Caminho para Deus 227 – Por que a fé produz tantos questionamentos?

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Conta-se que Santo Agostinho, tentando compreender o mistério da Santíssima Trindade, caminhava um dia pela praia quando foi testemunha de um fato que lhe chamou a atenção.  Um menino tinha cavado um buraco na areia e tentava enchê-lo com a água do mar. Santo Agostinho perguntou ao menino o que pretendia fazer, e o pequeno lhe explicou que queria transladar toda a água do oceano para o buraco.  O santo quis explicar ao menino que o que estava pretendendo fazer era impossível, mas esse não demorou em responder-lhe que ainda mais impossível era para o homem compreender o mistério da Santíssima Trindade.

É uma experiência muito comum, inclusive para pessoas com um longo caminho intelectual e espiritual, que a fé produza uma série de questionamentos.  É natural, tanto no âmbito da religião como em muitos outros assuntos, que as pessoas se questionem e se perguntem a respeito da realidade que os rodeia.  Muitas das coisas que sabemos, muitos inventos e progressos tecnológicos que hoje conhecemos, tiveram em sua origem um questionamento que impulsionou determinadas pessoas a procurar uma resposta.

O homem é um buscador da verdade e a atitude de indagar, de investigar, que nos caracteriza não desaparece quando se trata de temas de fé. É justamente o contrário, as perguntas brotam com toda naturalidade.  Entretanto aqui temos que considerar algo muito importante: a fé é meta-racional.  O que significa isto?  Quer dizer que a fé está além da razão.  Isto não significa que a fé seja irracional, nem que seja contrária à razão.  O que significa é que o mistério de Deus supera amplamente a capacidade do homem de compreendê-lo em sua totalidade.  Essa foi, precisamente, a lição que aprendeu Santo Agostinho em seu encontro com o menino.

O mistério de Deus, explicava Bento XVI, «não é irracional, mas superabundância de sentido, de significado, de verdade. Se, olhando para o mistério, a razão vê obscuridade, não é porque no mistério não haja luz, mas sobretudo porque há demasiada. Assim como quando o olhar do homem se volta diretamente para o sol, só vê trevas; mas quem diria que o sol não é luminoso, aliás, a fonte da luz?[1]».  A fonte da luz supera a capacidade do olho humano.

Entretanto Deus, que é a própria fonte, fez-se claramente visível aos olhos humanos ao fazer-se homem como nós.  Por isso conhecer Jesus Cristo e o que Ele revelou é conhecer o mistério de Deus.

A razão pode nos levar pelo caminho correto, mas tem um limite.  Por isso necessitamos também da fé.  «A fé constitui um estímulo a procurar sempre, a nunca parar nem se contentar com a descoberta inesgotável da verdade e da realidade[2]».

Questionamentos que não buscam a verdade

Hoje se questiona e critica muito quem se apóia na fé que ensina a Igreja.  Estas pessoas costumam receber muita pressão de seu meio social, laboral, e em alguns casos até mesmo no seio familiar.

Nestes casos as críticas e questionamentos não brotam tanto de um desejo sincero de compreender e acreditar mas sim de uma série de idéias e prejulgamentos que fecham o coração à fé.

Por exemplo, há uma ideia que está muito presente hoje em dia: “Aquilo que não vemos, que não podemos tocar ou medir, não existe, portanto acredito no que vejo”.  Ao colocarmos essa ideia como norma, estamos eliminando uma parte fundamental da realidade.  Elimina-se não só a Deus, mas também ao amor, à esperança, à confiança e tudo aquilo que não se pode apalpar com as mãos, mas que é tão real como a água que bebemos.

«Com efeito — dizia o Papa —, mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de questionamentos, que provêm de uma mudança de mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade.»[3]

É evidente que os temas de fé suscitarão muitas dúvidas e conflitos a toda pessoa que pretenda tirar Deus da realidade.  Mas Deus mais que ninguém quer que conheçamos a verdade e portanto quer ajudar a tantos corações insatisfeitos e confusos a resolver os nós da existência que lhes impedem de viver em paz.  O Senhor conhece a sinceridade de cada um e nunca deixará de nos convidar a abrir nosso coração à sua graça e ao seu amor.  Todo católico deve fazer-se corresponsável nesta tarefa de ajudar as pessoas que tem ao seu redor a vencer os obstáculos que lhes impedem de aproximar-se de Deus.

Nesta tarefa — assinalava o Santo Padre — «sintamo-nos irmãos de todos os homens, companheiros de viagem também de quantos não creem, de quem está à procura, de quem se deixa questionar com sinceridade pelo dinamismo do próprio desejo de verdade e de bem.»[4]

Questionamentos para entender e acreditar melhor

Quem crê firmemente no Senhor Jesus, pelo contrário, sente-se impulsionado a avançar pelo caminho da santidade, que implica em uma conversão contínua, uma mudança de vida constante para ser cada vez melhor cristão.  Isto supõe um sincero desejo de aprofundar na fé, até sabendo que compreender totalmente o mistério de Deus está além de sua razão.  Era muito válido para Santo Agostinho, por exemplo, querer entender melhor o mistério da Trindade e, de fato, escreveu um livro muito formoso dedicado a este Mistério.

Santo Agostinho dizia: «compreender para crer e crer para compreender».  A fé é fundamental para entender, dentro de nossas capacidades humanas, o mistério de Deus e de nossa vida.  Por isso, de certo modo, quanto mais fraca é nossa fé, mais difícil nos é compreender as coisas que acontecem.

