os apóstolos e discípulos deverão realizar quando o Senhor Ressuscitado subir aos Céus e enviar o Espírito Santo sobre eles no dia de Pentecostes (ver Mt 28,19).
O Senhor anuncia e adverte a seus apóstolos que no fiel cumprimento de sua missão receberão o mesmo mau trato que Ele sofrerá (ver Mt 10, 24-25). O que farão com o Mestre, farão com os discípulos. Como testemunhas de Cristo, serão rechaçados por aquele “mundo” que se opõe a Deus e rechaça seus amorosos desígnios. Como não tremer diante do anúncio da oposição, do mau trato e da morte violenta que sofrerão muitos às mãos de seus furiosos opositores e perseguidores? Evidentemente tal panorama assusta a qualquer um e por isso o Senhor Jesus, vendo despertar o temor em seus corações e sabendo do medo que experimentariam chegado o momento, os exorta vivamente a não temer nem sequer à própria morte pois embora sejam capazes de destroçar o corpo não poderão matar a “alma”.
Por alma, em grego psyché, temos que entender o ser em si, a vida interior. Sua vida ficará guardada por Deus, que ressuscitará para a vida eterna — com um corpo glorioso como o de Cristo — a quem dá valente testemunho do Senhor nesta vida. Será no dia do Julgamento final quando o Senhor perante seu Pai ficará do lado daqueles que nesta vida ficaram do seu lado diante dos homens, garantindo-lhes, dessa maneira, a entrada no gozo eterno de Deus (ver Mt 25,34).
Mas aos que O conhecendo O negam e renegam, também o Senhor lhes negará sua intercessão diante do Pai. Com efeito, o Senhor adverte que a quem se deve temer é àquele que pode “precipitar a alma e o corpo na geena”. O texto grego diz literalmente: “destruir tanto a alma como o corpo na Géenna”. Géenna era o nome do vale que se achava ao sul de Jerusalém, lugar onde se lançava o lixo da cidade, assim como os cadáveres dos animais mortos para serem incinerados. Um esgoto de desperdícios e despojos de animais é usado pelo Senhor como um símbolo muito forte para referir-se a outro lugar, àquele a que se deve temer ir parar em corpo e alma por negar o Senhor perante os homens.
O medo natural da morte não deve deter os apóstolos na missão de dar testemunho do Senhor e propagar seus ensinamentos e seu Evangelho. O Senhor os convida a superar o medo mediante a confiança em Deus: Ele, que cuida de cada um, estará com eles na hora da prova, no momento em que tenham que dar testemunho do Senhor, inclusive quando tiverem que encarar a morte por sua causa. Esta confiança é a que mostra Jeremias, o profeta, diante da pressão que também ele experimenta por ser portador da mensagem divina para seu povo: “Iahweh está comigo como poderoso guerreiro; por isso os meus perseguidores tropeçarão, não prevalecerão.” (1ª. Leitura).
A missão, o que deverão levar a cabo enfrentando e superando todo medo e temor, é esta: « O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados». Nos tempos de Cristo os povos da Terra Santa tinham seus pregoeiros. Os tetos das casas eram planos e as ordens dos governos locais eram proclamadas das casas mais altas, convertendo-se o terraço em lugar de proclamações públicas. Tais proclamações eram feitas em geral à tarde, quando os homens retornavam de seus trabalhos campestres. Um longo chamado, abafado, convidava os residentes a escutar o que o pregoeiro posteriormente comunicava a todos. O Senhor, que sem dúvida tinha escutado com frequência as proclamações do pregoeiro do povo, faz uso desta realidade da vida cotidiana para dar a entender a seus apóstolos que eles deverão proclamar em viva voz e aos quatro ventos tudo o que Ele lhes ensinou, inclusive na maior intimidade ou de forma velada. Sua doutrina, longe de ser uma doutrina secreta reservada a um grupo de “iniciados”, é para todos e está destinada a ser conhecida universalmente.
