III DOMINGO DO TEMPO PASCAL: “Pedro, tu me amas mais que estes?”

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I. A PALAVRA DE DEUS

At 5, 27-32.40-41: “Disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo”

Naqueles dias, os guardas levaram os apóstolos e os apresentaram ao Sinédrio.27b O sumo sacerdote começou a interrogá-los,28 dizendo:

– ‘Nós tínhamos proibido expressamente que vós ensinásseis em nome de Jesus. Apesar disso, enchestes a cidade de Jerusalém com a vossa doutrina. E ainda nos quereis tornar responsáveis pela morte desse homem!’

29 Então Pedro e os outros apóstolos responderam:

– ‘É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. 30 O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. 31 Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados. 32 E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem.’

40b Então mandaram açoitar os apóstolos e proibiram que eles falassem em nome de Jesus, e depois os soltaram. 41 Os apóstolos saíram do Conselho, muito contentes, por terem sido considerados dignos de injúrias, por causa do nome de Jesus.

Sal 29, 2.4-6.11-13: “Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes”

2 Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes,
e não deixastes rir de mim meus inimigos!
4 Vós tirastes minha alma dos abismos
e me salvastes, quando estava já morrendo!

5
Cantai salmos ao Senhor, povo fiel,
dai-lhe graças e invocai seu santo nome!
6 Pois sua ira dura apenas um momento,
mas sua bondade permanece a vida inteira;
se à tarde vem o pranto visitar-nos,
de manhã vem saudar-nos a alegria.

11
Escutai-me, Senhor Deus, tende piedade!
Sede, Senhor, o meu abrigo protetor!
12 Transformastes o meu pranto em uma festa,
13b Senhor meu Deus, eternamente hei de louvar-vos!.

Ap 5, 11-14: “O Cordeiro imolado é digno de  receber o poder e a divindade.”

Eu, João, vi 11 e ouvi a voz de numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e dos Seres vivos e dos Anciãos. Eram milhares de milhares, milhões de milhões, 12 e proclamavam em alta voz:

– ‘O Cordeiro imolado é digno

de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força,

a honra, a glória e o louvor’.

13 Ouvi também todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe, e diziam:

– ‘Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre’.

14 Os quatro Seres vivos respondiam:

– ‘Amém!’

E os Anciãos se prostraram em adoração daquele que vive para sempre.

 Jo 21, 1-19: “Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o a eles. E fez a mesma coisa com o peixe.”

Naquele tempo, 1 Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A aparição foi assim:

2 Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de Jesus. 3 Simão Pedro disse a eles:

– ‘Eu vou pescar’.

Eles disseram:

– ‘Também vamos contigo’.

Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite. 4 Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. 5 Então Jesus disse:

– ‘Moços, tendes alguma coisa para comer?’

Responderam:

– ‘Não’.

6 Jesus disse-lhes:

– ‘Lançai a rede à direita da barca, e achareis.’

Lançaram pois a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. 7 Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro:

– ‘É o Senhor!’

Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. 8 Os outros discípulos vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam longe da terra, mas somente a cerca de cem metros. 9 Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. 10 Jesus disse-lhes:

– ‘Trazei alguns dos peixes que apanhastes’.

11 Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. 12 Jesus disse-lhes:

– ‘Vinde comer’.

Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor.

13 Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe. 14 Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos. 15 Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro:

– ‘Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?’

Pedro respondeu:

– ‘Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo’.

Jesus disse:

– ‘Apascenta os meus cordeiros’.

16 E disse de novo a Pedro:

– ‘Simão, filho de João, tu me amas?’

Pedro disse:

– ‘Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo’.

Jesus lhe disse:

– ‘Apascenta as minhas ovelhas’.

17 Pela terceira vez, perguntou a Pedro:

– ‘Simão, filho de João, tu me amas?’

Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Respondeu:

– ‘Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo’.

Jesus disse-lhe:

– ‘Apascenta as minhas ovelhas. 18 Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir.’

19 Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a Deus. E acrescentou :

– ‘Segue-me’.

