Não quero falar

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O silêncio pode ser um estado de ‘deoversão’: um movimento interior em direção a Deus, de profunda comunhão com Ele.

silêncio é muito importante em nossas vidas. Mais do que a simples ausência de palavras, entendemos o silêncio como uma capacidade para estar atento e guardar os fatos no coração, tal como fazia Maria, Mãe de Jesus e nossa.

O homem e a mulher silentes discernem quando é conveniente falar e quando é conveniente calar. O critério fundamental para este discernimento é a caridade.

Pergunte-se, então, a si mesmo ou a si mesma: qual é a razão desse meu desejo de calar, neste momento particular da minha vida? Às vezes, este desejo pode responder a uma necessidade que tenho de estar a sós com Deus, de ouvir com mais clareza a sua voz, de deixar que a sua Palavra acaricie e renove meu coração, depois de um momento muito intenso de atividade. Se este for o caso, o ‘não querer falar’ parece plenamente justificado e, inclusive, pode ser uma manifestação de um chamado especial que Deus me faz neste momento particular da minha vida.

No seu livro sobre o Cardeal Newman, o Padre Penido traça a personalidade do santo inglês e, entre um dos aspectos que descobre, figura a “deoversão” que, sob um olhar superficial, pode passar por uma simples “introversão”. Qual é a diferença entre estes dois conceitos? Enquanto a introversão refere-se ao estar ensimesmado, ou “voltado para dentro de si mesmo”, a “deoversão” significa um movimento interior em direção a Deus, uma espécie de subida que a pessoa faz, na sua experiência de comunhão com Ele.

Esta “deoversão”, que Penido descobre em Newman, deveria ser, em realidade, uma experiência muito comum entre nós cristãos, já que desde o nosso Batismo, a Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – habitam em nossos corações. Neste sentido, ao fazer um movimento de “introspecção”, de entrar em nós mesmos, a nossa experiência não deveria ser de solidão, mas de uma profunda comunhão com Deus, que “é mais íntimo a mim mesmo do que eu mesmo”, como dizia Santo Agostinho.

Esta constatação de que a solidão não é o mais profundo em nós, já que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e feitos partícipes, pelo nosso Batismo, do amor trinitário, está também presente numa das obras literárias de Karol Wojtyla (depois Papa João Paulo II). Referimo-nos à sua obra teatral “Raio de paternidade”:

“Não me fizestes como um ser fechado, não me fechastes totalmente. 
A solidão não está de fato no mais profundo do meu ser, senão que emerge em um ponto bem preciso”.

Muitas vezes em nossas vidas, a resposta mais adequada às situações e pessoas com as quais lidamos é realmente a de calar, a de rezar e pedir a Deus alguma luz, antes de dizer ou fazer alguma coisa concreta. Isto não significa isolamento, mas, pelo contrário, reverência e constatação de que precisamos da ajuda de Deus para nós mesmos sermos de alguma ajuda aos outros. Pode ser que, em algumas situações, realmente Deus nos peça a nossa intervenção, inclusive através de uma correção fraterna. Os mestres espirituais dizem que isto nunca deve ser feito em momentos de ira ou exaltação, mas quando estivermos tranquilos.

O silêncio não significa isolamento, mas pelo contrário, constatação de que precisamos da ajuda de Deus para nós mesmos sermos de alguma ajuda aos outros.A outra pessoa deve perceber que a nossa intenção é realmente a de ajudar.Mesmo assim, em ocasiões a nossa correção pode não ser bem aceita num primeiro momento. Isso foi previsto por Nosso Senhor, quando explicou aos seus discípulos como devia ser feita a correção numa comunidade cristã (Cf. Mt 18,15-18).

O máximo exemplo de silêncio, o encontramos no Senhor Jesus. Basta uma leitura atenta da sua Paixão para percebermos como o Senhor escolhe os momentos para calar e falar, sempre visando a salvação de todos, inclusive daqueles que O crucificaram.

Depois Dele, a Nossa Mãe Santa Maria nos oferece um belo exemplo de silêncio. São pouquíssimas as suas palavras nos Evangelhos, sempre reverentes e em sintonia com a vontade de Deus. Quiçá um dos momentos mais emblemáticos é o das Bodas de Caná, passagem que é uma verdadeira escola de silêncio e de intimidade com seu Filho, expressa em gestos e palavras. O que a leva a intervir, a pedir o milagre é a preocupação pelos noivos, próprias da mãe e da intercessora que é de todos os homens e mulheres.

Peçamos a Ela que nos ajude a viver o silêncio, a saber quando falar e quando calar, para que ambos sejam em nós uma concretização do amor, tal como o foram na vida Dela.

Membro do Sodalício de Vida Cristã desde 1996. Nascido no Peru em 1978, mora no Brasil desde 2001. Por muitos anos foi professor de Filosofia na Universidade Católica de Petrópolis. Atualmente faz parte da equipe de formação do Sodalício, é diretor do Centro de Estudos Culturais e desenvolve projetos de formação na Fé e evangelização da cultura para o Movimento de Vida Cristã.

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