III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ
É possível que exista uma lâmpada acesa que não ilumine? Pode existir um pregoeiro mudo? Se calasse, deixaria de ser pregoeiro! Tampouco um cristão pode deixar de irradiar a Cristo ou calar seu anúncio. Um cristão que não irradia a Cristo, um cristão que não anuncia a Cristo e seu Evangelho, é verdadeiramente cristão? Aquele ou aquela que na verdade se encontrou com Cristo, aquele ou aquela que abriu as portas de sua casa (ver Ap 3,20; Lc 19,9), aquele ou aquela em quem Ele habita e permanece (ver Jo 15,4-5), necessariamente irradia e reflete a Cristo. Não pode ser de outro modo.
Quem é de Cristo anuncia a Cristo. Faz isso com o testemunho de sua própria vida, de uma vida cristã intensa, coerente, comprometida, que aspira a viver a caridade de Cristo em tudo o que faz, que aspira à santidade fazendo as coisas ordinárias da vida de modo extraordinário, de todo coração, como quem faz para o Senhor (ver Cl 3,23). Faz isso também com sua palavra, falando com outros de Cristo e de seu Evangelho. Ninguém se sinta tranquilo se não anunciar a Cristo, se não O der a conhecer aos outros com seus lábios! Pois não é suficiente “ser bons” mas cristãos mudos: é necessário, é urgente ser também apóstolos, ser pregoeiros de sua mensagem. «Ai de mim se não evangelizar!» (1Cor 9,16), dizia São Paulo, experimentando essa enorme urgência e necessidade de comunicar aos outros o dom da reconciliação, a salvação trazida pelo Senhor Jesus. Quantos ficarão sem ouvir a Boa Nova se eu não emprestar meus lábios e meu coração ao Senhor na tarefa evangelizadora que Ele confiou a Sua Igreja, da qual todos os batizados fazemos parte? (ver Mt 28, 19-20; Rm 10,14-15)
O anúncio de Cristo e de seu Evangelho, que se deve proclamar abertamente “do telhado”, nem sempre goza de popularidade. Qualquer cristão ao anunciar o Evangelho se deparará com reações favoráveis e também adversas. A oposição, a rejeição, a brincadeira, o desprezo, a calúnia, a difamação, a perseguição, são experiências que fazem parte da vida do discípulo de Cristo, como fizeram e fazem parte da vida de tantos apóstolos e cristãos ao longo da história, como fizeram parte da vida do próprio Cristo.
Quando vierem estas provações, como não experimentar o temor? Quantas vezes o medo “do que dirão”, da brincadeira, da rejeição, levou-nos a esconder e ocultar nossa fé, nossa condição de cristãos católicos? Se nos deixamos vencer pelo medo ou pela vergonha, negamos a Cristo, aberta ou veladamente. Por isso é tão importante vencer os medos e temores que experimentamos na vida cristã: medo de seguir o Senhor, medo de não saber aonde nos levará, medo de que Ele nos peça para dar mais, medo da oposição e da rejeição que encontrarei no caminho, inclusive na própria família ou no círculo de amigos mais próximos.
Diante da oposição ou dificuldades que encontraremos no caminho o Senhor nos convida a confiar nele, a vencer nossos temores, a nos lançar sem medo: «Não tenham medo dos homens!» A confiança em Deus, em sua Presença, em sua providência e ação, dá-nos muita segurança e é o melhor remédio contra o medo que paralisa ou leva a fugir. O medo se dilui na medida em que a confiança em Deus se faz forte. O Senhor nos garantiu que Ele estará sempre conosco na adversidade. (ver Mt 28,20; Jo 16,33; Jr 1,8). Se Ele estiver conosco, ninguém poderá ser contra nós (ver Rm 8,31; Jr 20, 11).
IV. PADRES DA IGREJA
Santo Hilário: «Aconselho-os que não tenham medo nem das ameaças, nem das afrontas, nem das revoluções, nem do poder dos perseguidores; porque já verão no dia do julgamento quão pouco lhes valeram todas estas coisas.»
São Jerônimo. «“E o que ouvistes pelo ouvido pregai sobre os telhados”, isto é, o que Eu vos ensinei em uma pequena aldeia da Judeia, pregai sem temor em todas as cidades do mundo inteiro.»
Santo Hilário: «Devemos semear constantemente o conhecimento de Deus e revelar com a luz da pregação o segredo profundo da doutrina do Evangelho, sem temor daqueles que só têm poder sobre os corpos, mas nada podem sobre o espírito.»