II. COMENTÁRIOS

O Evangelho deste Domingo traz o relato de outra aparição ou “manifestação” do Senhor ressuscitado a seus Apóstolos. As diversas aparições narradas pelos evangelistas acontecem umas na Judeia e outras na Galileia. Assim, enquanto as duas aparições anteriores, relatadas por São João em seu Evangelho, ocorriam em Jerusalém, especificamente no Cenáculo, a portas fechadas, esta teve lugar à beira do Mar de Tiberíades[1], na Galileia, a 130 quilômetros ao norte de Jerusalém. Pedro e outros Apóstolos tinham ido para a Galileia por indicação do próprio Senhor (ver Mt 28, 7.10.16; Mc 14, 28; 16,7).

O episódio narrado neste Domingo nos faz lembrar de outro episódio, ocorrido uns três anos antes no mesmo cenário. Naquela ocasião, iniciando seu ministério público, o Senhor Jesus tinha mandado Pedro e seus companheiros remarem para águas mais profundas e jogar as redes, depois de uma noite de pesca infrutífera (ver Lc 5, 4). Pedro e seus companheiros fizeram o que o Senhor lhes disse e obtiveram uma pesca espetacular. De volta à margem, assombrado pelo ocorrido, Pedro não conseguiu senão ajoelhar-se diante de Jesus para dizer-lhe: «Afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador» (Lc 5, 8). O Senhor Jesus, procurando infundir-lhe ânimo, respondeu-lhe: «Não temas; doravante serás pescador de homens.» (Lc 5, 10). Deste modo revelava a ele ao mesmo tempo sua própria vocação e missão.

Naquela mesma ocasião o Senhor convocou também André, Tiago e João dizendo-lhes: «Sigam-me; e eu vos farei pescadores de homens.» (Mc 1, 17). E depois, todos eles, «deixaram tudo e o seguiram» (Lc 5, 11).

Anos depois aquela mesma cena se repetia. Pedro, reunido com Tomé, Natanael, Tiago, João e outros dois discípulos cuja identidade o evangelista não menciona, toma a iniciativa e lhes diz: «vou pescar». Outros foram junto. Quiçá só tenhamos que ver nesta decisão de Pedro a necessidade que tinham de buscar o alimento de cada dia, enquanto esperavam que o Senhor se manifestasse como tinha prometido. Ainda assim chama a atenção que aqueles que tinham deixado tudo para seguir o Senhor, agora retomassem novamente seu antigo ofício. Seria talvez um sinal de que Pedro já não se sentia digno de sua vocação e missão? Como podia ele ser Petrus¸ a pedra ou rocha sólida sobre a qual Cristo teria que edificar sua Igreja, quando se tinha mostrado tão frágil e inconsistente naquela noite em que o negou três vezes, com juramento e impropérios? Não estaria Pedro decepcionado consigo mesmo? Como ele podia ser digno de tal vocação e missão, como podia ser a rocha sobre a qual o Senhor pensava levantar sua Igreja? E como o veriam outros Apóstolos? Com que autoridade se apresentaria diante deles, se tinha negado seu Senhor? Com esta ferida em sua alma, com esta carga de frustração e decepção de si mesmo, com esta sensação de indignidade diante do encargo recebido, não seria melhor voltar para seu antigo ofício?

Depois de tentar inutilmente toda a noite, Pedro e seus companheiros veem um homem na margem ao despontar o dia. Distavam da borda uns duzentos braços, quer dizer, uns cem metros, e isso tornava difícil reconhecer de quem se tratava. Este homem, depois de lhes perguntar se tinham pescado e obter deles uma resposta negativa, aconselha-os a jogar as redes «à direita da barca» (Jo 21, 6). Fizeram o que lhes dizia, talvez pensando que teria visto algum sinal da presença de peixes nesse local. O resultado, como anos antes, foi igualmente assombroso: já não podiam arrastar a rede pela quantidade extraordinária de peixes que tinham capturado. João associou imediatamente ambos os episódios e compreendeu quem era aquele homem na margem: «é o Senhor!», exclamou sem vacilar. Pedro, homem de ação, apaixonado, veemente, impulsivo como sempre, não quis esperar mais para encontrar-se com o Senhor, vestiu a túnica e se lançou à água para nadar até a margem enquanto os outros o fariam lentamente, arrastando consigo a pesada carga de peixes.

