XVI – DOMINGO DO TEMPO COMUM – De onde veio o joio?

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I. A PALAVRA DE DEUS

Sab 12,13.16-19: “Tu concedes o perdão aos pecadores”

Não há, além de ti, outro Deus que cuide de todas as coisas
e a quem devas mostrar que teu julgamento não foi injusto.
A tua força é princípio da tua justiça,
e o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente.
Mostras a tua força a quem não crê na perfeição do teu poder;
e nos que te conhecem, castigas o seu atrevimento.
No entanto, dominando tua própria força, julgas com clemência
e nos governas com grande consideração:
pois quando quiseres, está ao teu alcance fazer uso do teu poder.
Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano;
e a teus filhos deste a confortadora esperança
de que concedes o perdão aos pecadores.

Sal 85,5-6.9-10.15-16: “Senhor, vós sois bom e clemente”

Ao Senhor, vós sois bom e clemente,
sois perdão para quem vos invoca.
Escutai, ó Senhor, minha prece,
o lamento da minha oração!

As nações que criastes virão
adorar e louvar vosso nome.
Sois tão grande e fazeis maravilhas:
vós somente sois Deus e Senhor!

Vós, porém, sois clemente e fiel,
sois amor, paciência e perdão.
Tende pena e olhai para mim!
Confirmai com vigor vosso servo.

Rom 8, 26-27: “O Espírito vem em socorro de nossa fraqueza”

Irmãos,

Também, o Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis.

E aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito. Pois é sempre segundo Deus que o Espírito intercede em favor dos santos.

MT 13, 24-43: “Senhor, quer que vamos arrancar o joio?”

Naquele tempo: Jesus contou outra parábola à multidão:

–«O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram:

“Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? De onde veio então o joio?”

O dono respondeu:

“Foi algum inimigo que fez isso”.

Os empregados lhe perguntaram:

“Queres que vamos arrancar o joio?”

O dono respondeu:

“Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo:

Arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!”

Jesus contou-lhes outra parábola:

–«O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos.»

Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola:

–«O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado.»

Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta:

«Abrirei a boca para falar em parábolas;
vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo».

Então Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram:

–«Explica-nos a parábola do joio!»

Jesus respondeu:

–«Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifadores são os anjos.

Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: o Filho do Homem enviará os seus anjos e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; e depois os lançarão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça».

II. COMENTÁRIOS

O Evangelho deste Domingo traz três comparações, todas relativas ao Reino dos Céus. A que se refere o Senhor com “o Reino dos Céus”? Os judeus não pronunciavam o nome de Deus, substituindo-o normalmente por alguma metáfora. O Senhor Jesus fala em uma linguagem própria de seu tempo e cultura. A palavra “Céus” substitui Aquele que habita nos Céus, quer dizer, Deus. A expressão “o Reino dos Céus” portanto equivale a dizer o Reino de Deus.

O reinado de Deus sobre seu povo é o tema central da pregação do Senhor Jesus, que desde o início proclama a todos: «Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus» (Mt 4,17). Este era também o núcleo da pregação do precursor, João Batista: « Arrependei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo » (Mt 3,2; 4,17). Jesus Cristo é quem inaugura na terra o Reino dos Céus e o faz reunindo os homens em torno de si: «Esta reunião é a Igreja, que é sobre a terra “o germe e o começo deste Reino”» (Catecismo da Igreja Católica, 567).

Depois de séculos de servidão, Israel esperava um Messias, um rei que em nome de Deus governaria novamente seu povo e, através dele, todas as nações. Este reinado — assim se pensava — chegaria de um momento para outro graças à intervenção poderosa de Deus e de seu Messias (ver Dan 2,28s). O Messias seria um caudilho[1] político-militar, vitorioso e glorioso.

O Senhor Jesus se contrapõe a essa concepção quando, por meio das parábolas, fala às pessoas das características e da manifestação do verdadeiro Reino de Deus. Neste Reino misterioso, que o Senhor Jesus veio instaurar já na terra, os maus coexistirão com os bons assim como o trigo e o joio coexistem em um mesmo campo até o tempo da colheita. Para o judaísmo esta coexistência do bem e do mal no Reino que Deus instauraria nos tempos messiânicos era absolutamente impensável. No conceito dos judeus o Messias que teria que vir não só eliminaria os inimigos de Israel, mas também realizaria uma purificação total de todo mal.