São João Crisóstomo: «Observem que não lhes promete livrá-los da morte, mas sim lhes aconselha desprezá-la, que é muito mais que livrá-los da morte e que lhes insinua o dogma da imortalidade.»
Santo Hilário: «Para que soubéssemos que nada em nós tem que perecer, diz-nos que até mesmos nossos fios de cabelo estão contados. Não devemos ter medo das desgraças de nossos corpos, segundo aquelas palavras: “Não temam, pois vocês são melhores que muitos pássaros”.»
São João Crisóstomo: «Depois de o Senhor dissipar o temor que tanto angustiava a alma de seus discípulos, volta de novo para lhes dar forças com as coisas que hão conseguir; não somente lhes desvanece todo temor, como os eleva, com a segurança de maiores recompensas, na liberdade de pregar a verdade, dizendo: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, quem me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu Pai que está nos céus”.»
Santo Hilário: «Esta é a conclusão do que precede: quem estiver firme nesta doutrina deve ter a perseverança de confessar livremente a Deus.»
São João Crisóstomo: «E não somente exige a confissão mental, mas também a oral, a fim de que nos anime a uma intrépida pregação e a um amor maior, fazendo-nos superiores a nós mesmos. E estas palavras não se dirigem somente aos Apóstolos, mas sim a todos os homens em geral, porque, não só aos Apóstolos, mas também a seus discípulos dá a fortaleza. E quem observa isto agora, não só terá a graça de falar em público, mas também terá a de convencer com facilidade a um grande número, porque pela obediência a sua palavra tem feito de muitos homens apóstolos.»
V. CATECISMO DA IGREJA
1816 O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: “Todos devem estar prontos a confessar Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu Pai que está nos céus” (Mt 10,32-33).
2145 O fiel deve testemunhar o nome do Senhor, confessando sua fé sem ceder ao medo. O ato da pregação e o ato da catequese devem estar penetrados de adoração e de respeito pelo nome de Nosso Senhor, Jesus Cristo.
2471 Diante de Pilatos, Cristo proclama que “veio ao mundo para dar testemunho da verdade”.O cristão não “se envergonha de dar testemunho do Senhor” (2 Tm 1,8). Nas situações que requerem a declaração da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, a exemplo de S. Paulo diante de seus juizes. Ele deve manter “uma consciência irrepreensível, constantemente, diante de Deus e diante dos homens” (At 24,16).
2472 O dever dos cristãos de tomar parte na vida da Igreja leva-os a agir como testemunhas do Evangelho e das obrigações dele decorrentes. Esse testemunho é transmissão da fé em palavras e atos. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou dá a conhecer a verdade:
Todos os cristãos, onde quer que vivam, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, devem manifestar o novo homem que pelo Batismo vestiram e a virtude do Espírito Santo que os revigorou pela confirmação.
2473 O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza. “Deixai-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido chegar até Deus[1].”
2474 Com o maior cuidado, a Igreja recolheu as lembranças daqueles que foram até o fim para testemunhar a fé. São as “Atas dos Mártires” (Acta Martyrum). Constituem os arquivos da Verdade escritos em letras de sangue:
De nada me servirão os encantos do mundo e dos remos deste século. Melhor para mim é morrer (para me unir) a Cristo Jesus do que reinar até as extremidades da terra. É a Ele, que morreu por nós, que eu procuro; é a Ele, que ressuscitou por nós, que eu quero. Aproxima-se o momento em que serei gerado… .
Eu vos bendigo por me terdes julgado digno desse dia e dessa hora, digno de ser contado no número dos vossos mártires… Guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade. Por essa graça e por todas as coisas, eu vos louvo, vos bendigo e vos glorifico pelo eterno e celeste sumo sacerdote, Jesus Cristo vosso Filho bem-amado. Por Ele, que está convosco e com o Espírito, vos seja dada glória, agora e por todos os séculos. Amém.
VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE
«As contradições e a oposição desse mundo que se oculta sob a escura sombra da cultura de morte são esperadas. Não nos assombremos porque ocorrem. Pensemos, em vez disso, no Reconciliador que nos diz claramente: “O discípulo não é mais que o mestre” (Mt 10,24), e bem sabemos como foi tratado o Senhor Jesus. Precisamente por isso diz, com a lógica que nos convida a aprender: “Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim.” (Mt 5,11). Essa não é a lógica do mundo submetido a uma crescente secularização, cuja ressonância ensurdece os ouvidos e cuja escuridão cega a vista. É a lógica da fé, da vida, da entrega, do amor! Por isso, várias vezes o Senhor convida a não ter medo!, e com todo realismo, aberto plenamente ao horizonte da esperança e da verdade, diz-nos: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo.” (Jo 16,33).