Já na margem o Senhor prepara uns peixes assados para os Apóstolos. Depois do bom desjejum, Jesus se dirige a Pedro para lhe fazer, por três vezes consecutivas, a pergunta sobre o amor e o afeto que lhe tem: «Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?… Amas-me?… Queres-me?». A cada afirmação de Pedro, o Senhor responde: «Apascenta os meus cordeiros… apascenta minhas ovelhas… apascenta minhas ovelhas».

Depois de sua tripla negação o Senhor quis fazer a Pedro a tripla pergunta sobre seu amor, no mesmo cenário da primeira convocação, para reafirmar o chamado (ver Jo 21, 22) e a missão de apascentar e pastorear Seu rebanho. Pedro, então, compreenderia que o amor cobria todos os seus pecados (ver 1 Pe 4, 8) e que nem sua vocação nem sua missão ficavam canceladas por sua tripla negação. Ele, a pedra escolhida pelo Senhor (ver Mt 16, 18), devia aceitar humildemente sua condição de vaso de barro (ver 2 Cor 4, 7). Devia compreender que a força para levar a cabo sua missão não devia ser procurada arrogantemente em si mesmo, mas no amor ao Senhor. Por isso a medida do amor que o Senhor pede é «mais do que estes», maior que o amor que qualquer outro discípulo pudesse ter-lhe, um amor que devia expressar-se no compromisso de apascentar e guiar o rebanho do Senhor até dar a vida por ele.

Fruto do encontro com o Senhor ressuscitado assim como do dom do Espírito Santo, em obediência a Deus e à missão recebida do Senhor Jesus, os Apóstolos dariam um valente testemunho de que Deus ressuscitou Jesus Cristo, o Crucificado, exaltando-o como Chefe e Salvador «a fim de dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados.». Cristo é o Cordeiro imolado que, uma vez exaltado, recebe «o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor» (ver a segunda leitura).

Definitivamente o encontro com o Senhor Ressuscitado é a razão da mudança profunda e radical experimentada pelos Apóstolos, que se mostraram tão covardes no momento da prisão e crucificação do Senhor. A realidade, o fato concreto e evidente da ressurreição de Cristo, e não uma alucinação coletiva, fantasia ou elaboração literária, é a única coisa capaz de levar os Apóstolos a dar um audaz, contínuo e valente testemunho da mensagem do Senhor e de encher Jerusalém e o mundo inteiro com a doutrina evangélica. Apesar de açoites, cárceres, ultrajes, intimidações e até da própria morte, que em seu momento terão que sofrer por sua fidelidade ao Senhor Jesus e ao Evangelho que estão chamados a proclamar (ver a primeira leitura).

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

“O amor com amor se paga”. Podemos amar menos a quem tanto nos amou, a quem entregou sua vida por nós na Cruz? “O amor em um inflama o amor no outro”, dizia Santo Agostinho. Ao reconhecer o imenso amor que Deus nos tem, não podemos senão nos comover profundamente, até as vísceras. Seu amor nos estremece interiormente, deixa-nos atônitos: por que me amaste tanto, tanto Senhor, que por mim te fizeste homem, aceitaste insultos, zombarias, bofetadas, chicotadas, espinhos, desonra, injustiça, e finalmente, a morte, e morte na Cruz? Não pode haver outra resposta senão esta: Porque me amas verdadeiramente! E não com um amor qualquer, mas com um amor profundo, extremo, que não conhece limites (ver Jo 13, 1).

Ao olhar sua Cruz, diante do imenso amor que nos mostras, como é possível pensar que tu abandonaste o homem, que tu te manténs distante, longínquo, impassível ou indiferente perante o sofrimento humano? Somos nós, sou eu, que tantas vezes te abandonei, esqueci-te, dei-te as costas, traí-te como Judas que te vendeu por umas quantas moedas. Neguei-te como Pedro, deixei-te só como os discípulos que saíram correndo quando viram que tu te entregavas pacificamente a teus captores, desprezei-te com meus pecados como a multidão que gritava cada vez mais forte: “A esse crucifiquem-no!” Sou eu quem permaneço tão cego a teu amor, Senhor!