“O intelecto e a fé não são alheios nem antagonistas, mas ambos são condições para compreender o sentido da mesma, para acolher a sua mensagem autêntica, aproximando-se do limiar do mistério. Juntamente com muitos outros autores cristãos, santo Agostinho é testemunha de uma fé que se exerce com a razão, que pensa e convida a pensar.”[5]

Como diz o Catecismo: «acreditar é um ato autenticamente humano.  Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem»[6]

A partir de uma fé sólida procuramos compreender melhor, mas não com o afã do cientista ou do erudito que quer “conhecer por conhecer”.  A fé nos questiona a vida e gera perguntas que devemos responder, mas sempre com o objetivo de ser melhores, de ser melhores e santos.  Acreditar nos levará a entender, e entender nos levará a acreditar melhor e isto nos permitirá ser mais coerentes com a fé que professamos.

Portanto não está mal fazer-se perguntas a respeito de nossa fé.  Aceitar que não conhecemos suficientemente o que o Senhor nos quis revelar é um passo importante para procurar respostas.  Como nos diz o Senhor Jesus: «Peçam e lhes será dado; procurem e acharão; chamem e se lhes abrirá.  Porque todo aquele que pede recebe; quem busca, acha»[7].

Neste processo é bom o diálogo, recorrer a pessoas que podem nos ajudar a formar-nos na fé.  Às vezes não nos damos conta de que, muitos dos questionamentos que temos, outras pessoas antes que nós já os tiveram, e foram respondidas por muitos homens de fé santos e sábios que ainda nos podem iluminar.

«Não posso construir a minha fé pessoal num diálogo privado com Jesus, porque a fé me é doada por Deus através de uma comunidade crente que é a Igreja e, desta maneira, me insere na multidão dos crentes numa comunhão que não é só sociológica, mas radicada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé só é deveras pessoal, se for também comunitária: só pode ser a minha fé, se viver e se mover no «nós» da Igreja, se for a nossa fé, a fé comum da única Igreja[8]».

A fé dá segurança e certezas

Refletimos a respeito dos questionamentos que a fé produz.  É importante, sobre este assunto, ressaltar que a fé em si mesma não é um questionamento.  A fé em Cristo Jesus dá certezas, é «garantia do que se espera; (é) a prova das realidades que não se veem»[9].  O crente reconhecerá que a capacidade da razão é limitada, que «não se pode entender tudo, mas o que se compreende é suficiente para indicar as verdades fundamentais e o significado da vida»[10].

Deus já nos revelou, no Senhor Jesus, tudo o que necessitamos para viver em santidade e alcançar a salvação.  Entretanto, como ensina o Catecismo, «embora a Revelação esteja acabada, não está completamente explicitada; corresponderá à fé cristã compreender gradualmente todo seu conteúdo no transcurso dos séculos»[11].

O cristão não se deve assustar quando surgem as dúvidas, pois com a ajuda de Deus serão ocasião de aprofundar e viver melhor diversos aspectos da vida cristã.  Isso não significa, entretanto, que tenhamos que duvidar de tudo o que aprendemos.  Quem viu alguma vez a luz do sol sabe que por mais nublado que esteja o céu o sol continua brilhando atrás com grande esplendor e força.  Iluminados por Deus, vivendo com humildade a fé, a esperança e a caridade, o cristão dará a melhor e mais contundente resposta a muitos dos questionamentos que hoje se suscitam e dará um melhor testemunho de uma vida santa e coerente.

Citações para a oração

Nossa razão é limitada: 2Cor 5,6-7; 1Cor 13,9-13.

A fé é certeza: Jo 3,31-33; Heb 11,1.

Crescer na fé: Mc 9,24; Lc 17,5.

Dar razão da fé: 1Pe 3,15.

Ser coerentes: Tg 1,22; Rom 2,13.

Perguntas para o diálogo

1.   Que perguntas costumam fazer-me as pessoas que não são tão próximas da Igreja?

2.   Sei como responder a estes questionamentos?

3.   Que aspectos da fé devo compreender melhor?

4.   O que posso fazer para responder meus próprios questionamentos?

Trabalho de interiorização

1.   Leia e medite o seguinte texto:

«Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança, mas fazei-o com suavidade e respeito.» (1Pe 3, 15).

A.   Quão disposto(a) você está para dar explicação de sua fé com delicadeza e respeito?

 B.  Quando alguém questiona a fé da Igreja você fica calado(a) ou busca esclarecer com o que sabe?

2.   Leia com atenção o seguinte texto:

«“… Não se deve esperar outra revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (DV 4).  Entretanto, embora a Revelação esteja acabada, não está completamente explicitada; corresponderá à fé cristã compreender gradualmente todo seu conteúdo no transcurso dos séculos» (Catecismo da Igreja Católica, 66).

Escreva um breve texto explicando este número do Catecismo a uma pessoa que está iniciando na fé.

3.   «O mistério de Deus permanece sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e das nossas preces. Todavia, com a revelação é o próprio Deus quem se autocomunica, se descreve, se torna acessível.» (Bento XVI, Audiência geral, 17 de outubro de 2012).

À luz deste texto, escreva uma oração pedindo ao Senhor que lhe ajude e ilumine para conhecê-lo melhor e aprofundar na fé.



[1] Bento XVI, Audiência geral, 21 de novembro de 2012.

[2] Ali mesmo.

[3] Bento XVI, Porta fidei, 12.

[4] Bento XVI, Audiência geral, 7 de novembro de 2012.

[5] Bento XVI, Audiência Geral, 21 de novembro de 2012.

[6] Catecismo da Igreja Católica, 154.

[7] Mt 7, 7-8

[8] Bento XVI, Audiência Geral, 31 de outubro de 2012.

[9] Heb 11, 1

[10] João Paulo II, Audiência geral, 9 de janeiro de 1985.

[11] Catecismo da Igreja Católica, 66.

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