Caminho para Deus 248: Rejeição das tentações e fuga das ocasiões

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O segundo degrau na Direção de São Pedro — acrescentar à virtude a gnosis — nos convida a crescer no conhecimento pessoal iluminado pela fé. A gnosis nos oferece ao mesmo tempo um conhecimento prático necessário para combater «o bom combate da fé»[1]. Neste combate é necessário conhecer o inimigo para saber também como derrotá-lo. De fato, não podemos esquecer jamais que temos um adversário, «Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar.»[2].

O Papa Paulo VI dizia que o mal que existe no mundo é o resultado da «intervenção em nós e na nossa sociedade de um agente obscuro e inimigo, o Demônio», e que se trata de«um ser vivo, espiritual, pervertido e pervertedor»[3]. O demônio existe e atua, e seu maior triunfo consiste em nos fazer acreditar que não existe. O esquecimento, a inconsciência ou o não acreditar suficientemente na existência do demônio e em sua ação faz com que facilmente sejamos surpreendidos na batalha.

A tentação

Como não suporta nos ver felizes, o diabo procura nos perverter e nos afastar do bom caminho. Para obter seu objetivo não pode ir contra nossa liberdade, quer dizer, não pode nos destruir se de algum modo não consentimos livremente com sua sedução. De que maneira, então, obtém nosso livre consentimento? Mediante a tentação: uma sugestão e provocação para ir contra Deus e seus ensinamentos.

Devemos ser conscientes de que «nossa vida, enquanto dura esta peregrinação, não pode ver-se livre de tentações»[4]. Mas isso não deve nos assustar nem nos desalentar. Ao contrário, saber disso nos chama ao combate, «pois nosso progresso se realiza por meio da tentação e ninguém pode conhecer-se a si mesmo[5] se não for tentado, nem pode ser coroado se não tiver vencido, nem pode vencer se não tiver lutado, nem pode lutar se carecer de inimigo e de tentações»[6].

O tentador por excelência é e será sempre o demônio, embora as tentações possam vir também do “mundo”, de outras pessoas afastadas de Deus ou de nosso próprio “homem velho”. Para conseguir nos convencer de agir de acordo com o que ele nos sugere, o demônio faz uso de toda sua astúcia[7] e da mentira[8]. Ele sabe que nunca vamos fazer algo que identificamos como mal para nós, e por isso busca disfarçar o mau como algo “bom para si”. Alguma vez lhe extorquiram? Com sua palavra um estelionatário — se você for ingênuo e está distraído — lhe convence de que “você vai sair ganhando” se fizer isto ou aquilo, lhe engana para que você finalmente lhe dê seu dinheiro. Se o fizer, ele desaparece junto com seu dinheiro e sua ilusão. O demônio é um grande estelionatário! Se você acredita no seu “conto”, ele termina tirando-lhe da vida divina, de sua dignidade, de sua liberdade, de sua paz, de sua felicidade.

Como funciona a tentação?

O processo da tentação original relatado no Gênesis[9] mostra como opera também em nossas vidas. Conhecer este processo é importante se quisermos, com a força de Deus, vencer a tentação quando aparecer. Façamos uma breve revisão:

1º     O tentador faz uma pergunta: «É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?»[10]. A pergunta aparentemente inocente convida a mulher a “esclarecer o mal-entendido” e entrar em um diálogo.

2º     A mulher, ingênua, cai na armadilha e responde para “lhe explicar” como são as coisas.

3º     Estabelecido o diálogo, o tentador dá um passo a mais e afirma com autoridade: «Oh, não! – tornou a serpente – vós não morrereis! »[11]. Fazendo Deus ficar como um mentiroso e egoísta que não quer compartilhar com eles sua divindade[12]. Romper a confiança em Deus é fundamental para que faça caso da sua tentação.

4º     Eva agora confia no tentador e em sua mente se dá uma mudança curiosa: logo o fruto que ela sabia que lhe traria a morte[13] converte-se a seus olhos em um fruto bom e apetecível[14]. A fantasia, a ilusão e o subjetivismo tornam-na cega à realidade objetiva.

5º     Nesse momento Deus se converte para ela em um empecilho e até em uma ameaça para alcançar sua felicidade. A serpente, porém, converte-se em sua amiga a quem escuta:«colheu seu fruto e comeu»[15].

6º     Eva não quer estar sozinha em seu pecado e seduz Adão, que também come. O pecado se difunde.