Mas, como a Pedro, tu também te aproximas de mim quando ando confuso, envergonhado e abatido por minhas quedas e negações, para me fazer aquela mesma tripla pergunta: Amas-me? Amas-me mais que estes? Queres-me? Tu sabes, Senhor, de minha fragilidade, tu sabias de minhas quedas e traições inclusive antes de eu cometê-las! Ainda assim me buscas, queres-me, amas-me, dás a vida por mim para que eu possa encontrar minha vida em ti. Senhor, tu conheces tudo o que em mim está oculto (Jo 2, 25), porque sondas até o mais profundo de meu coração, tu sabes que te quero!

Senhor, então não me amas menos por minhas quedas, minhas traições, meus pecados, minhas infidelidades e minhas negações (Mt 26, 74-75)? Claro que te doem, e as carregastes sobre ti no Altar da Cruz! Mas teu amor é maior que meus pecados, e teu amor, cada vez que volto para ti arrependido, cobre a multidão de meus pecados, perdoa-me novamente. E uma vez que voltei para ti, uma vez que tu perdoastes minha culpa e meu pecado, tu queres que te ames mais. Por isso também a mim, quantas vezes venho a ti arrependido depois de minhas rebeldias, pergunta-me com delicadeza: Amas-me? Amas-me como se ama aquele por quem se está disposto a dar a própria vida? Queres-me, como se quer ao amigo íntimo?

Aquele que nos amou que um modo inaudito, que nos amou Ele primeiro, faz-te também hoje a tripla pergunta sobre seu amor a Ele. Ama-o? Mas o Senhor não te pede que esse amor se mostre em um sentimento intenso, nem no pranto ou na efusão de uma emoção passageira, mas sim pelo compromisso sério, constante, perseverante, assim como na generosa entrega aos outros: “se me amas, apascenta, minhas ovelhas!”. Cada um tem alguém com quem preocupar-se, alguém a quem alimentar e educar na fé, alguém a quem aproximar do Senhor: marido ou esposa, filhos ou pais, familiares, amigos ou amigas, alunos, colegas de trabalho, etc. Todos são “ovelhas do Senhor” que de uma ou outra maneira dependem de meu testemunho e apostolado, dependem de que eu alimente e nutra sua fé e os guie no caminho da vida cristã. Este é o amor com o qual o Senhor quer que o amemos: um amor afetivo que ao mesmo tempo seja efetivo, quer dizer, comprometido no apostolado e no anúncio do Evangelho assim como na ação social solidária, na doação e entrega de si mesmo em favor dos outros.

IV. PADRES DA IGREJA

Santo Agostinho: «O Senhor, depois de sua ressurreição, aparece de novo a seus discípulos. Interroga Pedro, obriga-o a confessar seu amor, já que por medo o negou três vezes. Cristo ressuscitou na carne, Pedro ressuscitou no espírito. Assim como Cristo morreu no sofrimento, Pedro morreu na negação do Senhor. Cristo o Senhor ressuscitou dos mortos e ressuscitou Pedro graças ao amor que esse lhe tinha. O Senhor questiona o amor daquele que agora declara abertamente seu amor, e lhe confia seu rebanho».

Santo Agostinho: «“Simão, filho de João, tu me amas? — Amo-te — Apascenta minhas ovelhas.” E isto uma vez, duas vezes, três vezes. Pedro não expressa mais que seu amor. O Senhor não lhe pede outra coisa além do amor; não lhe confia outra coisa senão suas ovelhas. Amemo-nos, pois, uns aos outros, e assim amaremos a Cristo!»

São Leão Magno: «Embora tenha dito a Pedro, em sua qualidade de chefe: Apascenta minhas ovelhas, na realidade é somente Ele, o Senhor, que dirige todos os pastores em seu ministério; e aos que se aproximam da pedra espiritual Ele alimenta com um pasto tão abundante e suculento, que um número incontável de ovelhas, fortalecidas pela abundância de seu amor, estão dispostas a morrer pelo nome de seu pastor, como Ele, o bom Pastor, dignou-se dar a própria vida por suas ovelhas».