»Como a Virgem Maria, que tudo guardava e levava maravilhada em seu interior, no coração, e meditava (ver Lc 2,19), temos que fazer o mesmo, aprofundando no mistério imenso, infinito, do amor que se revela no Senhor Jesus, Caminho, Verdade e Vida (ver Jo 14,6). Assim… vocês não se deixarão levar pelo desânimo nem pelo desalento, mas sim pela Parrésia[2], pela fortaleza, pela alegria e pela perseverança, nutridas pela convicção de que somente no Senhor Jesus a vida humana encontra sentido e que Sua luz ilumina os caminhos do mundo para que possamos percorrê-los realizando a missão de cada um, com a consciência do horizonte definitivo a que nos leva o peregrinar nesta terra.
»Nunca se deve esquecer que “o primeiro campo de apostolado sou eu mesmo”. Se esquecemos que a evangelização é um processo de irradiação esquecemos algo fundamental. Assim, pois, o convite para viver o processo de amorização, “Por Cristo a Maria, e por Maria mais plenamente ao Senhor Jesus”, é o caminho para libertar-se das rupturas que ferem o interior, para viver a dinâmica da reconciliação, com todas as suas exigências, e para anunciar ao Senhor Jesus, como pedia o Papa em Santo Domingo há alguns anos, a partir da própria experiência de encontro e comunhão.
»“Remar mar adentro” é a chave evangélica que o Papa João Paulo II põe diante dos filhos da Igreja frente ao século que está começando. “Remar mar adentro”, sem temores, plenos de esperança e caridade, com o olhar atento ao horizonte que ilumina o peregrinar. “Remar mar adentro” com visão ao futuro, com a firme decisão de seguir ao Senhor pelo caminho que Ele chama a cada um, com a aspiração a cumprir sempre o divino Plano e contribuir à construção da ‘Civilização do amor’.»
«Sabemos muito bem o que significa seguir o Senhor e anunciá-lO em um mundo submerso na escuridão da cultura de morte. Nesse mundo não só muitos fazem ouvidos surdos ao anúncio, enquanto outros, mesmo dizendo escutá-lo, costumam recortar e selecionar partes da mensagem, construindo, assim, sua própria versão subjetivista da Mensagem Salvífica, esfriando o seu ardor, como também, como foi claramente ensinado pelo Senhor, a perseguição e a falsidade caem como ofensa lançada pelos incrédulos a quem se atreve, cheio de parrésia, a anunciar ao Senhor, com a nova vida recebida através do Paráclito, sob a guia dos Pastores, e sempre unidos em filial obediência ao Vigário de Cristo na terra. Manter acesa a tocha da fé no mundo ferido pela cultura de morte e envolto em sua escuridão, constitui um chamado a todo batizado, que deve ser sempre consciente de que a vitória que vence o mundo é nossa fé. Diante dos obstáculos que se possam apresentar tem-se que recordar bem as palavras do Apóstolo Paulo: Tudo posso naquele que me conforta (Fl 4,13). Alguém pode esquecer esta visão que alimenta o ardor e deixar-se tomar pelo medo, possivelmente disfarçado de moleza. Mas, precisamente o Santo Padre vem recordando com insistência que se tem que escutar a Deus que convida a não ter medo, a não acovardar-se. Pelo contrário, tem-se que acolher o sopro do Espírito que impulsiona a elevar bem alto a insígnia da esperança e a confiar sempre nas promessas do Senhor».