7º     Logo depois deste “ato suicida”«Então os seus olhos abriram-se»[16]. Termina a farsa, o grande estelionatário fica exposto. Adão e Eva ficaram “nus”, despojados da vida divina. A vergonha e o medo tomam conta deles, e não resta mais nada além de cobrir-se e esconder-se de Deus.

Soa familiar? Este processo se repete em cada tentação que experimentamos, por isso é bom conhecê-lo bem para que reconhecendo-o não nos deixemos enganar e rejeitemos a tentação.

Como vencer a tentação?

Para vencer a tentação o primeiro é pôr nosso olhar no Senhor. São Paulo, neste sentido, nos diz: «Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela.»[17]. O Senhor sempre está conosco, Ele é nossa rocha forte e nosso baluarte. Junto com isso, é necessário conhecer o inimigo e como atua, assim como também contar com uma estratégia apropriada para enfrentá-lo. Então, como resistir à tentação? Se a estratégia da tentação é confundir-nos e enganar-nos para “vender-nos” um produto mau como “bom”, o primeiro que devemos fazer é desmascarar a mentira que se esconde atrás da tentação. É como descobrir o anzol que se esconde atrás da isca do peixe. Para isso será de grande ajuda a prática do discernimento espiritual[18]. Neste discernimento é importante também recorrer ao conselho[19], para não nos enganar a nós mesmos nem ser enganados.

Feito o discernimento devemos rejeitar a tentação. Comentando a passagem das tentações no deserto[20], dizia Santo Agostinho: «[Jesus] poderia ter impedido a ação tentadora do diabo; mas então você, que está sujeito à tentação, não teria aprendido dEle a vencê-la»[21]. Como vencer a tentação? Aprendamos com o Senhor Jesus!

Se analisarmos a passagem em questão, vemos que o Senhor Jesus, debilitado e faminto, depois de quarenta dias de jejum, não dialoga com a tentação nem tenta negociar com o tentador. Com a tentação não se dialoga! Por isso, quando uma tentação vir à sua mente ou alguém lhe convidar a fazer algo que não está bem, não comece a “dar voltas”, a pensar “o que seria se…”, a fantasiar ou a considerar a possibilidade. Entre o diálogo com a tentação e a queda, há uma mínima distância. Dialogar com a tentação é como colocar-se à beira de um precipício, com uma grande probabilidade de cair.

À cada uma das tentações o Senhor opõe frontalmente um ensinamento divino. Nos três casos cita a Escritura, não dá sua própria opinião nem fica a discutir com o tentador. Aprendamos com o Senhor que para vencer a tentação é essencial a confiança em Deus[22], expressa em uma firme adesão — mental e cordial — a seus ensinamentos divinos[23]. Por isso vem muito a calhar esta recomendação: «Grava minhas palavras em seu coração e as medite uma e outra vez com diligência, porque terá grande necessidade delas no momento da tentação»[24].

Finalmente o Senhor rejeita o tentador com um contundente «Para trás, Satanás!»[25]. A rejeição firme e cortante se faz necessária diante de qualquer tentação, venha de quem vier, inclusive se vier de pessoas que amamos muito: «Afasta-te, Satanás!»[26], disse uma vez o Senhor a São Pedro.

Fugir das ocasiões

Em muitos casos não teríamos que lutar contra as tentações se não nos puséssemos em certas situações ou lugares, ou não nos juntássemos com certas pessoas que sabemos que serão ocasião para nos sentir tentados. “Ocasiões” são circunstâncias e/ou pessoas que favorecem a queda. Não costumam ser tentações em si mesmas, mas sim um âmbito propício para o surgimento delas.

Teremos que ser humildes e aceitar que somos frágeis. Por mais “forte” que me sinta no momento, posso voltar a cair se me ponho nesse lugar, nessa situação, ou estou com essa pessoa… Quantas vezes pensamos: “não vai acontecer nada”, “tenho tudo sob controle”, pusemo-nos em ocasião e depois aconteceu o que se supunha que não ia ocorrer? Se não quiser cair em tentação, o melhor é fugir dessas ocasiões. Neste caso, fugir não é covardia, mas valentia. É, além disso, o ato de pessoas sábias e inteligentes que conhecem a si mesmas, reconhecem sua fragilidade e conhecem também a força das tentações.

De igual modo, devemos aprender a escolher bem as amizades nas quais nos apoiamos. As boas amizades nos elevam, ajudam-nos a ser melhores, a crescer e amadurecer no caminho de santidade. As más amizades, pelo contrário, podem-nos afastar do Senhor. Caminhar ao lado de pessoas que compartilham os mesmos ideais de vida cristã é um grande dom para a fidelidade e, ao mesmo tempo, sólido núcleo de onde anunciar o Senhor às pessoas que se encontram afastadas Dele.