Semear sementes de joio no campo alheio era uma ofensa típica entre agricultores, considerada até pela lei romana. Deve-se notar que aquele joio não se distinguia claramente do trigo, até o momento de dar a espiga. Para o olho pouco treinado, o joio se confundia com o trigo por sua semelhança.

Ao notar que junto ao trigo cresceu também o joio os trabalhadores foram ao dono para lhe dizer: «Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? De onde veio então o joio?» O dono responde que foi um inimigo que fez isso.

Desse modo o Senhor Jesus responde à pergunta do mal no mundo. Afirma que o mal que existe, que está presente e atua no campo do mundo e da história dos homens, não vem de Deus que só semeou a boa semente, que fez tudo bom (ver Gen 1,31). O mal porém, vem de seu “inimigo” e de seus seguidores: «o joio são os partidários do Maligno; o inimigo que o semeia é o Diabo». O mal no coração do homem e no mundo é consequência de um mau uso da liberdade por parte do ser humano, que antes de escutar a Deus preferiu escutar a voz do inimigo de Deus e fazer o que este lhe sugeria. Esta desobediência e rejeição de Deus é a causa de o joio ter germinado na vida das pessoas e na história da humanidade.

Os servos sugerem arrancar o joio para libertar imediatamente a planta boa do influxo mau do joio. Mas as instruções do dono do campo são outras: deixar que coexistam umas e outras até o tempo da ceifa. Então será feita a separação. Embora o mal não seja querido por Deus, é tolerado por Ele, para que por acaso não se arranque o trigo também.

A primeira leitura e o salmo lançam luzes sobre a razão misteriosa desta tolerância divina: Deus é «bondoso e compassivo; lento para a ira, cheio de clemência e fidelidade» (Sal 85,15). Por essa misericórdia «depois do pecado, dá lugar ao arrependimento», convida à conversão, faz todo o possível para que o joio se transforme em trigo. Deus não quer que ninguém se perca, por isso está sempre esperando o filho arrependido para lhe conceder o perdão, para lhe oferecer o dom da reconciliação e lhe dar uma vida nova por seu Filho Jesus Cristo. Em resumo, o Senhor «usa de paciência conosco, não querendo que alguns pereçam, mas sim que todos cheguem à conversão» (2Pd 3,9).

Para a libertação definitiva do mal deve-se esperar até o fim do mundo, quando os agentes da iniquidade que não se arrependeram serão separados dos justos e serão jogados no forno aceso, enquanto os Santos resplandecerão como o sol no reino do Pai.

Quanto ao início e desenvolvimento do Reino dos Céus o Senhor afirma que seria humilde e silencioso, tal qual o desenvolvimento de uma pequeníssima semente de mostarda, semente de aproximadamente um ou dois milímetros de diâmetro. Também isto ia contra a expectativa que se formara em torno da manifestação do Reino dos Céus, que tinha que ser súbita e espetacular, em meio a fulgores e anunciando-se com trompetistas. Segundo o Senhor, seu crescimento e difusão seria lenta, embora teria que alcançar todos os limites da terra, do mesmo modo que a levedura fermenta toda a massa. Seu lento crescimento e desenvolvimento teria que durar até o fim dos tempos, quando Cristo glorioso voltará para julgar ao mundo.

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

«Senhor, não semeou boa semente em seu campo? De onde saiu o joio?» Aquela pergunta que os servos dirigem a seu Senhor naquela parábola não deixa de ressoar também em nossos dias: “Se Deus criou tudo, por que existe o mal no mundo? Se é bom, por que permite o mal, o sofrimento, a dor?” São perguntas lacerantes que nos lançam tantas vezes quem ao experimentar a amargura da dor não encontra sentido para seu sofrimento, para a morte de um ser querido, para o mal que experimentam, para a enfermidade incurável, para a pobreza extrema, etc.

Por meio da parábola do trigo e do joio o Filho de Deus afirma que Deus não jogou no mundo semente alguma de mal mas este entrou no mundo por ação de seu inimigo, o diabo.

No livro do Gênesis isto está claro: quando Deus criou o mundo, tudo era bom (ver Gen 1,31). O mal entra no mundo pelo livre assentimento e cooperação que o ser humano prestou e continua prestando dia a dia ao Maligno e a suas sugestões (ver Gen3,1ss; Rom 5,12). Sim! Cada um de nós, você e eu, por esse livre assentimento às sugestões do Maligno somos também hoje responsáveis pelo mal que existe no mundo! Não sou inocente: cada vez que eu escolho livremente fazer o mal, contribuo para que o mal no mundo aumente.

