Todas as águas

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“Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as Suas graças e chamou-as Maria” (São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem).

Ave, Maria, cheia de graça! Eis que nós, vossos filhos, queremos mergulhar neste mar de graças no qual Deus a constituiu, beber desta água que, assim, contém e gerou no líquido do próprio ventre Aquele que santifica a água na qual somos batizados; batismo que implica nas bodas da alma com o Esposo, bodas onde é transformada – por vossa intercessão – a nossa insípida e aguada alma no encorpado e saboroso vinho da Redenção, o sangue eucarístico do Cristo ressuscitado; Redenção pascal que não poderia deixar de incluir também este tempo dedicado a vós, presente em todos os aspectos da nossa Salvação, e que se inicia com festa a São José, tornando presente a unidade da Sagrada Família – desta Unidade em Cristo que é sagrada para as todas as famílias.

O Senhor é convosco, ó mãe querida! Não apenas está convosco, mas é convosco: como separar o próprio elemento das águas do mar de graças que inunda os corações dos filhos de Deus? “Considerai com que amor nos amou o Pai, para sermos chamados filhos de Deus. E de fato o somos” (1 Jo3,1-3). Se filhos, têm Pai e Mãe; “Eis aí a tua mãe!” (cf. Jo 19,26-27); portanto, uma família. Família reunida nos bons e maus momentos, na bonança e nas tempestades, como reunidas estão as águas do mar, do mar de graças, que “Deus Pai ajuntou” e “chamou-as de Maria”.

Mas as tempestades podem se transformar num vale de lágrimas, e então, com quem mais contaremos, ó Mãe Dolorosa, senão convosco, cujas lágrimas puras lavam os nossos pecados? E não é ainda na lógica pascal que transborda neste tempo dedicado a vós que podemos entender que, “se somos filhos, somos também herdeiros – herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se realmente sofremos com Ele, é para sermos também glorificados com Ele” cf. Rm 8,14-23)? À crucifixão não se seguiu de fato a Ressurreição? Não é da Providência Divina que proclamamos a Felix Culpa, que nos mereceu tão grande Redentor? Não são as águas da chuva forte que irrigam a terra seca que não produz fruto? Mesmo a dor serve à Providência divina, e os sofrimentos à nossa salvação: “Minha vida hoje confio, ò Mãe Dolorosa ao teu amor”…

Já o Bendito Fruto do vosso ventre, ó querida Mãe, é Jesus: Santa Maria, Mãe de Deus. Geras assim Aquele por Quem foram feitas todas as coisas, toda a Criação; o vosso parto vem lavar as gerações, pois, “Com efeito, sabemos que toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto (Rm 8,22)”, e “De fato, toda a criação está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus (Rm 8,19)”: o vosso Filho, e nós com Ele, nascidos para a Vida pela vossa intermediação e água batismal do Lado de Jesus. É da vontade de Deus que nos revelemos ao mundo como Seus – e vossos – filhos, para a Sua Glória, para o bem dos irmãos, e para a nossa salvação: temos que ser o sal da terra. Mas, ó Mãe, de onde viria este sal, como teria sabor, se não fosse das águas salgadas do mar de graças a quem Deus chamou Maria? Banha-nos, Mãe; que as incessantes ondas da misericórdia de Deus nos cheguem por vossas mãos, que não se cansam de nos afagar.

Rogai por nós, Mãe, pecadores; mas também, pela Igreja que é Corpo Místico de Cristo, santos; e assim Esposa sem rugas diante de Deus, como sois Esposa Imaculada do Espírito Santo; sem rugas, porque teremos a pele do corpo e da alma hidratada pelas vossas orações – aí todos os vales terão sido aterrados, e todo monte nivelado, abrindo caminho liso e plano para os passos do Senhor: tecido inconsútil que, aos pés da Cruz, nos envolverá como manto e será a sorte daqueles que seguem a Jesus.

Na hora da nossa morte, Mãe amada, ajudai-nos com a fecundidade do vosso amor a cruzar a pé enxuto, desafogados do dilúvio dos nossos pecados, o mar morto, estéril, falto de obras, que desertificaram a nossa caminhada; fazei brotar desta rocha, dos corações de pedra, a Água Viva que saciará a nossa sede, e mergulhados na Qual seremos a pesca que, pela multiplicidade dos dons do Senhor, será oferecida junto com o Seu Pão para alimentar os irmãos; pois se o Espírito não pairar sobre as águas – o profundo oceano da nossa alma – e vivificá-las pela vossa intermediação, não será gerada a Vida, não haverá um Gênesis, e não voltaremos aos rios do Paraíso que, em cruz, se dirigiam para irrigar todas as terras. Só vós, Senhora: só vós, com a vossa maternidade divina, podeis nos ensinar a dar os frutos necessários para que não fique – seco – o ramo da videira.

E agora, Mãe, no hoje da nossa existência, rogai para que vejamos e identifiquemos o vosso rosto no rosto daqueles que têm os traços, o vínculo, da vossa filiação: nos vossos filhos, nossos irmãos em Cristo, nossos familiares. E particularmente naquela que, ao nos gerar primeiro fisicamente, e ao longo da vida nos corporificar a vossa própria ação, merece o vosso mesmo título diante de Deus; o orvalho que antes da aurora vertiginosa de cada dia nos abraça em aconchego, a fonte subterrânea que, não aparente, nos dessedenta com amor sempre fiel: a gota que o Pai ajuntou dentre todas as águas, caiu de vós, e que no mar revolto da vida temos a graça de chamar – mãe.

José Duarte de Barros Filho   10/5/2014

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