Fromm e Guardini: Psicologia contemporânea e o amor a Deus

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Algumas correntes da Psicologia contemporânea vão além da própria competência especifica, e se entremetem num terreno que precisaria ter pressupostos antropológicos conciliáveis com a Antropologia cristã, pois muitos destes autores consideram-se cristãos e católicos. Este trabalho não é um estudo aprofundado sobre o pensamento de Erich Fromm nem de Romano Guardini, mas sim a partir do pensamento de ambos, poder nos aproximar melhor ao amor de Deus.

Erich Fromm quebra com a psicanalise clássica elaborando uma versão iluminista desta; pois ele assume muitas das ideias da ética aristotélica, mas reinterpretadas, de tal maneira, que a prática psicanalítica estaria ao serviço da realização da “ética humanista, autonomista e ateia” em contraposição à “ética autoritária” e dogmatista das religiões institucionais. No fundo é algo análogo à ideia feuerbachiana [1], de uma religião da humanidade. Vale dizer que a ética tem que estar sempre bem determinada e ter um fundamento filosófico, pois é importante ter formação para fazer discernimentos.

Erich Fromm foi discípulo de Alfred Adler, junto com Viktor Frankl, Rudolf Allers e Rudolf Dreikurs, quem desenvolveu a teoria cognitivista da teoria adleriana. Fromm é considerado um neo-psicanalista, mas também é considerado dentro das correntes da psicologia humanista e da psicologia positiva. Sua psicologia humanista é menos individualista e mais social.

As psicologias humanistas tem um grande valor nos progressos da psiquiatria e na psicologia contemporânea, e são opostas ao Condutismo; embora ainda tenham uma visão naturalista do homem. Se bem a concepção do homem já não é mais a de uma máquina, ainda é considerado um sistema que se auto organiza e autorregula em modo autônomo. Nega-se a existência da alma humana, e seu fim ultimo transcendente. Erich Fromm adere elementos da psicologia humanista, embora seja menos individualista e mais social. Junto com Rogers, afirmam uma liberdade interior, mas no fundo se reduz à libertação exterior, com a ideia exageradamente otimista de que o homem teria em si e poderia alcançar por si mesmo sua própria realização.

Como foi dito, Fromm, também, é considerado dentro da psicologia positiva – a qual é uma tentativa por introduzir os temas clássicos da ética aristotélica: felicidade, virtudes -. Na verdade, ele assume isto da Psicologia Positiva com tendência imanente ou relativista. Exemplo: A virtude seria o equivalente a normalidade, e o vício à patologia.

Na relação do homem com Deus, Fromm reconhece a inclinação do homem à verdade e ao bem, embora não chega ao teísmo, já que para ele a origem destes impulsos ou inclinação é desde abaixo, e não por causas religiosas ou filosóficas. Ou seja, poderíamos dizer que ele não reconhece o homem criado a imagem e semelhança de Deus.

Sobre o amor a Deus, Fromm entende o amor como uma atitude, como uma faculdade da pessoa, como uma orientação do caráter; o homem tem amor porque tem que superar com seus impulsos a experiência de angustia de separação. O amor seria uma atitude do homem que tem graus de maturidade, aos quais Fromm vai colocando exemplos das Sagradas Escrituras, das diversas visões que tiveram algumas das pessoas da História da nossa Salvação. Porém, é uma leitura sem a virtude da fé, e por isso as referências à Sagrada Escritura como à religião católica são inválidas, pois é uma visão meramente horizontal, na qual tenta definir o que é Deus partindo da pessoa. Outro elemento que não está presente na concepção de Fromm sobre o amor de Deus é o aspecto maternal, um amor inseparável.

Sobre o conceito Deus, ele analisa a estrutura caracterológica da pessoa que adora Deus. Ele mesmo diz que Deus não existe, e que por isso, não podemos falar de teologia – conhecimento de Deus –. Deus é a representação dos valores supremos desejáveis no homem. Ele também diz, na sua opinião, o conceito de Deus é somente um conceito historicamente condicionado. Resumindo, Fromm tem a crença de não crer num Deus, mas ele crê que Deus é a representação dos valores supremos que o homem quer alcançar. O seu trabalho, embora seja científico e metódico, é inevitavelmente afetado – no bom sentido da palavra – pela sua maneira de pensar e suas crenças.

Romano Guardini no seu livro ‘A existência do cristão’ diz que Deus é um ser vivo e o mais real que há. Pela Sua Revelação, Deus estabelece uma relação com o homem, e este uma relação com Deus. Isto quer dizer, que a Revelação não é somente a busca de Deus feita pelo homem, senão principalmente, a busca pelo homem da parte de Deus.

Guardini diz que é um erro tentar fazer de Deus um elemento deste mundo; seja de caráter psicológico, como algo que procede das necessidades internas do homem, ou seja de caráter metafísico. Deus não tem que fazer referência a nada nem a ninguém. Ele é totalmente independente do mundo, Ele não precisa do mundo; porque Ele é absolutamente transcendente. Deus poderia ter existido só, mas Ele quis livremente que eu exista. Deus e sua Revelação, a pesar de ter um sentido de Mistério, é o mais real que há. O cristão tem que aprofundar na realidade de Jesus Cristo e no amor de Deus, pois é o fundamento da nossa existência. Também, as palavras de Romano Guardini no seu livro ‘La Vida de la Fe’, nos ajudam a esclarecer o ponto do amor de Deus e o amor a Deus: “Yo no creo en las ideas sino en las realidades. Dios, en quien creo, no es la idea del valor supremo, de la justicia santa: es real. Dios es real en tanto que es el Ser absoluto”.

Outra ideia complementar sobre o amor de Deus e que poderia nos ajudar a identificar as diferenças com Fromm, a encontramos na regra monástica de São Basílio, na qual diz: “O amor a Deus não depende de uma disciplina que nos impuseram desde fora, senão que está constitutivamente inscrito em nós, como capacidade e necessidade de nossa natureza racional”. [2]

Para nós católicos, a natureza do amor está em Deus, pois Ele é Amor, então não podemos querer compreender Deus ou ao Amor, a partir do homem, ou a partir da nossa pura experiência humana fechada ao transcendente. O amor é uma relação com uma pessoa específica, pois nós como pessoas somos “seres em relação”, e esta relação tem seu fundamento na relação das pessoas da Santíssima Trindade, a qual nos leva a viver o amor nas relações com as outras pessoas.


Notas

[1] Ludwig Feuerbach, filósofo moderno século XIX que propõe a separação entre razão e fé. A religião se trata puramente de uma criação humana.

[2] Regulae fusius tractatus, Resp. 2, 1: PG 31, 908.

Nasceu em Lima, Peru, em 1983. Membro do Sodalício de Vida Cristã e mora no Brasil desde 2008. Mestre em Psicologia e Bacharel em Administração. Realizou por alguns anos estudos de Filosofia. Atualmente estuda um Diplomado de Antropologia Cristã da Universidad San Pablo. É membro fundador da Associação Reconciliatio – Psicologia Integral.

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