Digno do nome de Cristo

2190

Enquanto rezava recentemente o Ofício de Leituras, uma oração que faz parte da Liturgia das Horas, encontrei uma frase, escrita por São Gregório de Nissa, que particularmente chamou minha atenção:

O que devemos então fazer, nós que fomos considerados dignos do nome de Cristo?

Por “nome de Cristo “, São Gregório se refere à realidade de ser chamado de cristão. O que me impressionou nesta frase é a consciência que este grande santo tinha da dignidade e do significado de ser um cristão. Isso me levou a refletir sobre a visão que os cristãos do primeiro século tinham sobre o que realmente significa chamar-se de cristão e, então, comparar essa visão com a que tantos têm do significado de ser cristão hoje.

A palavra grega Χριστιανός (Christianos), que significa “seguidor de Cristo”, vem de Christos, que significa “Ungido”. O nome foi usado pela primeira vez na cidade de Antioquia para se referir aos seguidores de Jesus Cristo no primeiro século, pouco depois da morte de Cristo. Dentro do contexto da perseguição extrema, em que os primeiros mártires cristãos já haviam derramado seu sangue, esses seguidores de Cristo se chamavam orgulhosamente de cristãos. Muitos dos primeiros Padres da Igreja compartilharam a crença de que a maior forma de seguir Jesus era precisamente pelo martírio, pois, se o próprio Jesus foi perseguido e morto, também eles deveriam estar dispostos a fazer o mesmo; “Um discípulo não está acima de seu mestre, nem um servo acima de seu senhor” (Mt. 10:24). Esses primeiros cristãos, portanto, que assumiram esse nome, o fizeram com o conhecimento de que eles seriam perseguidos, odiados e muitos até mortos por seguir a Cristo, e que ser cristão significava ser considerado por muitos como ser um criminoso. Um excelente exemplo disso é São Inácio de Antioquia, que, acreditando que a disposição para o martírio fosse o caminho para imitar Cristo perfeitamente, escreveu as seguintes palavras enquanto se dirigia para Roma para ser morto:

Eu só lhes peço que roguem por mim por uma força interior e exterior, que eu não só possa ser apenas chamado de cristão, mas verdadeiramente considerado como tal. Pois, se eu for realmente considerado como um cristão, então eu também posso ser chamado assim, e julgado fiel quando não puder mais ser visto por este mundo. (1)

Então, por que eles fizeram isso? O que levou esses homens e mulheres comuns a ir a tais extremos para se chamar cristãos? Eu acredito que a figura de São Paulo pode nos ajudar a responder esta questão pela maneira mais autêntica. Enquanto ainda um dos conhecidos perseguidores dos primeiros cristãos, Saulo (mais tarde, seu nome foi mudado por Cristo para Paulo) teve um encontro pessoal com Cristo que apareceu a ele enquanto estava de caminho para Damasco. A história de sua conversão é bastante conhecida e, portanto, não precisa ser explicada aqui, mas retrata uma realidade que tantos outros cristãos primitivos experimentaram: que através do encontro com a pessoa de Jesus Cristo, suas vidas foram transformadas no fundo do seu ser. Por isso, viver a vida de cristão valia a pena, mesmo que isso significasse ser considerado um criminoso e ter o sangue derramado.

E hoje? Qual é a visão que temos do que significa ser cristão? Nós, como São Gregório de Nissa, entendemos que com o nome de “cristão” vem uma responsabilidade, e, portanto, devemos ser considerados dignos de assumir esse nome? Ou talvez o nome “cristão” se tornou uma palavra tão comum usada para descrever alguém que siga uma mera tradição cultural / familiar, sem qualquer significado e peso, com pouca ou nenhuma referência à pessoa de Jesus Cristo e à Sua Igreja? Devemos nos perguntar o que ser um cristão realmente significa para nós, e como podemos testemunhar a nossa fé no século XXI. Ao fazer isso, temos a oportunidade de permitir que Cristo fale com os outros através de nossas vidas, ajudando-os a encontrar esta “pérola de grande valor”, que vale mais do que tudo mais que possamos ter: ser digno do nome de Cristo.


  1. Santo Inácio de Antioquia, Epístola de Inácio aos Romanos, Capítulo 3
Nasceu na cidade de Spokane, no estado do Washington, nos Estados Unidos, e se mudou a Phoenix, Arizona quando tinha 13 anos. Aos 20 anos de idade, ingressou no Sodalício de Vida Cristã e morou no Peru durante 3 anos para sua formação inicial. Em 2013, se mudou a São Paulo, Brasil, onde atualmente reside, ajudando na missão apostólica da Família Sodálite, especialmente fazendo trabalho pastoral com jovens. Completou os estudos filosóficos, e agora estuda teologia, em vistas ao sacerdócio.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here