A mão direita do Papa está engessada

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Tradicionalmente, a mão direita é tida como a mão bondosa, delicada, como aquela que produz gestos ternos, carinhosos, aquela de onde surge o afago suave ou a carícia necessária num momento de tristeza. É a mão misericordiosa e sempre transparente. Por outro lado, a mão esquerda é aquela que busca atalhos, que ás vezes parece agressiva, calculadora, impetuosa, é aquela que às vezes parece fazer-nos sofrer. Olhando para Jesus e o modo como trata as pessoas e como trata a cada um de nós, muitas vezes pensamos que está usando a mão esquerda quando nos deixa sofrer ou “nos faz passar” por dificuldades ou também experimentamos sua mão direita quando nos enche de carícias e de afagos fraternos e misericordiosos. As duas mãos são necessárias. Ele sabe quando usar uma e quando a outra. Às vezes precisamos mais da esquerda do que da direita.

Pois bem, o Papa, dias atrás, fraturou a mão direita. Justamente nos dias que tinha separado para o descanso e para escrever suas reflexões pessoas, especialmente a segunda parte do livro “Jesus de Nazaré”, ficou quase impossibilitado de utilizar essa mão. Até ganhou de presente um computador portátil para poder seguir registrando suas reflexões! Mas Bento XVI parece gostar mais das coisas tradicionais e conseguiu um gravador menos complicado onde possa depositar suas palavras. As reflexões não vão parar.

A mão direita do Papa, porém, está ferida, mas isso não significa que sua mensagem de paz e reconciliação não chegue a lugares insuspeitados. É o caso na Encíclica “Caridade na Verdade” que viemos comentando e que tal vez os leitores de “Mensagem da Igreja” já “baixaram” da internet ou compraram. A terceira encíclica do Papa vem sendo aclamada pelas mais variadas personalidades da vida política, social e filosófica. Ministros, sociólogos, pensadores, diplomatas, entre outros, estão percebendo que aquilo que surgiu da mão direita do Santo Padre e que propõe a vivência e o anúncio da caridade verdadeira como o motor e impulso do verdadeiro desenvolvimento humano é uma proposta iluminadora, nova e questionadora diante de um sistema econômico áspero e injusto que ignora as tragédias da miséria, da fome, o analfabetismo, a mortalidade infantil, as desigualdades, as guerras entre pobres, o tráfico de seres humanos e a droga, entre muitas outras tragédias da grande lista de “demissões” do ser humano. A encíclica manifesta o que parece obvio: só a Igreja é capaz de pedir uma economia à medida do homem e dar também voz aos marginados da terra; assim como ao imperativo da igual dignidade de todos os homens e mulheres que peregrinam pela terra. É a mão direita do Papa falando, mas também é a esquerda se manifestando, questionando, instigando, aproveitando as fendas da escura armadura com a que muitos corações blindaram a entrada para a graça e a verdade do Evangelho.

O Papa, contam os que o acompanham nestes dias de descanso, está bem, de bom humor, e continua aprendendo a viver com o pulso engessado. Após o acidente, afirmava ontem o Padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, o Papa “suporta com serenidade e paciência as consequências de sua fratura no pulso, que modificam notavelmente sua atividade pessoal; porém, o acidente não modificou seu costume de dar pequenos passeios após o almoço e no final da tarde”.

Bento XVI está tranqüilo. Sabe que, embora tenha a mão direita engessada, suas palavras cumprem com o objetivo de levar luz e calor, mas também questionar e mexer com a inteligência e o coração das pessoas que buscam com sinceridade respostas duradouras para suas vidas e para o mundo em crise no qual vivemos.

Pe. Andrés E. Machado, SCV

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