Caminho para Deus 31: A coerência

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UM MUNDO INCOERENTE

Vivemos em um mundo de palavras ocas, de frases retumbantes que ocultam intenções que pouco têm que ver com o que as palavras proclamam. Vivemos na era das comunicações. As mensagens se multiplicam e entrecruzam, nossa capacidade de assimilar a informação que diariamente recebemos está bombardeada por estímulos desencontrados e superpostos.

Diariamente somos testemunhas das grandes incoerências públicas. O homem de hoje com suas grandes declarações sobre os direitos, com sua consciência cada vez mais aguda da liberdade e da dignidade humana, é testemunha perplexa e confusa da incoerência entre suas boas intenções e a realidade lacerante da injustiça, da brecha crescente entre ricos e pobres, do espezinhamento cada vez mais flagrante dos direitos que se dizem defender. Em uma palavra, vivemos imersos em uma cultura marcada pela incoerência entre o que se diz e o que se vive.

CHAMADOS A SER COERENTES

Como cristãos estamos chamados à santidade. Este caminho é um apaixonante desafio que não está isento de dificuldades mas no qual a graça de Deus nos guia e nos sustenta. Entretanto, para que a graça seja eficaz em nossas vidas é necessária nossa cooperação. Não basta dizer “Senhor, Senhor” (Mt 7, 21). Por isso Santo Agostinho dizia: “Deus que te criou sem seu consentimento não te salvará sem seu consentimento”. Como consequência deste chamado Ele nos exige a autenticidade, dar testemunho permanente da Reconciliação trazida pelo Senhor Jesus. De nossa coerência depende a fé de muitos irmãos que esperam uma resposta às inquietações mais profundas de sua mesmidade[1]. Recordemos sempre que é todo um mundo que temos que transformar desde seus alicerces, de selvagem a humano e de humano a divino. A grandeza de nossa missão torna indispensável que não traiamos a fé que proclamamos.

O INIMIGO: A MENTIRA EXISTENCIAL

Em cada tentativa por viver a coerência estabelecemos um combate frontal com o pecado e a escotosis[2], contra essa realidade tenebrosa que é o ambiente propício para o desenvolvimento dessa cultura de morte que estamos chamados a transformar. E neste combate a pior derrota é proclamar a fé e não vivê-la, transformar em mentira pessoal o que dizemos que é Verdade para todos os homens. Pior traição não existe, a incoerência com nossa fé é dizer publicamente que Deus mente, é o escândalo que o Senhor condena no Evangelho.

NOSSA REALIDADE: A DEBILIDADE

Estamos convidados à Comunhão de Amor e a dar testemunho de nossa esperança no mundo. Neste esforço nos encontramos com nossa debilidade, descobrimos que sozinhos não podemos (Jo 15), que temos medo, que como Pedro prometemos e traímos. Então surge a pergunta Como aprender a ser coerentes?

MARIA: MESTRA DA COERÊNCIA

Nossa espiritualidade é a espiritualidade de Maria. Tudo o que aprendemos sobre o Senhor Jesus, aprendemos de nossa Mãe. E todos os auxílios para viver nossa fé, recebemos graças a sua intercessão e através dela.

ESCUTA DA PALAVRA

Maria é a Mulher que desde seu nascimento responde às inquietações fundamentais de seu ser. Vive no silêncio, na escuta permanente à Palavra. Não se deixa apanhar pelo ruído nem pelo ativismo. Põe a chave de sua vida, seu sentido mais profundo, sua pessoa íntegra, a serviço do Plano de Deus porque sabe que só nEle está a Plenitude. Seu coração imaculado está íntegra e permanentemente atento à voz do Senhor Jesus.

Meditando na vida de nossa Mãe descobrimos que a coerência não é outra coisa senão a consequência natural de escutar a Palavra, o chamado mais profundo de seu próprio ser, a resposta à ânsia ardente de plenitude, de verdade, de paz, de felicidade, de alegria que ela como cada um de nós tem escrito no fundo de seu ser mais íntimo (Lc 1, 46).

PÔR EM PRÁTICA

Quando Maria diz o primeiro faça-se (Lc 1, 38) compromete-se a ser coerente em sua missão de ser a Mãe do Reconciliador. Esta entrega lhe exigirá dor e sacrifício, mas ela sabe que a felicidade plena está em aderir-se a Seu Filho. Nada a desviará de seu objetivo, o amor imenso pelo Senhor Jesus e por nós, seus filhos, impulsioná-la-á a ser a mulher fiel, a Mãe da esperança, da perseverança na espera das promessas divinas, da fé.

Em Maria descobrimos que a coerência é um sinal cotidiano de amor. Os grandes momentos de sua vida, a resposta afirmativa ao anúncio do anjo, à profecia do velho Simeão, à enigmática resposta do Senhor Jesus no Templo, ao Sacrifício do Filho na Cruz, ao nascimento da Igreja não são senão o fruto amadurecido de sua perseverança cotidiana no esforço por descobrir o Plano de Deus e correspondê-lo nas situações mais singelas. A fidelidade no pequeno assegura a fidelidade no grande.

A coerência é, pois, escutar a Palavra de Deus e pô-la em prática como fez Maria, nossa Mãe.

PASSAGENS BÍBLICAS PARA ORAÇÃO E MEDITAÇÃO

Guia para a Oração

  • Motivos para a coerência: Heb 10, 32-36.
  • Deus nos educa na coerência: Heb 12, 1-13.
  • Coerência na caridade e na oração: Rom 12, 9-12.
  • Nossa missão: ser coerentes: Mt 5, 13-16.
  • Perseverança no combate contra o maligno: 1Pe 5, 9-11.
  • Ser coerentes em todo momento: Flp 1, 27-30.
  • Coerência com a Palavra no sofrimento: 1Pe 4, 12-19.

 

NOTAS

[1] Mesmidade. Versão do neologismo espanhol “mismidad”. Termo que designa a realidade constitutiva mais profunda do ser humano. É o âmago da identidade ─ única e não repetível ─ de cada ser humano, realidade objetiva que não muda e subsiste para sempre. Constitui o centro do próprio ser e o núcleo de sua unidade pessoal subsistente, que permanece ao longo do devir histórico da pessoa, permitindo-lhe seguir sendo ela mesma e referir-se a sua identidade própria além das mudanças. Dela brotam os dinamismos fundamentais de permanecer e desdobrar-se, que orientam e impulsionam a própria existência à sua plenitude.

[2] Escotosis – palavra que deriva do grego skotos, escuridão, trevas. A escotosis é a cegueira na qual vive aquele que diz que vê, inclusive com muita clareza, quando na realidade se encontra na mais espantosa escuridão. Pela escotosis o homem não só se faz incapaz de “ver” Deus, mas também, ao mesmo tempo, torna-se cego a sua própria realidade, enganando-se de múltiplas formas.

 

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