«A vida da Mãe se apresenta como a de quem triunfou em seu caminhar de peregrina, e o tem feito de tal maneira que seu testemunho ilumina toda peregrinação na fé. Ela soube sempre manter-se firme no motivo de toda esperança, acreditando, vivendo e dando testemunho do Evangelho (ver 1Cor 15,1), na razão de sua firmeza, no Senhor (ver Fl 4,1). Consciente do dom de sua eleição singular, da magnitude de sua vocação, a Mãe cooperou com todo o seu existir com a graça, perseverando com reverente fidelidade até o final da corrida (ver Fl 3,13-14). Diante das adversidades, diante dos momentos difíceis, diante da magnitude do mistério que a ultrapassava (ver Lc 4,41-50), quando havia zombaria e agressão (ver Mc 3,21), em meio às incompreensões (ver Mt 13,53-58), Maria é a Virgem Fiel que persevera com toda coerência até chegar ao triunfo final (ver Mt 10,22). Ela é terno alento do que significa fazer-se forte com a força que vem de Deus pelo Senhor Jesus (ver Jo 15,5; 2Cor 13,3; Fl 4,13; 2Tm 4,17). Nossa Mãe se nos apresenta como quem, por excelência, gostou da “ doçura da palavra de Deus e da força do mundo futuro” (Hb 6, 5), e se deixou possuir por ela, e a expressa com toda a coerência no anúncio e em sua fidelidade perseverante. Ela contrasta com aqueles que desprezam os dons recebidos; sua experiência de luminosa fidelidade aparece como exigente mas também terno e alentador paradigma cristão.»
Não ter medo de sair da escuridão,
Abrir os olhos à luz de Cristo, e anunciá-lO a toda a humanidade.
Cristo até quase o final de sua vida não se mostrava com seu poder, pois não podiam compreendê-lo. Entretanto, seus discípulos, os que escutavam cotidianamente suas palavras, e aos quais eram explicadas as parábolas que Jesus contava aos outros, estes sim estavam chamados a falar abertamente a Verdade de Cristo, pois nada permanecia oculto para eles. Portanto, não podiam ser hipócritas, quer dizer, por um lado acreditar em Cristo, e por outro, viver e proclamar outra vida diante dos homens. O que Cristo parece que diz veladamente aos judeus incrédulos, pede-nos que falemos claramente, pregando para todos as verdades de Cristo, nosso Senhor. O que Jesus dizia a seus discípulos veladamente, pede-nos que o proclamemos com mais clareza.
Jesus os convida a não ter medo dos que os perseguem (especialmente depois da morte de Jesus), pois todas as maldades que possam lhes fazer, serão esclarecidas e julgadas pelo próprio Cristo no tempo futuro. Tudo o que estiver escondido sairá à luz. Tudo o que está “oculto” em nossos corações será manifestado. Por isto, nossa confiança deve estar muito bem posta em nosso Senhor, que julgará a cada um segundo suas ações no dia do julgamento.
Mais importante que nosso corpo é nossa alma, por isso o medo que devemos ter é de quem mata a nossa alma…Mesmo assim não devemos e não necessitamos temer, pois Cristo nos conhece e está sempre velando por nós, ao nosso lado. Só nos pede que O declaremos, como verdadeiros Cristãos, e atuemos como tais perante os outros. Pois Cristo será por nós diante do Pai, se formos por Ele diante dos outros.
Cristo manifesta assim, que necessita nossa cooperação. Necessita nossa voz para proclamar. Nosso testemunho para converter. Mostrar seu triunfo sobre a morte e o pecado, que são escuridão. Não ter medo perante o príncipe das trevas. Não ter medo dos principados e das potestades do mal, posto que nunca nos abandonará, nunca nos deixará sozinhos. Ao dizer que até nossos cabelos estão contados, mostra o imenso zelo que tem conosco.
Uma vez dissipados os temores, alenta-os à pregação. Se estiver com Cristo, não devo temer a confissão clara da sua Verdade. Confessar Cristo diante dos homens dá-nos a graça de Cristo se declarar por nós ao Pai que está nos céus. No fundo o que o Senhor quer dizer é que sem a confissão de boca – que faz referência ao nosso apostolado, e portanto, à certeza e fé que temos no Senhor – não somos dignos da Salvação. Palavras duras, mas cheias de esperança para os que não têm medo de proclamar as bondades de Jesus Cristo, nosso Senhor.
[1] Santo Inácio de Antioquia.
[2]De “parrhesia” = Fazer com confiança afirmações arriscadas; atrevimento oratório; simplicidade sem rodeios, confiança filial, jovial segurança, audácia humilde, certeza de ser amado. (cf CIC 2778)