Se diante desta situação Deus é indulgente, se tolera o mal no mundo, faz isso não porque não ligue para o mal e para a maldade que tanto nos maltratam e nos fazem sofrer, mas para dar lugar ao arrependimento (Sab 12,19), ao nosso e ao de muitos.

Essa indulgência de Deus não é uma espera descuidada, como quem fica só olhando de longe: Cristo é a resposta comprometida de Deus ao mal no mundo! Ele é Deus que se encarna, Deus que se faz solidário, Deus que se faz um como um de nós para carregar com nossas fraquezas, Deus que por amor se expõe ao mal e sofre o inexprimível na Cruz, Deus que triunfa sobre o mal com sua morte, ressurreição e ascensão! Em Cristo, o Filho amado do Pai, Deus definitivamente afirma: «Que me restava ainda fazer à minha vinha que eu já não tenha feito?» (Is 5,4).

Depois de tudo o que Deus tem feito e continua fazendo por mim, cabe agora perguntar-me: Como eu respondo? Que sementes eu acolho em meu coração? As que Cristo semeia ou as que pulveriza o Maligno? Me esforço por vencer o mal com o bem (ver Rom 12,21)? Ou contribuo com o mal do mundo consentindo o mal em minha mente, em meu coração e em minha ação?

Para poder nos abstermos do mal e fazer o bem a primeira coisa que devemos fazer é examinar, identificar e distinguir entre o que é bom e o que é mau: «Examinar tudo e ficar com o que é bom» (cf 1Tes 5,21-22). Tarefa muito difícil hoje em dia, quando tantos submersos em muito relativismo «chamam o mal de bem, e o bem de mal»! (Is 5,20) O joio, para quem não tem o olho treinado, confunde-se facilmente com o trigo, e assim acontece com o mal: apresenta-se sempre com aparência de bem, como algo que “é bom para ti”. Mais detrás da apetecível isca de peixe, encontra-se sempre o anzol que leva a morte. Para não nos deixarmos enganar por quem é o pai da mentira, é necessário nos habituarmos a examinar todo pensamento que vem à nossa mente e todo sentimento que surge no coração à luz dos ensinamentos divinos.

Tenha em conta que o critério para julgar se algo é bom ou mau nunca pode ser: “o que eu mais gosto”, “o que me faz sentir melhor”, “o que me parece”, “o que todos fazem”, ou outro semelhante. Não! Não é um critério ditado pelas modas de pensamento, pelas próprias opiniões, pelas democracias[2], pelos caprichos, pelos sentimentos ou sensações do momento que te ajudará a distinguir entre o bem e o mal. Só um critério objetivo pode nos libertar do relativismo e do subjetivismo, do engano no qual facilmente podemos ser envoltos. Esse critério objetivo nós encontramos no que Deus, profundo conhecedor do coração humano, nos ensina. Quando o mal se apresentar diante de você com a aparência de bem, aferre-se ao ensinamento divino. Cristo mesmo utiliza esse modo de discernimento quando se encontra diante das tentações no deserto (ver Lc 4,1ss).

Para saber discernir acertadamente é necessário aprofundar cada dia mais no conhecimento da Escritura. Desse modo você irá nutrindo-se dos critérios divinos, para que discernindo corretamente, possa também, com a graça divina, agir corretamente.

IV. PADRES DA IGREJA

São Jerônimo: «Há ocasiões para fazer penitência; e nos é aconselhado que não façamos perecer em seguida nossos irmãos; porque pode ocorrer que algum que esteja hoje manchado com algum dogma herético, amanhã se arrependa e comece a defender a verdade: “Não, pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo”».

Santo Agostinho: «Ou também se arrancam ao mesmo tempo o trigo e o joio, porque há muitos que a princípio são joio e depois se fazem trigo. Se não sofres com paciência em suas mãos quando são maus, não se consegue que mudem de costumes; e se fossem arrancados nesse estado, arrancar-se-ia ao mesmo tempo o que com o tempo e o perdão teria sido trigo. Por isso nos previne o Senhor que não façamos desaparecer desta vida essa classe de homens, não seja que por tirar a vida dos maus tiremos a vida dos que possivelmente teriam sido bons, ou prejudiquemos os bons, a quem, na sua avaliação, podem ser úteis».