Para terminar

Finalmente, o mais importante, vivamos o conselho que o Senhor mesmo nos dá: «Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.»[27].

 

PASSAGENS BÍBLICAS PARA A ORAÇÃO

 

  • O fruto do pecado é a morte: Gn 3,3; Tg 1,14-15.
  • Resistir ao diabo: Tg 4,7-8; 2Pe 5,8; Gn 4,7.
  • Rejeição da tentação: Mt 4,10; 16,23.
  • Deus nos dá a força para vencer a tentação: 1Cor 10,13.
  • Velar e orar para não cair em tentação: Mt 26,41; Lc 11,4.

 

PERGUNTAS PARA O DIÁLOGO

 

  1. Como é o processo da tentação?
  2. “Ser tentado” é o mesmo que “consentir” na tentação? (Ver Catecismo da Igreja Católica, 2847). Quando pecamos?
  3. Qual é a relação entre a rejeição das tentações e a gnosis segundo a Direção de São Pedro?
  4. Qual é a estratégia do Senhor para vencer as tentações?

 

TRABALHO DO INTERIORIZAÇÃO

Leia e reflita: «Olhem bem como responde Jesus. Ele não dialoga com Satanás, como tinha feito Eva no paraíso terrestre. Jesus sabe bem que com Satanás não se pode dialogar, porque ele é muito ardiloso. Por isso, Jesus, em lugar de dialogar como Eva tinha feito, escolhe refugiar-se na Palavra de Deus e responde com a força desta Palavra. Lembremo-nos disto: no momento da tentação, de nossas tentações, nada de diálogo com Satanás, a em ao invés, sempre nos defendamos com a Palavra de Deus. E isto nos salvará.» (Papa Francisco, Angelus, 9 de março de 2014).

  • Você conhece seus pontos fracos? Quais são suas tentações mais frequentes?
  • Com que citações da Escritura você pode confrontá-las? Faça uma lista, memorize-as, e no momento da tentação, use-as como escudos!

Leia também este texto: «Como o espírito do mal faz para nos afastar do caminho de Jesus com sua tentação? A tentação do demônio tem três características e nós devemos conhece-las para não cair nas armadilhas. Acima de tudo a tentação começa levemente mas cresce, sempre cresce. Depois contagia outra pessoa: transmite-se a outro, busca ser comunitária. Ao final, para tranquilizar a alma, se justifica». (Papa Francisco, Missa matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, 11 de abril de 2014).

  • Que tentações você experimenta que crescem quando você resiste?
  • Que tentações contagiam outros? Por exemplo: A intriga? Falar mal dos outros, julgar e condenar? O ressentimento? Ou que outras?
  • Que tentações você justifica, para fazer o que é mau?
  • Finalmente, revisa todas as tentações com que tem contado até aqui e pensa: que ocasiões posso evitar para não me pôr em perigo de pecar?

[1]1Tim 6,12.

[2]1Pe 5,8. Ver Caminho para Deus # 240, A Gnosis e o Combate Espiritual.

[3] Paulo VI.Catequese, 15/11/1972.

[4]Santo Agostinho.Comentários sobre os Salmos, Salmo 60,2-3.

[5] As tentações nos permitem conhecer nossos pontos fracos, aqueles que temos que reforçar no combate. Sobre isto já tratamos no Caminho para Deus # 240.

[6] Santo Agostinho. Comentários sobre os Salmos, Salmo 60,2-3.

[7] Ver Gn 3,1.

[8] Ver Jo 8,44.

[9]3,1ss.

[10]Gn 3,1.

[11]Gn 3,4.

[12] Ver Gn 3,5.

[13] Ver Gn 3,3.

[14] Ver Gn 3,6.

[15]Lug. cit.

[16]Gn 3,7.

[17]1Cor 10,13.

[18] Ver Caminho para Deus # 244.

[19] Ver Caminho para Deus # 246.

[20] Ver Mt 4,1–11.

[21] Santo Agostinho. Comentários sobre os Salmos, Salmo 60, 2-3.

[22]Ver Caminho para Deus # 48 e # 243.

[23]Ver Caminho para Deus # 247 sobre os critérios evangélicos.

[24] Tomas de Kempis. A Imitação de Cristo, Livro 3,3.

[25]Mt 4,10.

[26]Mt 16,23.

[27]Mt 26,41.

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