Santo Agostinho: «Os que apascentam as ovelhas de Cristo de tal modo que mais querem que sejam suas do que de Cristo, demonstram que não amam a Cristo, estão possuídos da ambição de glória, de domínio e de riquezas, mas não da caridade de obedecer, servir e agradar a Deus. Seja Cristo a quem amemos e não a nós mesmos; e ao apascentar suas ovelhas procuremos o que é de Deus, e não o que é nosso. Porque quem ama a si mesmo e não a Deus, não se ama; pois quem não pode viver de si mesmo, morre supondo que se ama. Não se ama, pois, quem não se ama para viver. Mas aquele que é amado por Quem vive, não ama mais amando-se, porque não se ama para amar Aquele de quem se vive.»

V. CATECISMO DA IGREJA

É o Senhor!

  1. Na tradução grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável sob o qual Deus Se revelou a Moisés, YHWH, é traduzido por « Kyrios» («Senhor»). Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de «Senhor», tanto para o Pai como também – e aí é que está a novidade – para Jesus, assim reconhecido como sendo Ele próprio Deus.(Lc 24,34)
  2. O próprio Jesus veladamente atribui a Si mesmo este título, quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110, e também, de modo explícito, ao dirigir-Se aos Apóstolos. Ao longo de toda a vida pública, os seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demônios, sobre a morte e o pecado, demonstravam a sua soberania divina.
  3. Muitíssimas vezes, nos evangelhos, aparecem pessoas que se dirigem a Jesus chamando-lhe «Senhor». Este título exprime o respeito e a confiança dos que se aproximam de Jesus e d’Ele esperam socorro e cura. Pronunciado sob a moção do Espírito Santo, exprime o reconhecimento do Mistério divino de Jesus. No encontro com Jesus ressuscitado, transforma-se em adoração: «Meu Senhor e meu Deus» (Jo 20, 28). Assume então uma conotação de amor e afeição, que vai ficar como típica da tradição cristã: «É o Senhor!» (Jo 21, 7).
  4. Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o princípio, que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai, também são devidos a Jesus, porque Ele é «de condição divina» (Fl 2, 6) e o Pai manifestou esta soberania de Jesus ressuscitando-O de entre os mortos e exaltando-O na sua glória.

«Apascenta minhas ovelhas»

  1. No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar. Jesus confiou-lhe uma missão única. Graças a uma revelação vinda do Pai, Pedro confessara: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt 16, 16). E nosso Senhor declarou-lhe então: «Tu és Pedro: sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). Cristo, «pedra viva» (1Pe 2, 4)), garante à sua Igreja, edificada sobre Pedro, a vitória sobre os poderes da morte. Pedro, graças à fé que confessou, permanecerá o rochedo inabalável da Igreja. Terá a missão de defender esta fé para que nunca desfaleça e de nela confirmar os seus irmãos (ver Lc 22, 32).
  2. Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: «Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16, 19). O «poder das chaves» designa a autoridade para governar a Casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, o «bom Pastor» (Jo 10, 11), confirmou este cargo depois da sua ressurreição: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 15-17). O poder de «ligar e desligar» significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos e particularmente pelo de Pedro, o único a quem confiou explicitamente as chaves do Reino.

 

VI. TEXTOS DA ESPIRITUALIDADE SODALITE

“A pedra que os arquitetos e construtores desprezaram converteu-se em pedra angular. Fui eu, o Senhor, quem pôs como fundamento uma pedra escolhida, angular, preciosa, fundamental, e se escutas minhas palavras e as põe em prática, serás como o homem prudente que edificou sua casa sobre rocha: caiu a chuva, vieram as correntes, sopraram os ventos sobre a casa; mas ela não caiu porque estava construída sobre a rocha.

Ninguém pode pôr outro alicerce além do que já está posto: meu Filho Jesus Cristo. Pois não há sob o céu outro nome pelo qual sua vida fique bem firme, eleve-se e possa te salvar.