São Jerônimo: «Mas parece que esta doutrina contradiz aquele preceito: “Tirem o mal de entre vós” (1Cor 5,13); porque efetivamente se se proíbe arrancar o joio, e se manda conservá-lo até a ceifa, de que modo se tem que tirar de entre nós certos homens? Mas não há ou é muito pouca a diferença entre o trigo e o joio, chamado vulgarmente de cizânia, planta que quando ainda está em estado de erva e seu caule não está coroado de espiga, é muito parecida com o trigo. Por esta razão o Senhor nos adverte para que não façamos nossa avaliação sem um minucioso exame sobre as coisas duvidosas, mas deixemo-las para o julgamento de Deus, a fim de que o Senhor arranque, no dia do julgamento, de entre os Santos, não os que suspeitamos que são criminosos mas os que então serão bem manifestos».

Santo Hilário: «Depois que o grão foi lançado no campo (quer dizer, quando o Salvador caiu em poder do povo e foi entregue à morte, foi enterrado como no campo, e seu corpo como que semeado), cresceu mais que o caule de todos os frutos, e excedeu à glória de todos os profetas. Como uma espécie de hortaliça a pregação dos profetas foi dada à enferma Israel. Mas agora, as aves do céu habitam os ramos da árvore. Quer dizer, entendemos por ramos da árvore os apóstolos estendidos pelo poder de Cristo, e dando sombra ao mundo, voarão para todas as nações para achar a vida e, maltratados pelos furacões — isto é, pelo espírito e pelas tentações do diabo —, nos ramos dessa árvore encontrarão o descanso».

São João Crisóstomo: «“O reino dos céus é semelhante ao fermento”. É como se dissesse: como o fermento muda substancialmente a farinha, assim também vós mudareis todo o mundo. E reparem aqui a prudência de Cristo: apresenta como exemplo uma coisa natural, a fim de nos fazer ver que assim como é impossível que não se verifique essa mudança, assim também é impossível que não aconteça o outro. O senhor não disse simplesmente: “Que pôs”, mas sim “esconde”; que é como se tivesse dito: da mesma maneira vós, depois que tiverem estado submetidos a seus inimigos, triunfarão sobre eles. E assim como o fermento se vai corrompendo mas não se destrói, e pouco a pouco muda toda a massa em sua própria natureza, assim acontecerá em sua pregação. Não temam a vinda sobre vós das muitas perseguições que lhes anunciei. Elas lhes servirão para que brilhem mais e triunfareis de todas».

V. CATECISMO DA IGREJA

Cristo inaugura o Reino dos Céus

  1.  «Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia. Aí proclamava a Boa-Nova da vinda de Deus, nestes termos: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na Boa-Nova!”» (Mc 1, 14-15). «Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos céus» (LG[3] 3). Ora a vontade do Pai é «elevar os homens à participação da vida divina» (LG 2). E fá-lo reunindo os homens em torno do seu Filho, Jesus Cristo. Esta reunião é a Igreja, a qual é na terra «o germe e o princípio» do Reino de Deus» (LG 5).
  2.  Jesus acompanha as suas palavras com numerosos «milagres, prodígios e sinais» (At 2,22), os quais manifestam que o Reino está presente n’Ele. Comprovam que Ele é o Messias anunciado (ver Lc 7, 18-23).

Por que existe o mal no mundo?

  1.  Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas criaturas, porque é que o mal existe? A esta questão, tão premente como inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à qual as criaturas livres são de antemão convidadas a consentir, mas à qual podem, também de antemão, negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal.

311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu último destino por livre escolha e amor preferencial. Podem, por conseguinte, desviar-se. De fato, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal moral, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum, nem direta nem indiretamente, causa do mal moral. No entanto, permite-o por respeito pela liberdade da sua criatura e misteriosamente sabe tirar dele o bem:

  1.  Assim, com o tempo, é possível descobrir que Deus, na sua oni­potente Providência, pode tirar um bem das consequências de um mal (mesmo moral), causado pelas criaturas: «Não, não fostes vós – diz José a seus irmãos – que me fizestes vir para aqui. Foi Deus. […] Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus aproveitou-o para o bem […] e um povo numeroso foi salvo» (Gn, 45, 8; 50, 20). Do maior mal moral jamais praticado, como foi o repúdio e a morte do Filho de Deus, causado pelos pecados de todos os homens, Deus, pela superabundância da sua graça, tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a nossa redenção. Mas nem por isso o mal se transforma em bem.
  2.  Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. No entanto, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males da natureza – que aparecem como ligados aos limites próprios das criaturas –, e sobretudo à questão do mal moral. De onde vem o mal? «Procurava a origem do mal e não encontrava solução», diz Santo Agostinho (Conf. 7, 7.11). A sua própria busca dolorosa só encontrará saída na conversão ao Deus vivo. Porque «o mistério da iniquidade» (2 Ts 2, 7) só se esclarece à luz do «mistério da piedade» (2 Tes 2, 7). A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça (ver Rom 5, 20). Devemos, portanto, abordar a questão da origem do mal, fixando o olhar da nossa fé nAquele que é o seu único Vencedor.

681No dia do Juízo, no fim do mundo, Cristo virá na sua glória para completar o triunfo definitivo do bem sobre o mal, os quais, como o trigo e o joio, terão crescido juntos no decurso da história.

O diabo, inimigo de Deus

2851. Nesta petição, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O «Diabo» («dia-bolos») é aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação» realizada em Cristo.

2852. «Assassino desde o princípio, […] mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), «Satanás, que seduz o universo inteiro» (Ap 12, 9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo, e é pela sua derrota definitiva que toda a criação será «liberta do pecado e da morte». «Sabemos que ninguém que nasceu de Deus peca, porque o preserva Aquele que foi gerado por Deus, e o Maligno, assim, não o atinge. Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sujeito ao Maligno» (1 Jo 5, 18-19):

«O Senhor, que tirou o vosso pecado e perdoou as vossas faltas, tem poder para vos proteger e guardar contra as insídias do Diabo que vos combate, para que não vos surpreenda o inimigo que tem o hábito de engendrar a culpa. Mas quem a Deus se entrega não tem medo do Diabo. Porque “se Deus está conosco, quem será contra nós?”(Rm 8, 31)».

Trigo e joio na Igreja e no coração de cada um

  1.  «Enquanto que Cristo, santo e inocente, sem mancha, não conheceu o pecado, mas veio somente expiar os pecados do povo, a Igreja, que no seu próprio seio encerra pecadores, é simultaneamente santa e chamada a purificar-se, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e renovação». Todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos. A Igreja reúne, pois, em si, pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação.

VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODÁLITE

Deus chamou a cada um de nós por nosso nome, ungiu-nos e nos enviou, nos fazendo participantes da missão de seu Filho amado. Temos também hoje em nós a força do Espírito e experimentamos o dinamismo expansivo da Boa Nova: não podemos conter seu anúncio! Arde em nosso coração um fogo que precisa comunicar-se e expandir-se inflamando outros corações com o anúncio do Evangelho, procurando ganhá-los para o Senhor com o testemunho de uma vida que, levando o Senhor profundamente em si, irradia-O apenas com sua presença. Isso não pode ser expresso senão na crescente coerência com que vivermos o Evangelho que pregamos na nossa vida cotidiana. Por isso a semente da Boa Nova espera e precisa ser acolhida por nós mesmos cada dia, pois está chamada a germinar e dar frutos de conversão e santidade em mim, para que desse modo possa anuncia-la de modo acreditável e convincente a todas as pessoas com as quais diariamente me encontre. Jamais podemos esquecer que a evangelização do mundo inteiro passa através de nossa própria santidade, só é possível na medida em que cada um saiba acolher o Espírito divino em si deixando-se transformar por seu dinamismo de amor! Não esqueçamos que ninguém dá o que não tem: nenhum de nós poderá transmitir o Senhor se não levá-lO dentro de si, se cada dia não Lhe abrir a porta de seu coração e se encontrar com Ele. Se o fogo do amor do Senhor não arder em nossos corações, como poderemos inflamar outros corações, como poderemos inflamar o mundo inteiro?

O Senhor nos convida, em companhia de Santa Maria e unidos a Ela na oração, a dispor nossos corações para acolher o dom do Espírito e por seu impulso poder anunciar o Ressuscitado com aquele mesmo zelo com o que o anunciaram os primeiros apóstolos, um zelo que os impulsionou a levar o Nome do Senhor a todos os limites da terra.

[1] Caudilho – líder político militar no comando de uma força autoritária

[2] Democracia – regime onde as coisas são decididas pelo voto e a decisão da maioria.

[3] LG – Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II – Lumen Gentium sobre a Igreja

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