Olhe então como constrói. Se tiver fé em meu Filho, não vacilarás e nunca serás confundido.

Se eu não construir a casa, em vão se cansam os que a edificam”.

(P. Jaime Baertl, Constrói tua vida em Mim em “Estou à porta… Escuta-me”. Orações para o encontro com o Senhor. Vida e Espiritualidade, Lima 2014).

“Ao procurar e avançar para o justo, em meio às provações da vida, é necessário um conhecimento, uma gnosis, que nutra o discernimento… Gnosis parece implicar em um saber que nunca se esgota propriamente, e que convida a pessoa a avançar em um progressivo conhecimento da verdade de Deus e de seu desígnio amoroso para com o homem concreto, que leva a uma vivência obediente ante aquilo que se conhece, e que supõe critérios práticos de discernimento em vistas da ação. É um conhecimento aberto ao aprofundamento.

Certamente não podemos dar nosso assentimento ao Plano de Deus, que é bom e perfeito, sem tê-lo conhecido. Há circunstâncias adequadas para isso que devem ser aprendidas e observadas, e por sua vez é fundamental usar os meios propostos e aproveitar o tempo propício. Portanto, é essencial que todo cristão trabalhe por alcançar o conhecimento e a sabedoria suficientes para discernir aquilo que deve realizar, e assim dirigir seu próprio esforço… São Paulo também assinalava este horizonte em sua Carta aos Efésios: ‘Não sejam insensatos, mas compreendam qual é a vontade do Senhor’. Essa compreensão leva a uma vivência cada vez mais autêntica do amor. ‘Não se pode amar aquilo que se ignora’, disse Santo Agostinho, e Santo Tomás de Aquino, por sua parte, reforçava que ‘o conhecimento é causa do amor pela mesma razão pela qual o é o bem, que não pode ser amado se não for conhecido’…

O conhecimento de nós mesmos nos leva a tomar consciência de nossas limitações e, portanto, de nossa dependência, em primeiro lugar de Deus, mas também das pessoas que nos rodeiam… Este conhecer-se a si mesmo é parte fundamental do avançar na vida cristã, e está intimamente ligado com o conhecer cada vez mais a Deus. O Verbo Eterno, encarnado no seio puríssimo de Santa Maria, igual a nós em tudo exceto no pecado, mostra ao ser humano sua identidade, pois, como recorda o Concílio Vaticano II, ‘o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo Encarnado’. Compreender isto traça um caminho de encontro com o Senhor Jesus e de aprofundamento em sua pessoa como parte do conhecimento e encontro com nós mesmos. É um convite a conhecê-lO cada vez mais, a abrir-Lhe a porta de nossa mente e coração, para deixar que Sua Verdade ilumine nossa existência. Não se trata apenas de um conhecimento meramente teórico ou nocional, mas existencial, que se nutre de um encontro cotidiano com o Senhor Jesus e de uma vida de autêntica conversão e de configuração com Cristo. Significa, também, um convite para percorrer o caminho da piedade filial Mariana, que recebemos como um chamado do Alto da Cruz, pois guiados pela mão de Nossa Mãe, Sede Sapientiae, Sede da Sabedoria, somos conduzidos a um conhecimento mais profundo de seu Filho. O amor filial a Santa Maria converte-se, assim, em escola para um autêntico discernimento e resposta generosa ao Plano de Deus em nosso caminhar…

Atuando à luz do conhecimento do Plano de Deus vemo-nos amadurecendo em uma dócil tomada de consciência, e também em uma participação mais espontânea naquele Plano. O Senhor Jesus, medida da gnosis, diz-nos que Ele é a Verdade. Precisamente o encontro com Ele nos leva à Verdade da qual participam as verdades concretas que nos devem ajudar a optar pelo bom caminho”.

(Kenneth Pierce Balbuena, A escada espiritual de São Pedro. Fundo Editorial, Lima 2010)

[1] O Mar de Tiberíades, também chamado de Mar da Galileia ou Lago de Genesaré é um grande lago de água doce ao norte de Israel.

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